Revista Casa D’Italia, Juiz de Fora, Ano 2, n. 11, 2021 – Lucínia Altomar Scanapieco | Resgatando histórias, reverenciando nossos antepassados: memórias das famílias Altomar e Scanapieco
Juiz de Fora, como tantas outras cidades do Brasil, teve a contribuição de imigrantes italianos na sua formação.
Passeando pela cidade, e com um olhar pesquisador e curioso, podem-se perceber vários indícios dessa contribuição, como no nome de ruas, nas placas de comércio, nas construções e também nas artes.
Esses imigrantes chegaram ao Brasil e a Juiz de Fora trazendo em suas bagagens seus poucos pertences e seus misteres. Alfaiates, mecânicos, pintores artísticos, músicos e sapateiros — os chamados “calzolaio”. A essa profissão pertenciam meus dois avôs, o Francisco Altomar, calabrês de Luzzi, Cosenza, e o Antonio Scanapieco, de Caselle in Pittari, Salerno.

Francisco começou com uma fábrica de calçados, nos fundos de sua casa na Av. XV de Novembro, atual Av. Getúlio Vargas, e aposentou-se como proprietário da conhecida loja “Calçados Altomar”, na Av. Barão do Rio Branco, 2.145, em frente ao Parque Halfeld.

Já Antonio tornou-se aprendiz de seu sogro Giuseppe Lettieri e, como sócio de seu cunhado Giovanni Lettieri, montou a Fábrica de Calçados Lettieri & Scanapieco, na Av. dos Andradas, onde atualmente é o Instituto Vianna Júnior. Mas, por problemas de saúde, não pode continuar na profissão e voltou-se para a área têxtil, com o comércio de resíduos de tecidos. Teve loja na parte baixa da Rua Marechal Deodoro, mudando-se depois para a Av. dos Andradas. Com a enchente de 1940, perdeu muito de sua mercadoria e com isso, desistiu do comércio. Em 1937, criou a primeira usina de beneficiamento de algodão na Zona da Mata mineira, a “Usina Ypê”, situada na Av. Sete de Setembro, 1.496. Dotada de maquinário moderno, empregava muitos operários, sob orientação de criteriosos técnicos no assunto. A Usina Ypê chegou a produzir 10 mil quilos de algodão beneficiado por dia. Sua produção era escoada pelas companhias ferroviárias Leopoldina e Central do Brasil. O prédio existe em parte até hoje e, há pouco tempo, tive a oportunidade de visitá-lo e registrar algumas fotos para meu arquivo pessoal. Foi uma emoção adentrar aquele espaço e deixar o pensamento viajar no tempo, imaginando como deveria ter sido em seus momentos de glória.


Preservar essas memórias é um tributo especial aos nossos ancestrais, além de contribuir para contar, muitas das vezes, uma parte da história de nossa cidade. Acredito que cabe à família coletar e registrar esses dados e, quando possível, compartilhá-los. É a melhor maneira de manter viva em nossa memória e nossos corações a imagem de nossos avós e pais, que deixaram sua terra natal para criar um novo lugar para se viver, com o suor de seu trabalho e o amor às suas tradições.
Por falar em tradições, nossas famílias conservam algumas até hoje.
Dentre muitas, os Scanapiecos mantiveram o hábito do cafezinho, servido em canequinhas de esmalte verde, e os Altomares o delicioso macarrão com sardinha, que teve sua receita adaptada às condições locais, mas não perdeu sua essência nem o sabor.
Resgatar, preservar histórias e tradições familiares é algo maravilhoso. Para mim, é uma visita ao passado, de onde volto revigorada e feliz a cada vez que revolvo meus guardados.
Juiz de Fora está encontrando, junto à Casa D’Italia, uma oportunidade fantástica de preservação da memória dos imigrantes italianos, através do projeto Raízes Italianas, onde recebem e digitalizam fotos e documentos que fazem a identificação de famílias, os quais ficam arquivados para quem por eles se interessar.

Então! Que tal fazer uma busca nos guardados de família e, quem sabe, trazer para nossa apreciação mais algumas histórias e com isso enriquecer esse arquivo?

Lucínia Altomar Scanapieco
Formada no Curso Técnico de Contabilidade pela Fundação Educacional Machado Sobrinho. Exerceu a profissão por pouco tempo, pois se casou e, depois do nascimento do primeiro filho, decidiu que artes, criação e artesanato eram suas aptidões maiores. Sempre curiosa, se permitiu executar algumas técnicas de artesanato e trabalhos manuais, sendo o crochê o seu favorito. Aos poucos, se encantou pela pesquisa de suas origens italianas e se tornou a guardiã das memórias familiares. Uma eterna apaixonada por minha ancestralidade, foi convidada a participar do grupo de etnia italiana para a realização da Festa das Etnias, promovida pela Funalfa, e hoje está com a função de Diretora Cultural do Grupo de Dança Folclórica Italiana Tarantolato, com o qual compartilha a caminhada há mais de oito anos.
Parabéns Lucínia por manter viva nossa memória familiar que com certeza vai se mesclando à historia da nossa querida Juiz de Fora. Sucesso!