Imigração italiana em Antônio Carlos e Barbacena: o caso da Colônia Rodrigo Silva

Revista Casa D’Italia, Juiz de Fora, Ano 2, n. 14, 2021 – Pedro Capicote | Imigração italiana em Antônio Carlos e Barbacena: o caso da Colônia Rodrigo Silva


Enquanto descendente de imigrantes italianos, o tema da imigração nunca foi novidade. Sempre foi falado que minha tataravó havia nascido na Itália e emigrado no final do século XIX para a região. Àquela altura, Antônio Carlos chamava-se Sítio e era um distrito de Barbacena. Não é raro encontrar pessoas com sobrenomes italianos e a mesma história nessa porção das vertentes de Minas Gerais. A história era contada mais ou menos dessa forma, fragmentada e incompleta. Soava sempre como uma casualidade o fato de tantas famílias italianas estarem aqui. Eu sempre quis entender os porquês e foi bem mais tarde que o principal deles saltou aos olhos: a Colônia Rodrigo Silva.

Embalagem dos produtos produzidos em sítio fonte prefeitura de Antonio Carlos – Pedro Capicote

Instalada pelo governo imperial no ano de 1888, a Colônia Rodrigo Silva ocupava uma área de 37.802.670,20 m² entre os municípios de Barbacena e Antônio Carlos. O projeto da Colônia, do ponto de vista estadual, fazia parte de uma proposta de modernização de partes estratégicas de Minas após o fim da escravidão e as sucessivas crises no mercado de café. Até o final do século XIX foram implantados, ao todo, cinco projetos coloniais: Barbacena (Rodrigo Silva), São João del-Rei (Colônia do Marçal), Sabará (Maria Custódia), Belo Horizonte (Barreiro) e São João Nepomuceno (Ferreira Alves), sendo esta última a única estabelecida pela iniciativa privada.

No contexto regional, é importante destacarmos a condição histórica da região de Barbacena enquanto um relevante centro urbano desde o período do ciclo do ouro. Àquela altura, o território ainda era marcado pela grande concentração de terras nas mãos de uma elite com ascendência portuguesa. A pecuária extensiva era a principal atividade econômica. No entanto, com o desenvolvimento da ferrovia, que também foi uma estratégia em vista da modernização do estado, outras atividades econômicas começaram a se tornar viáveis. Nesse horizonte de possibilidades, a indústria era uma aposta promissora.

A sericultura foi a principal atividade industrial vinculada à colonização italiana na região de Barbacena. O projeto, que foi pioneiro no Brasil, visava a produção do bicho da seda, o beneficiamento em tecido e o desenvolvimento de tecnologias viáveis para a implantação do sistema em outras regiões do país. Apesar da fábrica em si ter sido fundada apenas em 1912 por Amilcar Savassi, toda a movimentação em prol dos sistemas de transporte, mão de obra colonial e produção de matéria-prima já vinha sendo estabelecida por ele desde a criação da Colônia Rodrigo Silva. Savassi, além de imigrante italiano, foi o primeiro diretor do núcleo colonial.

A sericultura foi a principal atividade industrial vinculada à colonização italiana na região de Barbacena. O projeto, que foi pioneiro no Brasil, visava a produção do bicho da seda, o beneficiamento em tecido e o desenvolvimento de tecnologias viáveis para a implantação do sistema em outras regiões do país. Apesar da fábrica em si ter sido fundada apenas em 1912 por Amilcar Savassi, toda a movimentação em prol dos sistemas de transporte, mão de obra colonial e produção de matéria-prima já vinha sendo estabelecida por ele desde a criação da Colônia Rodrigo Silva. Savassi, além de imigrante italiano, foi o primeiro diretor do núcleo colonial.

Essa característica primordial da unidade colonial demonstra a importante contribuição da imigração na modificação fundiária da região, que até então era marcada pela grande propriedade rural. Fica claro aqui que a modificação fundiária também fazia parte das estratégias dessa modernização do estado. A própria característica dos colonos contribui para essa modificação estrutural. Grande parte desse novo contingente populacional vinha do Noroeste da Itália, marcado pela predominância de pequenas e médias propriedades administradas de forma familiar.

Lote colono arquivo publico mineiro – Pedro Capicote

A Indústria da Seda funcionou até o ano de 1973, quando a produção se tornou insustentável após a entrada da seda chinesa no mercado nacional. Porém, o legado que a Colônia Rodrigo Silva deixou na região continua sendo imensurável. As famílias italianas foram crescendo e rompendo o primeiro ciclo rural que marcou o período de instalação na nova pátria. Era tudo muito novo nesse contexto de modernização, até mesmo para a população nativa: o fim da escravidão e do Império, o desenvolvimento da ferrovia, a indústria e o crescimento das cidades em si. Aos poucos, esses novos cidadãos brasileiros vão ocupando outras posições nos estratos sociais das cidades, contribuindo também no setor terciário e nas decisões políticas do estado.

A consolidação dessa população durante a formação das cidades da região faz com que a história da imigração italiana se confunda com a própria história de algumas cidades. É o caso de Antônio Carlos, que se tornou um município apenas no ano de 1948, quase 50 anos depois da criação do núcleo colonial. Essa relação intrínseca talvez dificulte o reconhecimento da Colônia como um importante vetor para a expansão urbana dessa cidade. Atualmente, não existe nada no município que faça referência à Colônia, muito embora a maioria das pequenas propriedades rurais ainda siga o parcelamento daquele tempo. Em Barbacena, essa memória se faz um pouco mais presente, primeiro pela própria atuação da Casa D’Itália da cidade, através de todos esses anos, e segundo porque parte do território da Colônia se tornou um bairro de mesmo nome. As dependências da antiga sericícola, que hoje em dia abriga o grupo teatral Ponto de Partida e a escola de música Bituca, foram restauradas recentemente e ajudam também a reafirmar essa memória no município.

Mapa Arquivo Público Mineiro do parcelamento dos lotes da colônia – Pedro Capicote

Se hoje consigo contar parte dessa história, isso tem mais a ver com minha própria trajetória do que com minha vivência na região. Sou arquiteto, curioso em saber a história dos meus antepassados e interessado no tema da memória. Mesmo que tardiamente, como eu disse no início, era natural me inteirar do assunto em algum momento. Mas não teria sido melhor ter vivenciado essa memória através do que antigamente foi a Colônia? E como aqueles que não estão familiarizados com o tema poderão acessar essa história tão importante? Como deixar menos invisível do ponto de vista territorial as marcas que a Colônia imprimiu na configuração do território de ambas as cidades? Os desafios para a preservação e difusão da memória já são imensos na realidade do Brasil e, quando somamos questões da dimensão territorial, ficam ainda mais difíceis.

A gente nunca sabe quando está dando os primeiros passos, então espero que este texto seja um deles, na direção de alargar o debate sobre a imigração italiana e a importância da Colônia Rodrigo Silva na transformação territorial dessas duas cidades.


Referências bibliográficas:

A gente nunca sabe quando está dando os primeiros passos, então espero que este texto seja um deles, na direção de alargar o debate sobre a imigração italiana e a importância da Colônia Rodrigo Silva na transformação territorial dessas duas cidades.

Romano, D. B. História Local e Patrimônio Industrial: Visitando e aprendendo com a Estação Sericícola de BarbacenaUnirio, Rio de Janeiro, 2019.

LAPA. APITE. Memória Trilho. Direção: Matheus Engenheiro – LAPA/UFJF. Documentário. 2014. 1h10min


Pedro Capicote

Arquiteto pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela Universidade de Zaragoza, Espanha atua profissionalmente desenvolvendo projetos arquitetônicos e de interiores na região de Juiz de Fora, Barbacena e Antônio Carlos. Tem grande interesse pela área da paisagem e da preservação da memória. É membro fundador do projeto “Jornal do Sítio” uma publicação de âmbito municipal na cidade de Antônio Carlos e da página @memórias_antônio_carlos, perfil do Instagram dedicado a preservação da memoria da cidade através de fotos antigas e registros do cotidiano.