REVISTA CASA D’ITALIA – Ano 04, nº38, 2023

Ano 04, nº38, 2023 – Edição ‘Relações Brasil x Itália’ – ISSN: 2764-0841

Editorial

Caros leitores,

Bem-vindos ao Volume 38 da Revista Casa D’Italia, dedicado às complexas relações entre Brasil e Itália. Nesta edição, exploramos a influência italiana na cultura brasileira, destacando temas como enoturismo, raízes italianas em São Roque, memórias, educação e cultura, política italiana, raça e modernidade.

Iniciamos com uma viagem pelos vinhedos brasileiros, ressaltando o enoturismo como uma fusão de sabores brasileiros e italianos. Em seguida, mergulhamos nas raízes italianas em São Roque, celebrando suas festas e explorando memórias nostálgicas. Abordamos questões de segurança urbana e políticas italianas, incluindo a ascensão da extrema direita. Destacamos o papel do Banco Comendador no incentivo às finanças solidárias e analisamos o impacto da Lei Aldir Blanc em Carvalhos – MG. Investigamos as lacunas nas memórias históricas de Juiz de Fora, especialmente aquelas relacionadas à comunidade negra, questionando e buscando preencher os espaços entre o invisível e o silêncio. 

Encerramos esta edição explorando os desafios e oportunidades do Novo Ensino Médio, uma jornada que nos leva da sala de aula à caverna, onde novas formas de aprendizado e descoberta estão sendo moldadas. Esperamos que esta edição da Revista Casa D’Italia seja uma fonte de inspiração, conhecimento e reflexão sobre as interconexões entre Brasil e Itália, celebrando a riqueza cultural que une essas duas nações.

Agradecemos a todos os escritores, leitores e nossos apoiadores do Apoia.se, que tornaram esta edição da Revista Casa D’Italia possível. Juntos, continuamos a construir uma plataforma que amplifique as vozes das mulheres e inspire a mudança. Aproveitem a leitura e que as histórias compartilhadas aqui motivem a busca por um mundo mais igualitário.

Buona lettura!

Editorial: Paola Frizero.

Raça e Modernidade
por Mônica Vasconcellos Barral Campos

“São Roque — a Capela, o Largo e as Festas”. Um livro de memória e nostalgia

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Maria Clara Cabral | “São Roque — a Capela, o Largo e as Festas”. Um livro de memória e nostalgia

Resumo: O presente artigo propõe apresentar como foi o processo de criação do livro “São Roque — a Capela, o Largo e as Festas”, como foi revisitar histórias pessoais e coletivas, e a importância de registrar essas lembranças para o futuro.

Palavras-chave: Livro. Memória. Histórias. Entrevistas. 

Abstract: This article proposes to present the process of creating the book “São Roque — the Chapel, the Square and the  Festivities”, what it was like to revisit past personal and collective stories and the importance of recording these memories for the future.

Key words: Book. Memory. Stories. Interviews. 

Riepilogo: Questo articolo si propone di presentare il processo di creazione del libro “São Roque — la Cappella, la Piazza e le Feste”, com’è stato rivisitare storie personali e collettive del passato e l’importanza di registrare questi ricordi per il futuro.

Parole chiave: Libro. Memoria. Storie. Interviste.

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Em agosto, a Casa D’Italia recebeu o lançamento do livro “São Roque — a Capela, o Largo e as Festas”, escrito por Lucínia Scanapieco (neta de imigrantes italianos, envolvida com a cultura italiana e diretora cultural do grupo de dança Tarantolato) e sua filha Luciana Scanapieco, historiadora e mestra em patrimônio e museologia.

O livro foi escrito a partir de uma pesquisa para a festa de São Roque, em 2010. O intuito era uma colheita de memórias das festas antigas e a realização de uma exposição com as informações. Porém, ao conversarem com os moradores do Largo, os frequentadores da Igreja e das festas, foi impossível deixar as histórias somente para a exposição.

Lucínia sempre morou perto da região do Largo e tinha contato com os moradores. Isso facilitou o processo de escolha dos entrevistados, que contaram histórias não somente pessoais, mas sim coletivas.

Apesar de ter começado as pesquisas em 2010, para a festa, o livro saiu 13 anos depois, por questões pessoais e de tempo. Toda a montagem do livro foi feita pelas duas autoras, sem patrocínio ou apoio. Lucínia transcreveu e digitalizou as entrevistas e separou as imagens, sempre com o auxílio da filha Luciana.  

Lucínia teve o cuidado de transcrever as falas exatamente como foram ditas, sem alterações, para mostrar os sentimentos do entrevistado. Elas queriam levar para os leitores não somente o conteúdo, mas também a forma como foi falado, apresentando a emoção do momento.

Durante esse período de 13 anos, as pesquisas não pararam, e sim prosperaram. Lucínia e Luciana entrevistaram mais pessoas, coletaram imagens e pesquisaram os arquivos iconográficos em museus e acervos.

Com a pesquisa já pronta, elas decidiram separar as histórias em três temas: a Capela, o Largo e as Festas. No livro não é mostrada somente a memória religiosa,  mas sim a importância da Capela no local. Ela era o ponto principal da região, ou seja, um local de referência; tudo girava em torno da capela.

 Livro no dia do lançamento na Casa D’Italia. Fonte: perfil em rede social @casaditaliajf

Para Luciana, um dos momentos que mais a impactou foi quando um entrevistado contava uma história e depois outro também contava de sua perspectiva. Para ela, era como se estivesse vivendo o momento: “Eu não vivi essa época que eles estão contando, então era como se eu mesma estivesse participando daquele momento”.

Tanto Lucínia quanto Luciana afirmam que escutar as histórias era um momento de imersão, pela forma como os entrevistados contavam e pela emoção que transmitiam nos relatos. Elas puderam perceber como aquele espaço físico da cidade foi e é importante para as pessoas que frequentaram e viveram momentos únicos e inesquecíveis, como um noivado.

Lucínia também destaca o momento do lançamento, pois alguns entrevistados faleceram no intervalo entre as pesquisas e a publicação do livro. Então, era como revisitar esses conhecidos.

Trabalho entre mãe e filha

Para Luciana, trabalhar com a mãe foi fantástico por conhecer uma parte da história da cidade, mas também de sua família, pois alguns familiares moraram no Largo. Pôde ainda aprofundar o conhecimento sobre a história da imigração italiana e a chegada a um local desconhecido.

Lucínia também adorou trabalhar com a filha, pois já gostava de pesquisar e conhecer mais sobre a família. Assim, aproveitou o momento para entender sobre a área de pesquisa de Luciana. Para ambas, foi um momento de crescimento e enriquecimento pessoal.

Luciana e Lucínia no lançamento do livro na Casa D’Italia. Fonte: arquivo pessoal

Livro de memórias

O livro de histórias, a princípio pessoais, conta sobre um lugar e sobre a coletividade. Elas abordaram a memória de uma parte da cidade de Juiz de Fora. Para elas, a obra traz um sentimento de pertencimento e de representação de um espaço físico, mas também de momentos ao longo do tempo. Como afirma Luciana, “é um pedacinho da identidade juiz-forana”.

Lucínia viveu nos arredores do Largo e tem memórias riquíssimas do local: “O Largo do São Roque do meu tempo de menina continua vivo na minha memória. A cada momento que eu vou, eu paro às vezes e deixo a mente buscar uma das muitas memórias do Largo”.

Além disso, contar a história a partir de memórias de quem estava na região é importante para analisar as mudanças geográficas do local, que foram feitas ao longo dos anos sem considerar o apego emocional dos moradores e como impactava em seu dia a dia.

Por conta dos fortes relatos, Lucínia e Luciana afirmam que os autores do livro são os entrevistados e que elas “somente” reuniram e organizaram as histórias. Pela  transcrição exata e fiel das falas, quem conhece os entrevistados pode imaginá-los contando a história.

Elas definem o livro como uma coletânea de memórias. E com um valor afetivo que foi entregue às duas para passar adiante, sem deixar que essas lembranças se percam no tempo.

É preciso conhecer as memórias e as histórias do local para não deixar morrer tudo o que foi vivido no Largo. E principalmente, deve-se reconhecer a importância da imigração italiana em Juiz de Fora e perceber como esses imigrantes se estabeleceram e ajudaram a formar a cidade.


Maria Clara Cabral

Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É membro do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade e Memória (COMCIME)/UFJF e atualmente pesquisa os Cinemas de Rua de Juiz de Fora


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Attenzione pickpocket”: Um pouco da história do Lega Nord e a extrema direita italiana

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Guilherme Abizaid David | “Attenzione pickpocket”: Um pouco da história do Lega Nord e a extrema direita italiana.

Resumo: O artigo se propõe a contar um pouco da história da extrema direita italiana após o fim da 2ª Guerra Mundial (1945) e o desempenho eleitoral dela nos últimos anos.

Palavras-chave: Extrema direita. Populismo. Itália. 

Abstract: The article aims to tell a little about the history of the Italian far right after the end of World War II (1945) and their electoral performance in recent years.

Key words: Far right. Populism. Italy.

Riepilogo: L’articolo si propone di raccontare un po’ la storia dell’estrema destra italiana dopo la fine della Seconda guerra mondiale (1945) e la sua performance elettorale negli ultimi anni

Parole chiave: Estrema destra. Populismo. Italia. 

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Em julho de 2023, bastava acessar qualquer rede social (Tik Tok, Twitter, Instagram etc.) para assistir a um vídeo que se tornou viral. Nele, uma mulher grita, em italiano, ao fundo: “Attenzione pickpocket!”, “Attenzione borseggiatori!”. Em tradução livre, ela estaria gritando “Atenção, batedores de carteira!”, no intuito de avisar sobre um problema comum em cidades turísticas da Europa. 

Essa personagem é Monica Poli. Italiana de 57 anos, residente de Veneza, faz parte de um grupo que, há mais de 30 anos, denuncia os ladrões que executam esses pequenos furtos na cidade. Os “Cittadini Non Distratti” — Cidadãos não distraídos — são responsáveis por 1/3 das prisões de batedores de carteira em Veneza, segundo informou a The Economist, em 2019.

Após “viralizar”, Poli concedeu entrevistas para jornais conceituados, como o The New York Times, em que garantiu ter um sexto sentido para encontrar os ladrões (Kircher, 2023). Além disso, afirma não ter medo dos batedores de carteira e entrega suas filmagens para a polícia local. No Tik Tok, seus vídeos atingiram a marca de 10 milhões de visualizações. 

Porém, sua ocupação vai além de uma “denunciante” de um grupo voluntário preocupado em avisar turistas sobre pequenos furtos. Monica Poli é vereadora, filiada ao Lega Nord, partido de extrema direita da Itália.

Neste artigo, pretende-se falar um pouco sobre a história desse partido, refletindo um pouco sobre a extrema direita italiana pós-2ª Guerra Mundial.

  1. A extrema direita na Itália após 1945:

A Itália foi palco do nascimento do fascismo enquanto movimento político e regime. Chegou ao poder em 1922, permanecendo até o fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945. Mas é fato que, ainda que os fascistas tenham sido removidos do poder, o fascismo não havia acabado ali.

No campo institucional, em 1946, foi criado o Movimento Sociale Italiano (MSI), liderado pelo ex-integrante do governo fascista, Giorgio Almirante. Sem esconder suas credenciais, ainda que violasse a constituição italiana de 1947, que determinava a extinção de qualquer partido fascista, o MSI alcançou o parlamento em 1948, mantendo sua representação até 1995, quando transformou-se na Alleanza Nazionale (AN) (Mudde, 2022).

Além disso, a torcida ultra da S.S. Lazio, a Irriducibilli (David, 2023) e a Casa Pound são exemplos de subculturas que surgiram na Itália no contexto do pós-guerra, fazendo parte de um espectro de outros tipos de grupos que surgiram na extrema direita do país (Mudde, 2022).

Entretanto, esses movimentos tiveram suas origens diretamente ligadas aos fascistas, algo que não ocorreu com a Lega Nord. Fundado em 1991, compunha uma coalizão de “ligas” regionalistas do norte da Itália. Segundo o historiador Cas Mudde (2022), o fundador, Umberto Bossi, tinha, no princípio, uma forte oposição ao estado italiano, criando até uma nação própria (a Padania), com sua moeda e até passaporte. Porém, quando Matteo Salvini assumiu o partido em 2013, houve uma transformação, reconstituindo a agremiação e minimizando o regionalismo e os ataques ao Sul da Itália, focando agora nos muçulmanos e, mais recentemente, nos refugiados.

Salvini inclusive retirou o Nord (Norte) do nome do partido, mantendo apenas Lega (Liga) para concorrer nas eleições parlamentares da Itália em 2018, com o slogan “Italianos primeiro”.

  1. O desempenho eleitoral da extrema direita italiana (2018/2022):

Os resultados nas urnas de 2018 foram favoráveis a Matteo Salvini. A Lega conquistou 17% dos votos, superando o movimento Forza Italia, de Silvio Berllusconi. Para governar, foi necessária uma coalizão com o partido populista Movimento 5 Estrelas (M5S). Fundado pelo comediante Beppe Grillo em 2009, o M5S ganhou destaque no país por sua proposta de acabar com os elementos representativos da governança democrática, de forma que os cidadãos exercessem um mandato direto (Tormey, 2019).

Salvini teve um bom desempenho nas eleições de 2018 muito por sua comunicação política de caráter populista. Em suas manifestações digitais, conseguiu captar sentimentos de eleitores a partir de uma série de postagens que exibiam situações   conflituosas   e   dramáticas, centradas nos problemas da insegurança, do desemprego, da imigração, da identidade e da soberania (Zuin, 2021).

Em 2022, uma nova política da extrema direita foi eleita, dessa vez, presidente da Itália. Giorgia Meloni e seu partido conquistaram 26% dos votos. Já a coalizão que formou juntamente com o Lega de Salvini e o Forza Italia de Berlusconi chegou aos 43% dos votos, além de obter maioria no senado e na câmara dos deputados.

A trajetória de Meloni em movimentos neofascistas vem desde sua adolescência, tendo feito parte da ala juvenil do MSI e, posteriormente, assumindo a presidência do movimento estudantil da AN. Seu partido, Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália), adota o mesmo lema de Mussolini: “Deus, Pátria e Família”. Além disso, a primeira-ministra já prometeu uma posição “diferente” da Itália em relação à União Europeia e posições duras contra grupos que lutam pelos direitos da comunidade LGBT.

Eventos políticos como esses demonstram, novamente, que o fascismo não acabou em 1945. A eleição de agentes políticos que adotam essa ideologia e discurso, ainda mais em países que sofreram as consequências da extrema direita no poder, levam à reflexão sobre o processo de desfascistização e a memória desses regimes totalitários. 


Referências bibliográficas:

DAVID, Guilherme. Fascismo na arquibancada: os usos do passado fascista na torcida da Società Sportiva Lazio. Revista Casa D´Itália, ano 04, nº 31, 2023. Disponível em: https://casaditaliajf.com.br/revista-casa-ditalia-ano-04-no31-2023/#Texto-6. Acesso em:  24 set. 2023.

KIRCHER, Madison. ‘Attenzione, Pickpocket!’ A Voice on TikTok Warns Tourists in Italy. The New York Times, Veneza, p. 1, 25 jul. 2023. Disponível em: https://www.nytimes.com/2023/07/25/style/attenzione-pickpocket.html. Acesso em: 24 set. 2023.

MUDDE, Cas. A extrema direita hoje. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2022.

TORMEY, Simon. Populismo: uma breve introdução. São Paulo: Editora Cultrix, 2019.

ZUIN, J. C. S. A linguagem política na era digital: O populismo de Matteo Salvini na Itália. Mediações – Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 26, n. 1, p. 143–162, 2021. DOI: 10.5433/2176-6665.2021v26n1p143. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/view/39792. Acesso em: 29 set. 2023.


Guilherme Abizaid David

Graduado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pesquisador Júnior do Observatório da Extrema Direita.  Lattes: http://lattes.cnpq.br/8818744501569723

E-mail: guilhermedavid3005@gmail.com


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Raça e Modernidade

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Mônica Vasconcellos Barral Campos | Raça e Modernidade

Resumo: Este ensaio aborda a interseção entre raça e poder global, investigando a construção histórica do termo “negro” e sua influência nas relações contemporâneas. Analisa-se a invisibilidade racial, destacando a colonialidade do poder e o eurocentrismo. O texto explora como a escravidão moldou a identidade racial no Brasil e examina as implicações dessas dinâmicas na estrutura global. O estudo utiliza abordagem analítica, com ênfase em revisão bibliográfica. Os resultados destacam a persistência de hierarquias raciais e apontam para a necessidade de repensar as relações entre capitalismo, raça e poder.

Palavras-chave: Raça. Modernidade.  Eurocentrismo. Colonialidade do poder. 

Riepilogo: Questo saggio affronta l’intersezione tra razza e potere globale, indagando la costruzione storica del termine “nero” e la sua influenza sulle relazioni contemporanee. Viene analizzata l’invisibilità razziale, evidenziando la colonialità del potere e l’eurocentrismo. Il testo esplora il modo in cui la schiavitù ha plasmato l’identità razziale in Brasile ed esamina le implicazioni di queste dinamiche per la struttura globale. Lo studio utilizza un approccio analitico, con particolare attenzione alla revisione della letteratura. I risultati evidenziano la persistenza delle gerarchie razziali e sottolineano la necessità di ripensare le relazioni tra capitalismo, razza e potere.

Parole chiave: Gara. Modernità. Eurocentrismo. Colonialità del potere.

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O termo “negro” surge vinculado à escravidão, representando socialmente subalternidade e castração. A percepção econômica racial deriva do mercantilismo, transformando o negro escravizado em mercadoria (Mbembe, 2014). 

A invisibilidade está no âmago do racismo, com a negação da humanidade do negro, além da legitimação de sua opressão e da escolha de quem é considerado inferior e, por isso, pode ser eliminado física, política e simbolicamente (Mbembe, 2014).

De acordo com Mbembe (2014, 27), a concepção de raça é “uma ficção útil, uma construção fantasista ou de uma projeção ideológica […]”. Não havendo base científica para a definição de raça, o rótulo reduz o homem à sua aparência física, e, em específico, à sua cor de pele, que passa a exercer um papel determinante na redução do negro como coisa, mercadoria ou objeto (Mbembe, 2014).

A Europa considerava-se o centro do globo, assim como da razão e da verdade. O eurocentrismo, como a epistemologia mais antiga da Europa Ocidental, apoia e orienta o caráter hegemônico de suas ações políticas, culturais e discursos, configurando-se como um pilar justificativo da colonização e da colonialidade dos capitalistas europeus imposta aos continentes (Quijano 2005).

A ideia de raça foi utilizada como referencial para classificar os colonizados como inferiores, visto que não possuíam características fenotípicas semelhantes ao do colonizador considerado como padrão de referência e superior aos demais. O que se relaciona ao colonizador apresenta conotação positiva, civilizada, científica e racional, enquanto aos colonizados atribui-se a primitividade, a irracionalidade e o anticientífico (Quijano, 2005).

A concepção de colonialidade alude ao padrão mundial de produção capitalista, que se sustenta na parametrização da população mundial com base em sua raça, que acabou por legitimar relações de dominação e a superexploração da força de trabalho dos negros, consolidada no período da escravatura (Quijano, 2005 2020).

A colonialidade do poder se refere à constituição de um poder mundial capitalista moderno eurocêntrico, a partir da concepção de raça, fabulada para naturalização da exploração dos colonizados. A concepção de raça tornou-se efetivo e duradouro mecanismo de dominação social universal, colocando povos conquistados, assim como seus traços fenotípicos, produções intelectuais e culturais como inferiores (Quijano, 2005).

A América constituiu o primeiro espaço/tempo de um novo padrão de poder, que se configurou como a primeira identidade da modernidade. A concepção de raça, somada à articulação de todas as formas históricas de controle do trabalho, dos recursos e dos respectivos produtos em torno do capital e do mercado mundial, confluiu como eixo no estabelecimento do novo padrão de poder (Quijano, 2020).

Nesse contexto, a identidade racial tornou-se instrumento de classificação social dos indivíduos, na medida em que relações de dominação colonial foram se estabelecendo, com delimitação de lugares, papéis e hierarquias. Os dominantes se autodenominam brancos, enquanto os negros, responsáveis pelo trabalho que suportava grande parcela da economia, eram os mais explorados (Quijano, 2020).

Na constituição histórica americana, foram delineadas novas formas de controle e exploração do trabalho e distribuição dos bens, em torno da relação capital versus salário e do mercado mundial. Destaca-se que a configuração de controle laboral foi deliberadamente moldada com foco na produção de bens, de maneira a atender o comércio internacional (Quijano, 2020).

As identidades geradas a partir do conceito de raça foram associadas a papéis e lugares específicos na nova estrutura mundial de controle de trabalho. Raça e divisão do trabalho mantiveram-se vinculados e se fortalecendo reciprocamente (Quijano, 2020).

No período colonial brasileiro, houve associação da população tida como branca com os trabalhos assalariados e posições de comando da administração colonial, enquanto os negros foram reduzidos à escravatura. Sendo assim, cada forma de controle do trabalho foi conectada a determinada raça (Quijano, 2020).

A classificação racial da população e a associação das identidades raciais dos colonizados com as formas de controle não assalariado do trabalho desenvolveu entre os europeus brancos a percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos. A inferioridade racial dos colonizados implicava que não eram dignos de salário.

Na América, a escravidão foi estruturada como um artigo empregado para a produção de mercadorias voltadas ao mercado mundial, atendendo aos interesses capitalistas. Do mesmo modo, a servidão foi imposta aos povos originários, visando a produção mercantil. Logo, as formas de controle de trabalho atuaram em derredor do eixo do capital e do mercado global. Ressalta-se que, apesar da existência prévia do capital, apenas com a América foi possível a ele se consolidar e alcançar hegemonia mundial (Quijano, 2020).

Contudo, enfatiza-se que a primeira identidade geocultural moderna foi a América, seguida da Europa, constituída como consequência da primeira. Foi com base na exploração do trabalho de povos originários, negros e mestiços, e dos respectivos recursos e produtos da região, que a Europa passou a controlar as rotas atlânticas, que se tornaram cruciais para o mercado mundial (Quijano, 2020).


Referências bibliográficas:

MBEMBE, Achille. Pandemia democratizou o poder de matar, diz autor da teoria da necropolítica. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 mar. 2020b. Mundo, p. 1-2. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/pandemia-democratizou- poder-de-matar-diz- autor-da-teoria-da necropolitica.shtml>. Acesso em: 10 abr. 2022.

___________. Crítica da Razão Negra. São Paulo: Antígona, 2014.

NEGRO, A. L.; GOMES, F. Além das senzalas e fábricas: uma história social do trabalho. Tempo Social, São Paulo, v. 18, n. 1, 2006.

QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo. A Colonialidade do Saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Clacso, Consejo Latinoamericano de Ciencia Sociales, Ciudade Autônoma de Buenos Aires. Argentina. Setembro, 2005, pp. 107-130.

___________. Cuestiones y horizontes: de la dependencia histórico-estructural a la colonialidad/descolonialidad del poder. Clacso, Consejo Latinoamericano de Ciencia Sociales, Ciudade Autônoma de Buenos Aires. Argentina. Octubre, 2020.


Mônica Vasconcellos Barral Campos

Doutoranda em Ciências Sociais, mestre em Administração, pós-graduada em Métodos Estatísticos Computacionais e Finanças, e graduada em Administração pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/5483545347696492 | e-mail: monica.campos@ufjf.br


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O incentivo às finanças solidárias por meio do Banco Comendador

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Gabrielle Freitas Caldararo da Costa | O incentivo às finanças solidárias por meio do Banco Comendador

Resumo: O Banco Digital Municipal Comendador foi criado pela Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian por meio do Programa Municipal de Economia Solidária Combate à Pobreza e Desenvolvimento Econômico e Social, o qual procura reduzir as desigualdades e promover um desenvolvimento econômico justo. Assim, o presente texto busca avaliar a importância das finanças solidárias no cenário municipal a partir do Banco Comendador.

Palavras-chave: Economia solidária. Políticas Públicas. Desenvolvimento econômico.

Abstract: The Comendador Municipal Digital Bank was created by the Municipality of Comendador Levy Gasparian through the Municipal Solidarity Economy Program to Combat Poverty and Economic and Social Development, which seeks to reduce inequalities and promote fair economic development. Therefore, this text seeks to evaluate the importance of solidarity finance in the municipal scenario based on Comendador Bank.

Key words: Solidarity economy. Public Policies. Economic development.

Riepilogo: El Banco Digital Municipal Comendador fue creado por el Municipio de Comendador Levy Gasparian a través del Programa Municipal de Economía Solidaria para el Combate a la Pobreza y el Desarrollo Económico y Social, que busca reducir las desigualdades y promover un desarrollo económico justo. Por ello, este texto busca evaluar la importancia de las finanzas solidarias en el escenario municipal a partir del Banco Comendador.

Parole chiave: Economía solidaria. Políticas Públicas. Desarrollo económico.

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A Economia Solidária (EcoSol) possui relevante atuação na economia, em especial, na economia local, visto que envolve a comunidade no processo de criação, produção e comercialização dos produtos. Nesse sentido, deve ser considerado também a participação social no que tange às finanças, uma vez que o sistema financeiro tradicional impulsiona a exclusão de inúmeras pessoas em prol da acumulação de riquezas.

Desse jeito, surgem as Finanças Solidárias que, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (2022), são consideradas finanças solidárias os bancos comunitários, cooperativas de crédito solidário e feiras de trocas que possuem como aspectos fundamentais a valorização do ser humano, a democracia, a justiça social, a solidariedade e a sustentabilidade nos territórios de baixa renda.

Destaca-se o caráter democrático das finanças solidárias, já que incluem e integram indivíduos em situação de vulnerabilidade nas relações econômicas e financeiras. Conforme afirma Coelho (2003), as finanças solidárias são democráticas pois são adequadas a uma realidade específica de uma determinada região.

Além do mais, vale ressaltar que as finanças solidárias possuem dimensão pedagógica, uma vez que possibilitam a compreensão crítica do funcionamento do sistema financeiro tradicional e estimulam a geração de ações que rearticulam as ferramentas financeiras convencionais para o desenvolvimento local (LAPORTE, 2017).

Economia solidária: integração e inclusão
Fonte: autoria própria.

A experiência de Comendador Levy Gasparian com as finanças solidárias

*As informações da presente seção foram retiradas dos canais oficiais da Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian.

A Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian, pequeno município localizado no interior do Estado do Rio de Janeiro, que conta com cerca de 8.741 habitantes (IBGE, 2022), sancionou, por meio da Lei Municipal nº 1.187 de 18 de janeiro de 2023, a criação do Banco Digital Municipal Comendador, sob gestão da Secretaria Municipal de Fazenda responsável por suportar e organizar financeiramente o fundo destinado ao banco.

Dessa maneira, o banco surge a partir do Programa Municipal de Economia Solidária, Combate à Pobreza e Desenvolvimento Econômico e Social que visa estabelecer meios que promovam o desenvolvimento econômico do município a partir de iniciativas de natureza solidária. Ou seja, iniciativas que prezam pela cooperação e autogestão, excluindo o caráter de competitividade oriundo dos empreendimentos tipicamente capitalistas. Para tanto, os bancos solidários são caracterizados também pela geração de emprego, renda e reorganização da economia comunitária (MTE, 2017).

Bancos solidários atuam com duas linhas de crédito, uma em Real e outra em moeda social. Assim, a referida lei institui também a Moeda Comendador, moeda social, a ser utilizada nas trocas, ficando a cargo da Secretaria Municipal de Fazenda o desenvolvimento de atividades ligadas à manutenção do banco, como também o controle, fiscalização e lastro da moeda social, isto é, cada unidade da moeda comendador equivale a R$ 1,00 (um real). As transações feitas por intermédio do banco são somente digitais, sem o uso de papel-moeda.

Desse modo, as transações do banco atendem aos critérios das finanças solidárias, uma vez que comerciantes formais e informais podem se cadastrar como parceiros do banco e qualquer munícipe pode abrir uma conta digital no banco de forma gratuita e sem qualquer necessidade de vínculo empregatício formal. Ou seja, o banco permite a inclusão de todas as pessoas no sistema de trocas local.

Além da inclusão financeira, o banco movimenta a economia local ao passo que incentiva a entrada de novas pessoas no mercado como produtores, diversificando os produtos comercializados e redistribuindo a renda gerada.

Ademais, em se tratando dos recursos, além das dotações anuais previstas para o fundo orçamentário do banco, encontram-se também créditos suplementares, contribuições de pessoas de natureza física ou jurídica, rendas oriundas de aplicações em mercado financeiro e arrecadações de consórcios e programa de cooperações. Cabendo a direção do banco e as comissões a organização financeira do fundo para melhor funcionamento do banco.

A estrutura organizacional da instituição conta com a diretoria executiva de administração, contabilidade e inovação, diretoria de Compliance, Jurídico, comissões fiscais e de economia solidária a fim de garantir o bom atendimento e priorizando a transparência dos processos, uma vez que o banco recebe recursos públicos municipais.

Não obstante, a implementação do banco ocorreu em três fases. Na primeira fase, a Prefeitura Municipal determinou que o auxílio alimentação dos servidores municipais fosse pago por meio do cartão. Desse jeito, os servidores recebem mensalmente o auxílio alimentação em um cartão com o crédito de 400 moedas comendador (equivalente a R$400,00) e realizam as compras na lista de fornecedores credenciados criando uma rede de trocas com o comércio local, o que permite a expansão do programa.

Na segunda fase, as pessoas beneficiadas por programas sociais municipais passam a ter acesso ao Banco Comendador e recebem o benefício por meio do cartão comendador.

Na terceira fase, o banco integrou os empreendimentos solidários, ou seja, os artesãos, produtores familiares, feirantes, entre outros. Estes passam a ser credenciados e o banco começa a intermediar as transações entre os consumidores e os produtores. Nessa fase, ocorre o que Laporte (2017) chama de Mobilização Local, onde os produtores locais se articulam e se apropriam do meio de pagamento, expandindo a moeda social para os bairros, por conseguinte, atingindo toda população residente.

Cartão solidário comendador
Fonte: Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian

Ademais, o banco municipal também é responsável por auxiliar a elaboração de políticas públicas no âmbito da economia solidária e acompanhar a execução dos programas voltados para desenvolvimento de Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). 

A prefeitura do município espera que até 2024 cerca de 90% dos comércios estejam credenciados. Para mais, cabe ao Banco Digital Municipal Comendador garantir institucionalmente a participação dos empreendimentos de economia solidária nas licitações municipais. Essa ação fortalece a circulação da renda dentro do território municipal e garante maior visibilidade aos produtores locais.

O Banco Comendador, embora seja uma iniciativa recente, é visto com boa expectativa pela população local. Haja visto que conta com mais de 30 estabelecimentos credenciados e parcerias com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) para traçar estratégias para ampliação da moeda social no longo prazo.

Logo, é notório que o Banco Comendador exerce papel importante na garantia da dignidade dos munícipes de Comendador Levy Gasparian, visto que busca reduzir a pobreza e garantir o acesso digno de todos ao comércio local, como lojas de vestuários, materiais de construção, artigos diversos, mercados, padarias e feiras.

Por fim, espera-se que a Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian continue oferecendo assistência a fim de promover o banco do município para que mais sujeitos tenham acesso às mercadorias locais produzidas a partir dos princípios da economia solidária, resultando em um município marcado pelo desenvolvimento econômico e sustentável.


Referências bibliográficas:

COELHO, Franklin. 2003. A história das finanças solidárias. João Pessoa: ANPUH – Simpósio Nacional de História.

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 2007. Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Relatório Final da II Oficina Nacional de Formação/Educação em Economia Solidária. Brasília: MTE.

Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian. 2023. Estabelecimentos credenciados pelo Banco Comendador. Disponível em: https://www.levygasparian.rj.gov.br/alo-servidores/

Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian. 2023. Lei Municipal nº 1.187 de 18 de janeiro de 2023 – Institui o Fundo Banco Digital Comendador, programa Municipal de Economia Solidária, Combate à Pobreza e Desenvolvimento Econômico e Social de Comendador Levy Gasparian.

Prefeitura Municipal de Comendador Levy Gasparian. 2023. Prefeitura Municipal reúne representantes da UFJF para estabelecer parcerias para fomento do banco municipal. Disponível em: https://www.levygasparian.rj.gov.br/assistencia-social-4/

Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. 2022. Finanças Solidárias. Brasília: MDE, disponível em: https://www.gov.br/ mds/pt-br/acoes-e-programas/inclusao-produtiva-urbana/economia-solidaria /financas-solidarias.

IBGE. 2022. Censo Demográfico ano base 2022. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/comendador-levy-gasparian/panorama

Laporte, Ana Luzia. 2017. Encantar a vida com as finanças solidárias. Aportes ao texto: Daniel Tygel. Porto Alegre: EDIPUCRS.


Gabrielle Freitas Caldararo da Costa

Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, se dedica ao estudo do desenvolvimento regional, planejamento urbano e economia social da microrregião de Três Rios – RJ.


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A “Lei Aldir Blanc” e seu impacto cultural em Carvalhos – MG

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Helena Amaral Sant Ana | A “Lei Aldir Blanc” e seu impacto cultural em Carvalhos – MG

Resumo: Este artigo busca traçar a trajetória e vida do compositor, escritor e médico Aldir Blanc, explorando sua contribuição significativa para a cultura brasileira. Além disso, aborda a relevância da Lei Aldir Blanc como instrumento de incentivo à cultura, focalizando sua aplicação específica no município de Carvalhos – Minas Gerais. O objetivo central é analisar a importância das leis de incentivo à cultura e avaliar como essas políticas são efetivamente aplicadas e utilizadas, destacando a influência e impacto tangíveis que essas iniciativas podem exercer no contexto cultural local.

Palavras-chave: Aldir Blanc. Carvalhos. Incentivo a Cultura. Minas Gerais.

Abstract: This article seeks to trace the life and career of composer, writer and doctor Aldir Blanc, exploring his significant contribution to Brazilian culture. In addition, it addresses the relevance of the “Lei Aldir Blanc” as an instrument to encourage culture, focusing on its specific application in the municipality of Carvalhos – Minas Gerais. The central objective is to analyze the importance of cultural incentive laws and assess how these policies are effectively applied and used, highlighting the tangible influence and impact that these initiatives can have on the local cultural context.

Keywords: Aldir Blanc. Carvalhos. Cultural Incentives. Minas Gerais

Riepilogo: Este artículo pretende trazar la vida y la trayectoria del compositor, escritor y médico Aldir Blanc, explorando su significativa contribución a la cultura brasileña. También examina la relevancia de la “Lei Aldir Blanc” como instrumento de incentivo a la cultura, centrándose en su aplicación específica en el municipio de Carvalhos – Minas Gerais. El objetivo central es analizar la importancia de las leyes de incentivo a la cultura y evaluar cómo estas políticas son efectivamente aplicadas y utilizadas, destacando la influencia tangible y el impacto que estas iniciativas pueden tener en el contexto cultural local.

Palabras clave: Aldir Blanc. Carvalhos. Incentivos Culturales. Minas Gerais

Quem foi Aldir Blanc? 

Aldir Blanc foi escritor, compositor e médico. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 02 de setembro de 1946 e faleceu em decorrência de complicações da Covid-19, em 04 de maio de 2020, em sua cidade natal, aos 73 anos. Sua vasta produção literária inclui crônicas e livros, como “Rua dos Artistas e arredores” (1978), “Porta de tinturaria” (1981), “Vila Isabel, inventário da infância” (1996), “Vasco: a cruz do bacalhau” (2009), “Direto do Balcão” (2017), dentre outras obras. Além de sua atuação como cronista nos jornais “Última hora”, “Jornal do Brasil”, “Estadão” e “O Pasquim”. 

Seu maior destaque são as composições musicais, caracterizadas por  letras que abordam de forma intensa e poética os processos políticos, históricos e contemporâneos das canções. Sua parceria com o também músico João Bosco originou emblemáticas canções nas décadas de 1970 e 1980. Aldir Blanc participou da composição de centenas de músicas no cenário da MPB, incluindo as que se destacaram na voz de Elis Regina, como “O Bêbado e o Equilibrista”, de 1979, que se tornou um hino contra a ditadura militar no Brasil, com referências a pessoas perseguidas, exiladas e assassinadas pelo regime. 

Meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
Com tanta gente que partiu
Num rabo de foguete

Chora
A nossa Pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses
No solo do Brasil

(O Bêbado e o Equilibrista – Aldir Blanc e João Bosco. 1979)

O trecho “Choram Marias e Clarices” faz alusão à Maria, filha do metalúrgico Manuel Fiel Filho, e à Clarice Herzog, esposa do jornalista e dramaturgo Vladimir Herzog, ambos mortos pelo DOI-CODI. Para além, estende-se o protesto ao irmão do cartunista e jornalista Henfil, o sociólogo Betinho, exilado entre 1971 e 1979.

No dia do falecimento de Aldir Blanc, Gustavo Xavier publicou no Jornal da USP o artigo intitulado “Aldir Blanc: o escultor de ventos”. Nele são traçados alguns pontos da trajetória do artista, partindo da Lei da Anistia em 1979, quando os exilados voltaram ao Brasil, além de narrar o encontro de Betinho, irmão de Henfil, e Aldir Blanc. O autor recorda outros personagens e músicas do artista que precisaram se esquivar da censura da Ditadura Militar, mas sem perder o teor crítico ao regime. Uma de suas estratégias era imprimir um caráter surrealista e poético às canções, como citado no artigo. 

Outras canções ganharam destaque, como “O mestre-sala dos mares”, também em parceria com João Bosco, que homenageia João Cândido, conhecido como o “almirante negro” da Marinha de Guerra do Brasil, líder da Revolta da Chibata que ocorreu em 1910, onde mais de 2.000 marinheiros se rebelaram contra os castigos corporais aplicados pela Marinha.

Rubras cascatas jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história

Não esquecemos jamais
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

(O mestre-sala dos mares – Aldir Blanc e João Bosco. 1974)

É incontestável reconhecer a influência marcante de Aldir Blanc sobre o cenário cultural brasileiro. Sua proficiência como escritor e compositor revela uma trajetória singular, na qual ele não apenas compôs músicas, mas também elaborou narrativas profundas e reflexivas. Ao entrelaçar os fios da história do Brasil em suas composições, Blanc erigiu-se como um artista e cronista social, que conferiu voz aos anseios e lutas, que reverberam resistência e crítica social. 

Lei Aldir Blanc e suas aplicações em Carvalhos – MG.

Durante a pandemia da Covid-19 todas as esferas da vida foram diretamente impactadas, incluindo de maneira significativa as áreas artísticas e culturais, devido às necessidades de distanciamento social. No contexto dessa realidade, conforme abordado no artigo “Políticas culturais em tempos de pandemia”, por José Renato Fonseca de Almeida, observaram-se diversas discussões acerca de medidas para apoiar não apenas os artistas e produtores de eventos, mas também todas as pessoas vinculadas, de alguma forma, às áreas culturais. O Projeto de que originou a Lei Aldir Blanc (PL 1075) foi votado em 26 de maio de 2020, prestando homenagem ao artista que havia falecido semanas antes. A referida lei consistiu em um projeto de auxílio emergencial com alcance nacional, sendo sancionada em 29 de junho de 2020 (ALMEIDA, 2021, p. 60) e regulamentada em 17 de agosto do mesmo ano, embora tenha enfrentado desafios significativos no repasse de verbas. A efetivação nos municípios brasileiros exigiu a implementação de estratégias de divulgação e aplicação individuais, permitindo que as cidades deliberassem internamente sobre as aplicações da referida Lei.

No pequeno município de Carvalhos, localizado ao sul de Minas Gerais, a Lei Aldir Blanc se fez presente por meio de um edital lançado pela Prefeitura Municipal e pelo Departamento de Cultura, Turismo e Esporte, em 03 de novembro de 2021. Além de delinear os aspectos gerais para a seleção, os objetivos do edital municipal concentravam-se especialmente em:

“a) Realizar seleção pública de artistas e fazedores da cultura exclusivamente Carvalhenses, e que tenham seu domicílio no Município de Carvalhos-MG há pelo menos 01 (um) ano, e proponham a produção de conteúdo artístico e cultural sobre arte e cultura brasileiras, bem como de cursos e novas mídias, em qualquer expressão artística e/ou intelectual, apresentados e/ou desenvolvidos em qualquer tipo de suporte, formato, linguagem artística ou mídia

b) Assegurar a proteção dos direitos culturais da população durante a situação de emergência em saúde decorrente do Covid-19 (novo Coronavírus), tendo em vista que estes são direitos fundamentais e essenciais à qualidade da vida humana, contribuindo para a inclusão social e o senso de pertencimento, identidade, sensibilidade e empatia; c) Promover o acesso à cultura, de forma inovadora, criativa e inclusiva, para amenizar o impacto advindo das medidas necessárias adotadas para enfrentamento do novo coronavírus, notadamente a necessidade de isolamento e distanciamento social; d) Valorizar a produção artística do município, como forma de garantir o acesso continuado à vida cultural, incentivando a sustentabilidade de artistas, técnicos e fazedores de cultura em geral, grupos, coletivos e companhias culturais do Município.” (2021. p. 1-2)

A análise dos objetivos delineados no edital municipal revela uma abordagem abrangente e sensível às demandas culturais específicas do município de Carvalhos. Primeiramente, ao estabelecer critérios para a seleção de artistas e fazedores da cultura exclusivamente carvalhenses, que residam no município há pelo menos um ano, o edital busca fortalecer a identidade local e valorizar os talentos presentes na comunidade. A proteção dos direitos culturais da população durante a situação de emergência em saúde, notadamente em decorrência da pandemia de Covid-19, demonstra um compromisso claro com a preservação da qualidade de vida e o bem-estar emocional dos habitantes. Essa abordagem reflete a compreensão de que os direitos culturais são fundamentais para a inclusão social, fortalecendo o senso de pertencimento, identidade, sensibilidade e empatia.

A promoção do acesso à cultura de maneira inovadora e inclusiva, considerando as restrições impostas pelo distanciamento social, evidencia a adaptação do setor cultural às novas circunstâncias. A busca por formas criativas de oferecer cultura à comunidade sugere uma resposta proativa às mudanças no cenário sociocultural, visando amenizar os impactos negativos decorrentes das medidas de enfrentamento da pandemia. 

A valorização da produção artística local como meio de garantir o acesso contínuo à vida cultural é uma estratégia fundamental para o apoio a artistas e técnicos. Essa abordagem não apenas fortalece a comunidade criativa local, mas também contribui para manter viva a riqueza cultural do município, incentivando a participação ativa de grupos, coletivos e companhias culturais.

As justificativas e o objeto do edital alinhavam-se com os objetivos propostos, estabelecendo, por conseguinte, algumas diretrizes, como a restrição da participação de cada indivíduo a apenas um projeto. As condições para participação no referido edital delinearam requisitos gerais, incluindo a necessidade de maioridade e a comprovação de um ano de experiência na área cultural. No tocante aos recursos orçamentários, as categorias foram claramente definidas com as atividades permitidas em cada uma delas, assim como os valores que foram distribuídos de acordo com o número de projetos selecionados. As categorias incluíram: apresentações artísticas, música para artistas solo e bandas, cultura popular e artesanato, artes visuais, produção audiovisual e literatura. Além disso, foram fornecidas instruções detalhadas para as inscrições, incluindo os documentos necessários. Os critérios de avaliação foram estabelecidos com base na singularidade e criatividade da proposta, bem como na relevância e abrangência cultural e histórica do proponente. Esses aspectos foram analisados por uma banca selecionada pelo poder executivo municipal.

Um aspecto problemático que merece atenção foi a carência de cláusulas explícitas que tratam da não execução do projeto e da dispensa da prestação de contas, fatores que contribuíram para a ocorrência de casos nos quais os artistas inscritos não implementaram seus projetos ou o fizeram de maneira que não atendeu aos requisitos estabelecidos no que concerne à abrangência e à utilização adequada dos recursos financeiros.

A introdução de disposições mais claras e específicas a respeito da não realização do projeto e dos procedimentos para a prestação de contas poderia mitigar essas lacunas e assegurar uma gestão mais eficiente dos recursos disponibilizados. Isso, por sua vez, contribuiria para garantir a integridade do propósito inicial da Lei Aldir Blanc, que visa ampliar o acesso à cultura, abrangendo toda a comunidade local.

Outro ponto a ser considerado é a possibilidade de promover uma divulgação abrangente, apresentando os resultados de todos os projetos submetidos. Tal iniciativa não apenas cumpriria com a finalidade primordial da legislação, promovendo o acesso à cultura de maneira inclusiva, mas também serviria como um registro histórico e cultural valioso para Carvalhos. Além disso, essa prática estimularia e reconheceria os talentos artísticos locais, reforçando o apoio à comunidade criativa e destacando seu papel crucial na cultura do município.

Apesar dessa problemática identificada, é digno de nota o considerável interesse demonstrado pela população em participar do edital. Um total de 17 projetos foram selecionados, abrangendo diversas categorias. Na categoria de Música – Artistas Solo, sete artistas propuseram a divulgação de aulas de instrumentos ou a apresentação de músicas. No segmento de Bandas, quatro foram selecionadas, todas dedicadas à realização de shows, tanto presenciais quanto em formato de transmissões ao vivo.

No âmbito da cultura popular e artesanato, um projeto foi contemplado: a ornamentação natalina da Praça Ibraim Pereira Cunha, intitulado “Praça Iluminada”. As artes visuais receberam destaque com dois projetos, nos quais os proponentes se comprometeram a criar produções visuais que retratam paisagens da cidade. No campo audiovisual, um projeto foi selecionado, voltado para a produção de um documentário patrimonial cultural.

No domínio literário, dois projetos se destacaram: o primeiro, “Carvalhos em Fotos” consistiu na criação de um livro contendo fotos antigas da cidade, distribuído de forma gratuita, enquanto o segundo, “História da minha vida”, abordou a escrita de poemas que narram histórias do poeta local. Esse panorama reflete a diversidade e a riqueza criativa presente na comunidade, evidenciando um potencial de expressão artística.

No conjunto, todas as propostas apresentaram-se como iniciativas extremamente interessantes, destacando-se algumas que, de fato, causaram um impacto significativo na cidade. Entre essas contribuições notáveis incluem-se apresentações musicais e aulas de instrumentos que enriqueceram a experiência cultural local, a realização da Praça Iluminada, que conferiu uma atmosfera festiva ao período natalino, as expressivas pinturas em tela retratando paisagens da cidade e as obras literárias que contribuíram para a preservação e divulgação das histórias locais.

Para assegurar a continuidade das leis de incentivo à cultura, torna-se imperativo que todos os beneficiários apliquem de maneira apropriada os recursos concedidos, garantindo assim que esses recursos alcancem efetivamente a população, enriquecendo-a com suas diversas expressões artísticas. A arte, enquanto elemento essencial da vida, manifesta-se de maneira coletiva, alcançando cada canto da cidade e ecoando para além de seus limites. Nesse contexto, a participação ativa e responsável de todos os envolvidos é crucial para fortalecer o tecido cultural local e perpetuar o impacto positivo das iniciativas culturais.

Aldir Blanc no escritório de seu apartamento no Rio/ Leo Martins/ O Globo
Apresentação musical durante a inauguração das luzes de Natal/ Prefeitura Municipal de Carvalhos
Lançamento do livro “Carvalhos em fotos”/ Prefeitura Municipal de Carvalhos.

Referências Bibliográficas:

ALMEIDA, J. R. F. 2022. Políticas culturais em tempos de pandemia: da Lei Aldir Blanc à Lei Paulo Gustavo e suas aplicações no estado e município de São Paulo.Revista Sala Preta. USP.  Vol. 21. 

AMARAL, Helena, AMARAL, Ludmila. 2022. Carvalhos em fotos: século XX. Lei Aldir Blanc. Casa da Gráfica.

BARBALHO, A. A., SEMENSATO, C. A. G. 2021. A Lei Aldir Blanc como política de emergência à cultura e como estímulo ao SNC. Pol. Cult. Rev., Salvador, v. 14, n. 1, p. 85-108.  

PREFEITURA Municipal de Carvalhos. 2021. Arte livre – Edital de Criação Artística Lei Aldir Blanc. Carvalhos – MG. Disponível em: https://www.carvalhos.mg.gov.br/wp-content/uploads/2021/11/EDITAL-Lei-14017.pdf. Acesso em: 09 de novembro de 2023. 

PREFEITURA Municipal de Carvalhos. 2021. Ata de Análise E Julgamento das Propostas Chegadas à Licitação. Processo No 111/2021, Modalidade Chamada Pública No 002/2021, Destinada À Distribuição De Recursos Da Lei Aldir Blanc. Disponível em: https://www.carvalhos.mg.gov.br/arte-livre-edital-de-criacao-artistica-lei-aldir-blanc/. Acesso em 09 de novembro de 2023.

XAVIER, Gustavo. 2020. O escultor de ventos. Jornal USP. 04 de maio. Disponível em: https://jornal.usp.br/cultura/aldir-blanc-o-escultor-de-ventos/. Acesso em 08 de novembro de 2023. 


Helena Amaral Sant Ana

Historiadora pela Universidade Federal de Ouro Preto, Mestranda em História  pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Pós graduada em Ensino de Geografia, História e Sustentabilidade. Atua em diversos trabalhos ligados à memória e à preservação histórica. e-mail: helenaamaralsantana@gmail.com


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Entre o invisível e o silêncio do IHGJF:
Onde estão as memórias negras de Juiz de Fora?

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Edylane Eiterer| Entre o invisível e o silêncio do IHGJF: Onde estão as memórias negras de Juiz de Fora?

Resumo: Discute-se a falta de debates,  artigos e acervos, em geral, no Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora sobre as memórias, a identidade e a história do povo negro como grupo social constituinte da cidade. A discussão leva à compreensão de que são necessárias novas versões da história local, valorizando a memória, o Patrimônio Cultural e a identidade da cidade que deve muito à população negra ao longo de sua formação e consolidação.

Palavras-chave: História local. Memória. Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora. População negra. 

Abstract: The lack of debates, articles and collections, in general, at the Juiz de Fora Historical and Geographic Institute on the memories, identity and history of black people as a constituent social group of the city is discussed. The discussion leads to the understanding that new versions of local history are possible, valuing the memory, cultural heritage and identity of the city, which owes much to the black population throughout its formation and consolidation.

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Key words: Local history. Memory. Historical and Geographical Institute of Juiz de Fora. Black people

As memórias de um grupo social são, antes de se consolidarem efetivamente como heranças, frutos de disputas de poder, geradas em meios conflitantes, sejam eles políticos, culturais ou sociais, podendo ser consciente ou inconsciente, individual ou coletivo.

Quando a memória passa a ser objeto de guarda de instituições como os Institutos Históricos, a observação dos discursos que lhe são imputados mostra claramente que se trata de um exercício de escolha das vozes que se pretendem ressaltar dentro de um contexto.

Em Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata Mineira, os discursos oficiais de memória referentes à formação e consolidação do município optaram pela valorização da presença (e importância) dos grupos imigrantes europeus em detrimento dos povos originários e negros.

Se por um lado observa-se que a região estava entre as rotas de passagem dos povos indígenas puri, coropó e coroado, comprovadamente instalados nas cidades de Rio Pomba, Tabuleiro, Tocantins, Ubá, Barbacena e São João Nepomuceno, de outro, essas vozes não aparecem nas literaturas que atestam a fundação de Juiz de Fora, se não em um ou outro parentesco distante. 

O mesmo se dá com relação à presença negra. Juiz de Fora, embora tenha um núcleo de pequenas indústrias que, segundo Giroletti (1988), em 1870, chegava a 190 estabelecimentos, que contavam principalmente com a força de trabalho de imigrantes, em 1861, segundo o autor, a cidade, com menos de uma década de fundação, apresentava a terceira maior arrecadação da Província, fruto da agricultura cafeeira, forjada no trabalho escravo, que segundo Oliveira (2000), chegou a representar 62% da população do município, entre 1833 a 1855.

Mas, onde estão as memórias e as versões da história do povo negro, especialmente quando se trata do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora?  É importante lembrar que a construção das nossas memórias pressupõe a existência e a revisitação de registros e que a reflexão e interpretação desses registros reverberam em nossa identidade.

Em Juiz de Fora, núcleos de imigrantes tornaram-se fortes na preservação de suas memórias, a exemplo dos italianos, portugueses e alemães, através de organizações sociais e Associações Culturais e, de forma menos forte, os núcleos árabes (sírios  e libaneses) e judaicos, garantindo não só a preservação dessas memórias, mas de tradições, constituindo-se como elo da identidade da cidade, principalmente porque esses grupos fixaram-se nos núcleos urbanos da cidade.

O que restou à população negra, que mesmo no pós-abolição da escravidão permaneceu nas áreas rurais, foi a marginalização e, de certa forma, um esforço por seu apagamento, especialmente no que tange a falta de vontade de trazê-los à tona como grupo constituinte da formação da cidade.

Em muitas áreas de estudos, percebe-se que não há uma ausência da memória dos grupos negros, mas, sim, uma falta de evidenciá-las no discurso oficial. 

O fato é perceptível em um levantamento, por exemplo, com relação a monumentos históricos da cidade: quantos fazem referência ao povo negro? Destaca-se o monumento do “Ex-escravo louvando aos céus pela sua libertação”, nos jardins do Museu Mariano Procópio.

Com relação a praças e logradouros públicos, o bairro Vitorino Braga detém a praça  Negro Teóphilo, primeira no Brasil a ganhar o nome de um ex-escravizado, e o largo Roza Cabinda, no cruzamento das ruas Professor Lander e Moacyr Amado dos Santos, ambos marcados com  placas, desde 2016, em virtude do Selo da Diversidade e do projeto Memórias Vivas na Rua, da Prefeitura Municipal. 

Há, ainda, o Viaduto Roza Cabinda, na rua Benjamin Constant, no Centro, com inauguração prevista para 2024.  Roza Cabinda ainda dá nome a uma medalha, resultado das ações de coletivos feministas, que busca homenagear mulheres. 

Mas, o legado do povo negro, que não se resume apenas em Teóphilo e Roza, não foi convertido em Patrimônios Culturais. A memória dos negros parece não reverberar entre as quadras de escolas de samba, nos terreiros de umbanda e candomblé, tampouco há a valorização das histórias e memórias que podem estar guardadas em acervos familiares e particulares, acessados pela história oral.

O que dizer das práticas de Capoeira que são tão fortes nos bairros, elementos diretos dessa herança negra em suas práticas cotidianas?

Quando o assunto se volta para o acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora (IHGJF) tem-se a manutenção da narrativa vigente, corroborando o que Le Goff (1996) apontava, já que, para o autor, nossa narrativa histórica, sendo verdadeira ou falsa, é sempre baseada na “realidade histórica ou puramente imaginada”. Na referida instituição, embora haja um acervo bibliográfico com relevantes obras raras ou consideradas de difícil acesso e títulos diversos, não há vestígios de materiais que tratem da presença, ação ou valorização da participação negra na cidade.

O acervo do IHGJF reflete, em grande parte, a composição de seus quadros desde sua fundação. A esmagadora maioria dos artigos publicados na Revista do IHGJF, com início em 1965 e último número em 2019, com alguns anos sem o lançamento de edições, não trata de temas relacionados à cidade no que diz respeito à sua formação identitária, demonstrando pouca preocupação com relação às pesquisas da instituição quanto a esse debate.

Em linhas gerais, as publicações da Revista do IHGJF traziam textos ora sobre personalidades locais, ora sobre a região da Zona da Mata, ora sobre temas mais abrangentes, em níveis estaduais, nacionais e até internacionais, de diferentes períodos históricos.

Para aclarar a questão, os artigos que explicitam os grupos sociais formadores da cidade e que foram publicados na Revista do IHGJF foram listados e tabulados: 

Artigos da Revista do IHGJF sobre os povos formadores da Identidade da cidade
Revista/AnoArtigoAutorGrupo
01 / 1965Italianos em Juiz de ForaPaulino de OliveiraItalianos
01 / 1965A Colônia Síria em Juiz de ForaAlberto Ibrahim ArbexSírios
01 / 1965Um documento para a história da Imigração AlemãJohann ZieglerAlemães
04/1969Italianos em Juiz de Fora II
Wilson de Lima Bastos

Italianos
05/1969Italianos em Juiz de Fora III
06/1971Italianos em Juiz de Fora IV
07/1973Italianos em Juiz de Fora V
11/ 1988Os últimos escravos da regiãoJúlio César VanniNegros
Revista Especial, 2009Contribuição dos imigrantes alemães à industrialização
Newton Barbosa Castro

Alemães
14/2010Contribuição dos imigrantes alemães 
15/2015Nelson SilvaCláudio Luiz da SilvaNegros
18/2018Imigração Germânica em Juiz de Fora (160 anos de história)Rita Couto e Roberto Dilly 


Alemães
18/2018Memórias tangíveis na afirmação e desconstrução da identidade alemã no cemitério da GlóriaMax Aurélio Mendes Lira
19/2019Capela de Santana: 155 anos de históriaRita Couto
19/2019Tem Cultura na panela: Gastronomia e Patrimônio CulturalEdylane EitererNegros
19/2019O legado de Sião nas montanhas de Minas Gerais: uma visão geral sobre a presença judaica em Juiz de Fora Washington Francisco LondresJudeus

.Esses números mostram que o debate sobre a importância dos negros e outros grupos minoritários como os judeus e os romani (ciganos) não era um interesse para os membros do IHGJF até meados de 2015, uma vez que o texto de 1988 trata de povos escravizados da região e não da cidade.

Apenas a partir de 2015, através da figura de Nelson Silva, e em 2019, com a cultura gastronômica de Juiz de Fora, ambos os textos trazendo à tona a questão do Patrimônio Cultural e de seus agentes, é que a temática dos negros aparece.

Talvez porque os membros que levantam a temática estejam diretamente vinculados aos estudos e movimentos de direitos dos grupos sociais marginalizados, o que não representa uma mudança de posicionamento ou pensamento dentre os demais membros da instituição, mas de indivíduos isolados.

O mesmo se reflete no acervo bibliográfico, uma vez que na biblioteca do IHGJF não há obras que tratem das atuações e das memórias negras de Juiz de Fora.

Cabe, portanto, uma crítica com relação ao posicionamento da instituição frente ao seu papel histórico e social junto à cidade: qual é a memória e a identidade que ela busca preservar e promover em Juiz de Fora?

O IHGJF, demonstrando pouco espaço para debates com relação às memórias negras de Juiz de Fora, acaba por contribuir, por longos anos, para a manutenção da história vigente, sem promover debates revisionistas das questões sociais e culturais da cidade.

Esse papel, então, é assumido por grupos de pesquisadores independentes ou ligados a coletivos e laboratórios que tentam restabelecer uma ligação entre o povo negro e a história da cidade, a exemplo do Centro Virtual da Memória Negra de Juiz de Fora, organizado pelo Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal de Juiz de Fora (LABHOI/UFJF), que busca mapear, analisar e sistematizar as produções sobre os povos negros, tirando-as da invisibilidade.

 Esse esforço de resgate das memórias é uma tentativa de se reformular não só a versão tradicional que se tem da formação da cidade, mas de dar vozes aos atores que foram silenciados ao longo dos anos, restabelecendo os valores de signos e significados a elementos de nossa cultura local que tanto deve ao povo negro.

Revisitar a história e dar vozes a quem de direito precisa ser uma prerrogativa de instituições como o IHGJF e não apenas a grupos vinculados diretamente com a luta do movimento negro. 

Esse é um processo que demanda não só mudança de pensamento em seus quadros, mas na forma como esses espaços constituem seus acervos e os disponibilizam à sociedade, sendo uma tarefa de construção de saberes e olhares que exige a abertura de suas portas a parcerias com pesquisadores e agentes sociais e culturais que possam contribuir com as necessidades de se rever os discursos e os posicionamentos.


Referências bibliográficas:

GIROLETTI, Domingos. Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora: EDUFJF, 1988.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996

OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Famílias solidárias e desafios urbanos: os negros em Juiz de Fora. In BORGES, Célia Maia (Org). Solidariedades e Conflitos: histórias de vida e trajetórias de grupos em Juiz de Fora. Juiz de Fora/MG: Ed. UFJF, 2000. 

Edylane Eiterer

É poeta, historiadora (UFJF), especialista em Patrimônio Cultural e Metodologia do Ensino de História, mestre em Educação com ênfase em Políticas Públicas para o Patrimônio Cultural, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora e atua na área de Consultoria em Pesquisa Histórica e de Educação Patrimonial, além de ser professora da rede municipal de ensino de Juiz de Fora. edylaneeiterer@yahoo.com.br 


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Da Sala de Aula à CAVERNA:
Explorando o Novo Ensino Médio

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Diogo Tomaz Pereira | Da Sala de Aula à CAVERNA: Explorando o Novo Ensino Médio

Resumo: 

O presente artigo examina a implementação do Novo Ensino Médio em 2022, com foco nos Itinerários Formativos, como um estudo de caso para explorar a interconexão entre História, Cultura Pop e a personalização do ensino. A análise parte da experiência prática do desenvolvimento e implementação do itinerário formativo “História & Ficção”, visando conectar elementos históricos com obras de ficção populares, como Harry Potter e Red Dead Redemption 2. 

Palavras-chave: História. Interdisciplinaridade. Educação.

Abstract: 

This paper examines the implementation of the New High School in 2022, focusing on the Formative Itineraries, as a case study to explore the interconnection between History, Pop Culture, and personalized education. The analysis stems from the practical experience of developing and implementing the ‘History & Fiction’ formative itinerary, aiming to link historical elements with popular fictional works, such as Harry Potter and Red Dead Redemption 2. 

Key words: History. Interdisciplinarity. Education.

Riepilogo: 

Este documento examina la implementación del Nuevo Bachillerato en 2022, con un enfoque en los Itinerarios Formativos, como un estudio de caso para explorar la interconexión entre Historia, Cultura Pop y la educación personalizada. El análisis parte de la experiencia práctica del desarrollo e implementación del itinerario formativo ‘Historia & Ficción’, con el objetivo de conectar elementos históricos con obras de ficción populares, como Harry Potter y Red Dead Redemption 2. 

Parole chiave: Historia. Interdisciplinaridad. Educación.

  1. O que fazer?

Implementado em 2022, o Novo Ensino Médio recebeu uma enxurrada de críticas – e com razão – de professores e alunos por todo o Brasil. Uma de suas principais mudanças foi a implementação  dos Itinerários Formativos, que prometiam oferecer aos estudantes a oportunidade de personalizar parte de sua formação educacional, permitindo que eles escolhessem trajetórias de estudo mais alinhadas aos seus interesses, aptidões e projetos de vida. Bem, mais ou menos. A velocidade em que foi implementado  (como Medida Provisória) sem discussão ou debate com especialistas, professores e alunos, desconsiderando o período da pandemia de Covid-19, nos mostra como a Educação foi irrelevante para governos anteriores. Segundo a ex-presidente da UNE, Bruna Brelaz, tal atitude foi uma medida “autoritária que não manteve diálogo com a comunidade escolar, as entidades educacionais ou estudantis”.

Visto isso, em 2023 seria o primeiro ano em que eu precisaria elaborar um Itinerário Formativo para o 2º ano do Ensino Médio. Como faria isso, oferecendo a oportunidade de os estudantes explorarem áreas do conhecimento que criassem uma conexão mais direta entre o currículo escolar e suas motivações pessoais? Bom, juntei duas coisas de que gosto e em que via sentido para a formação de seres críticos e pensantes: História e Cultura Pop. Sim, isso mesmo, História e Cultura Pop. 

Já parou para pensar como podemos estudar o fascismo/nazismo através da saga Harry Potter? Já pensou como discutir preconceito e intolerância lendo os X-Men? Ou como podemos analisar o conceito de banditismo social, de Eric Hobsbawm, simplesmente jogando o game Red Dead Redemption 2? Foi nesse sentido que criei o itinerário História & Ficção, onde tentaria atrair o interesse dos estudantes pelos conceitos históricos presentes nas obras de ficção e que favorecesse a construção de uma concepção de História que considerasse a imaginação como parte do processo de construção dos conhecimentos científicos. E acho que deu certo! Ao todo foram 15 estudantes inscritos, que, de fevereiro a novembro, mergulharam em encontros e debates extremamente produtivos acerca da historiografia e ciência. 

  1. Mãos à obra

Gostaria de destacar algumas aulas aqui. Na aula intitulada “Comunismo, Socialismo e outros “ismos”, lemos e debatemos sobre a HQ “ Superman: Entre a Foice e o Martelo”, obra de 2003 que permite uma reflexão sobre como o Superman, um ícone tradicionalmente associado aos valores americanos, é reinterpretado como um defensor do socialismo. Permitindo uma discussão de como os sistemas políticos e ideológicos são representados na cultura popular e como a narrativa histórica pode ser influenciada por meio dessas representações. Em outra aula, intitulada “O Velho Oeste e o Banditismo Social”, analisamos o game Red Dead Redemption 2 e como personagens que, devido a circunstâncias sociais e econômicas desfavoráveis, são levados a uma vida fora da lei. Analisamos também como esses personagens são retratados, fornecendo insights sobre as razões sociais e econômicas que levam indivíduos a se tornarem “foras da lei” e como o ambiente social molda suas escolhas. 

Mas, a aula mais esperada por todos, com certeza foi a aula intitulada “Regimes totalitários e outras formas de abuso de poder”, onde, através da saga Harry Potter, estabelecemos algumas analogias e reflexões bem pertinentes para o tema. Pouco se fala, mas, um paralelo pode ser traçado entre o totalitarismo representado pelo regime de Lord Voldemort na série e os regimes fascistas europeus. Voldemort, o principal antagonista da saga, almeja poder absoluto, rejeita a diversidade e busca a supremacia de uma raça específica (os bruxos sangues-puros), o que ecoa as ideologias de superioridade racial propagadas por regimes fascistas. Assim como os regimes fascistas, Voldemort utiliza táticas de propaganda, manipulação da mídia e supressão da liberdade de expressão para consolidar seu poder e disseminar seu discurso de ódio e superioridade.

Outro momento de destaque do itinerário foi o “dever de casa” onde os estudantes precisariam pensar e apresentar como seria um capítulo da saga “Assassin’s Creed” se passando no Brasil. Tivemos desde a Conjuração Baiana, passando pela Revolta dos Malês até o Cangaço com Lampião. Ao imaginar, pesquisar e apresentar um game baseado em momentos históricos do Brasil, os estudantes tiveram a oportunidade de mergulhar mais profundamente na história do país, compreendendo eventos, personagens e contextos de forma mais tangível e envolvente. Sem contar que desenvolver um jogo exige imaginação e criatividade. Os alunos foram desafiados a pensar de maneira inovadora, considerando elementos históricos e narrativos para criar um enredo, personagens e cenários autênticos. 

  1. Explorando a CAVERNA

Ao final do itinerário História & Ficção, precisava apresentar um trabalho de conclusão com os estudantes. E a ideia foi a criação de um podcast, intitulado CAVERNA. Os participantes foram divididos em grupos e cada um ficou responsável por gravar um episódio sobre um tema já debatido antes. Ao todo foram cinco episódios, com uma média de duração de 40 minutos cada, com acesso gratuito por diversas plataformas, como: Spotify, Google Podcasts, Apple Podcasts, Amazon Music… Os episódios gravados abordaram as seguintes temáticas: o episódio Entre Realidades: o poder dos games na História abordou como os conteúdos históricos são habilmente tecidos nas tramas dos jogos, proporcionando experiências ricas e envolventes que não apenas entretêm, mas também educam e conectam jogadores a épocas passadas; Analogias Sombrias: o nazismo e Harry Potter focou nas intrigantes semelhanças entre o Nazismo e a icônica saga Harry Potter, criada por J.K. Rowling; Um Brasil todo seu: desde sempre Bruxas, mergulhou nas profundezas da História do Brasil para explorar um tema muitas vezes negligenciado e esquecido: a exclusão sistemática das mulheres dos registros históricos; Horizontes de Honra: as guerras no audiovisual debateu como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial foram retratadas no cinema e streamings ao longo dos últimos anos; e R.I.P. Evangeline: uma discussão sobre o Japão e a Segunda Guerra Mundial comentou o impacto da Segunda Guerra Mundial no Japão e como essa época conturbada foi retratada na obra-prima dos animes, ‘Túmulo de Vagalumes’

  1. Conclusão 

O itinerário “História & Ficção”, exemplificado por aulas envolventes e um projeto final inovador em formato de podcast, demonstrou como a combinação de elementos da cultura pop com conceitos históricos proporcionou uma abordagem cativante e profunda para o aprendizado. Ao longo deste processo, os estudantes não apenas exploraram conceitos históricos por meio de filmes, games, séries e HQ’s, mas também desenvolveram habilidades críticas e reflexivas, conectando eventos passados a questões contemporâneas.

A culminação do itinerário no projeto de podcast “CAVERNA” não apenas consolidou o conhecimento adquirido, mas também proporcionou uma plataforma para os alunos expressarem suas reflexões de forma criativa e acessível. Os episódios produzidos não apenas abordaram temas históricos relevantes, mas também ofereceram uma perspectiva contemporânea e reflexiva, conectando passado e presente de maneira acessível a um público mais amplo.


Referências bibliográficas:

Bittencourt, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto.

Chartier, Roger. A História Cultural ⎯ entre práticas e representações, Lisboa: DIFEL.


Diogo Tomaz Pereira

Licenciado e Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Durante a graduação, fui bolsista de Iniciação Científica em parceria com a Universidade de Sevilha (ESP). Leciono desde 2014 e tenho experiência com EJA, Ensino Médio, Fundamental II e cursinhos preparatórios. Em minhas aulas, gosto de utilizar ferramentas que possibilitem a construção do conhecimento histórico de forma mais leve e descontraída, como músicas, games, podcasts, séries, filmes, HQ’s


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Enoturismo no Brasil

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 38, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Paola M. Frizero Schaeffer | Enoturismo no Brasil

Resumo: O presente trabalho buscou compreender conceitos importantes para definir o enoturismo, como a vitivinicultura, o conceito de redes, clusters e arranjo produtivo local. Buscou-se ainda analisar a importância do enoturismo, tendo como base duas regiões: o Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, no Sul do Brasil e a Rota dos Vinhos do Alentejo, em Portugal. Por fim, procurou caracterizar e destacar as semelhanças e diferenças entre as duas regiões turísticas. 

Palavras chave:  vinho, vitivinicultura, enoturismo, vinícolas, rede. 

Abstract: The present work sought to understand important concepts to define wine tourism, such as viticulture, the concept of networks, clusters and local productive arrangements. It was also sought to analyze the importance of wine tourism, based on two regions: the Vale dos Vinhedos, Serra Gaúcha, Southern Brazil and the Alentejo Wine Route, in Portugal. Finally, try to characterize and highlight as similarities and differences between as two tourist regions.

Keywords: wine, viticulture, wine tourism, wineries, network.

***

  1. Introdução

Ao longo dos anos, o turismo vem buscando, cada vez mais, faces para agradar e incluir a todos, através de sua própria segmentação. No mundo todo, as pessoas buscam essa segmentação para alcançarem seu modelo de viagem ideal, que cumpra não só com suas expectativas, mas também com suas necessidades, como por exemplo os segmentos voltados para a terceira idade ou para pessoas com deficiência. Existem, portanto, grandes segmentações e tipos de turismo, como o de natureza (em áreas mais naturais), o turismo cultural (em lugares com maior número de atividades culturais), o turismo de base local (em comunidades menores) etc. E, dentre as muitas tipologias existentes, encontra-se o enoturismo. 

O enoturismo enquadra-se em muitas tipologias, pois conecta várias áreas, como a cultura, a economia sustentável de base local, áreas naturais, a gastronomia, e pode ser um grande atrativo para áreas de agricultura, gerando assim um fortalecimento na economia regional, como ocorre nas regiões vinícolas do Brasil, de Portugal, da Itália, entre outras ao redor de todo o mundo. Isso acontece pois, quando o visitante conhece a produção do produto e tudo o que o envolve, ele vira um fio condutor confiável para levar a informação da qualidade daquele produto adiante, atraindo novos visitantes e, consequentemente, consumidores daquele vinho. O enoturismo, dessa forma, torna-se uma ferramenta extremamente eficiente de marketing, além de mais um modo de angariar recursos para a produção. 

No presente artigo, será analisada a importância do enoturismo que acontece nas regiões de viticultura e vinicultura nas regiões do Alentejo, em Portugal, e na Serra Gaúcha, no Sul do Brasil. Serão analisadas também as diferenças e as semelhanças dessas duas atividades e quais as consequências apresentadas para as duas regiões. Dessa forma, o objetivo da presente pesquisa será trazer à tona a importância do enoturismo para o desenvolvimento e fortalecimento não só econômico, mas também social e cultural, uma vez que, em muitas regiões, essa atividade é uma tradição passada de geração em geração, como acontece no Sul do Brasil. 

Para a realização das pesquisas, serão analisados dados de levantamentos já existentes, feitos por autores e pesquisadores, sobre o assunto. Serão recolhidos, dessa forma, informações e dados que darão precisão à presente pesquisa e trarão não só teorias investigativas sobre o assunto central, o enoturismo, mas também estudos de casos das duas regiões estudadas. 

Assim, seguindo os objetivos já citados, a presente pesquisa terá, em sua primeira parte, uma revisão literária de autores que trazem os temas do enoturismo; da vinicultura e da vitivinicultura; da atividade do enoturismo no Brasil, na região da Serra Gaúcha, no estado do Rio Grande do Sul, que fica no extremo sul do país; da relação das vinícolas com o turismo de base local; e da atividade do enoturismo na Região do Alentejo, localizado ao Sul de Portugal. Após a exposição desses conceitos, serão analisadas quais as diferenças e semelhanças existentes nas atividades de enoturismo dessas duas regiões e como elas estão contribuindo para os respectivos desenvolvimentos locais, finalizando a segunda etapa desta pesquisa com uma conclusão dos fatos analisados.  

  1. Enoturismo e as atividades de vinicultura nas regiões nas regiões do Alentejo e Serra Gaúcha 

A atividade turística, quando bem planejada e estruturada, pode se tornar uma grande aliada para a economia e para o desenvolvimento, seja de uma pequena região, ou até mesmo de um país, trazendo grandes resultados em vários outros setores, devido à geração de emprego e renda, ao aumento do poder aquisitivo e do poder de compra, entre outras questões. Dessa forma, as regiões que trabalham a vinicultura e a vitivinicultura não têm poupado esforços para entrarem também na atividade turística, entendendo a importância e a grande soma que o turismo pode trazer para aquela localidade. 

  1. Enoturismo

No ano de 1993, nascia o Movimento do turismo del Vino, uma iniciativa italiana que começou a levar visitantes às vinícolas com a ideia de trabalhar o vinho como um atrativo cultural.  A Itália é um dos países mais tradicionais quando o assunto é vinho, em toda a extensão do país há produção da bebida, seja em grande ou pequena escala. Logo,, devido à forte tradição no ramo da vinicultura, hoje é o país referência em enoturismo, como destacam Locks e Tonini (2005: 162): 

A ideia de trabalhar o vinho como um atrativo cultural e turístico nasceu em 1993, com a criação do Movimento do Turismo dei Vino, na Itália. A associação disponibilizou para os turistas um roteiro de visitação às vinícolas, chamado “Cantina Aberta”. Durante esses passeios, enoturistas são guiados por locais previamente estudados, como descoberta de castelos, museus da cultura colonial e visitas aos vinhedos e às cantinas para degustação de vinhos.’2 Para Karen Gilchrist, “un tour de vinos, antes que todo, es cel viaje de los sentidos”’. 13 A manifestação Cantina Aberta deu origem ao Wine Day (Dia do Vinho), comemorado mundialmente no último domingo do mês de maio.

A atividade de se juntar o turismo com a produção de vinhos, por sua vez, tem se tornado um grande acelerador de desenvolvimento econômico. No entorno dos sítios produtores de uva e da própria bebida, crescem os meios de hospedagem, as cantinas, toda a estrutura possível para atender o cliente, de forma que ele viva não apenas uma visita, mas uma experiência, que vai desde o tato, com o contato com a plantação e a pisa da uva, passa pelo olfato, quando você aprende o aroma de cada tipo de vinho, decifrando sua qualidade e sua idade, e chega ao paladar, quando você de fato degusta o vinho, completando o ciclo da experiência. Contudo, há várias vertentes que abordam o conceito de enoturismo, como explicam Zanini e Rocha (2010: 70), 

Existem duas correntes de pensamento a respeito do conceito de enoturismo. Para alguns estudiosos, o enoturismo refere-se à visitação de vinícolas, festivais do vinho ou mostras de uvas em que a principal motivação dos turistas está relacionada à degustação de vinhos e aos atributos de uma região vitivinícola4. Já outros autores consideram que enoturista pode ser tanto alguém que viaja a uma região vinícola para aprender sobre tipos de uvas e vinhos, conhecer o lugar onde seu vinho favorito é produzido ou, ainda, pessoas que somente buscam momentos de lazer e recreação. Neste caso, a motivação do turista não está diretamente relacionada ao consumo de vinho, mas à paisagem das videiras e à atmosfera rural, em geral, presentes nas regiões produtoras vitivinícolas.

Existem ainda algumas divergências no conceito, uns mais simplificados que outros, como por exemplo Alant e Bruwer (2004, p. 27-28) que consideram que enoturista pode ser tanto alguém que viaja a uma região vinícola para comprar vinho quanto alguém que viaja especialmente para conhecer o lugar onde o vinho é produzido; ou, ainda, pessoas que simplesmente buscam momentos de lazer e recreação. Já Hall et all. (2004a) simplifica o conceito, considerando enoturismo apenas como o fluxo de visitantes cuja motivação está no vinho, no cultivo da uva, em suas mostras, degustações e festivais.

Contudo, pode-se observar que, dentre as várias correntes de pensamento, o enoturismo tem algo em comum, que é a experiência nas áreas de vinicultura ou, ainda, vitinicultura. Seja somente no âmbito da gastronomia, ou também na parte de lazer, cultural e natural, seja em grandes fábricas ou em pequenas vinícolas mais tradicionais, o cultivo da uva, atividade tão secular, é algo que atrai milhares de turistas hoje para as regiões de produção de vinho em todo o mundo.  

  1. Vitivinicultura

A descoberta do vinho e a domesticação das videiras estão diretamente relacionadas no tempo e no espaço. Não se sabe ao certo quando se começou a domesticá-las, mas, segundo McGovern (2003), acredita-se que os primeiros vinhos foram elaborados no Irã cerca de 7000 a 7400 anos a.C. Foram também encontradas sementes de videiras na Geórgia e na Turquia, datadas de 8000 anos, com plantações que, posteriormente, se estenderam para o Egito e Mesopotâmia.

A religião desempenhou papel importante na multiplicação da vitivinicultura antiga, ou seja, no plantio de videiras, pois, para os egípcios, o vinho estava associado ao Deus Osíris; para os gregos, ao Deus Dionísio; para os romanos, ao Deus Baco; e para os babilônios, à Deusa Siduri (McGovern, 2003). Após muitos anos, essa atividade foi disseminada através das cruzadas, chegando ao oriente médio e à península ibérica, sendo levada por todo o mundo no período das colonizações. Leão (2010:82) afirma que:

A igreja era proprietária de extensos vinhedos nos mosteiros, onde o vinho era produzido para o sacramento da eucaristia e para o sustento dos monges. Foi disseminada através das cruzadas e no século XV se estabeleceu nas ilhas das Canárias e Madeira, atingindo posteriormente a África do Sul, Austrália e América. O crescimento do islamismo no norte da África, Espanha e Oriente Médio também teve um papel importante na expansão da vitivinicultura.

Na península Ibérica, os gregos foram os primeiros a desenvolver a vitinicultura e a arte de fazer seus vinhos, no século VII a.C. Em Portugal, os primeiros vinhos datam de 2000 a.C. e, no século X a.C, os fenícios introduzem novas castas para a produção do vinho, tendo a agricultura como base para a subsistência da economia portuguesa até o período das grandes navegações. (Correa, 2015)

Já no Brasil, a primeira videira foi introduzida por Martim Afonso de Souza, no ano de 1532,  onde hoje é a cidade de São Paulo. Quase cem anos depois, em 1626, as primeiras videiras foram cultivadas no Rio Grande do Sul pelos padres jesuítas. Posteriormente, o cultivo passou a ser feito pelos imigrantes alemães e italianos, segundo afirma Leão (2010:83):

A introdução da videira no Brasil foi realizada por Martim Afonso de Souza que trouxe as primeiras videiras de V. vinifera L. para a capitania de São Vicente, atual Estado de São Paulo, em 1532. Neste mesmo ano, Brás Cubas cultivou a videira no litoral de São Paulo, não obtendo muito êxito, em parte pelo protecionismo imposto pela corte portuguesa que proibiu o cultivo da videira em 1789 (Souza, 1996). No Rio Grande do Sul, as primeiras videiras foram introduzidas em 1626 pelos padres jesuítas e posteriormente cultivares de V. vinifera L. foram trazidas pelos imigrantes alemães. A vitivinicultura gaúcha teve um grande impulso a partir de 1875 com a chegada dos imigrantes italianos, que trouxeram consigo castas europeias, sobretudo da região do Vêneto e a cultura e tradição de produção e consumo de vinhos. No entanto, as condições climáticas do Rio Grande do Sul não favoreciam o cultivo de cultivares europeias. A introdução da cv. Isabel (V. labrusca L.), de origem americana, forneceu a base para o estabelecimento da vitivinicultura nos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo.

Hoje, a União Europeia representa a frente do cenário mundial da vitivinicultura, não somente como produtores e consumidores, mas também como o comércio mais forte. Segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), as vinhas da EU representam quase 45% das vitícolas no mundo e 60% da produção mundial, além de fazerem parte de 56% do consumo mundial. (Passinhas e Souza, 2007)

  1. O enoturismo como base para o desenvolvimento regional 

A atividade turística pode ser um excelente impulsionador para o desenvolvimento econômico, porém, também há que critique tal atividade por necessitar de investimentos que, muitas vezes, são escassos. O enoturismo, por sua vez, juntamente com os princípios do turismo de base local, vem alterando este cenário, trazendo aos vitivinicultores uma um outro olhar sobre a experiência turística. 

O enoturismo, que é a forma organizada e estrategicamente planejada de levar o turista até a produção do vinho, tem gerado cada vez mais renda aos produtos, ou seja, é a atividade que conecta a prestação de serviços e experiências ao marketing de destinos. Neste sentido, Pina (2009:20) afirma que, 

Deste modo, toda a envolvente de estudos aponta para que o Enoturismo seja simultaneamente uma forma de comportamento do consumidor, uma estratégia de desenvolvimento de um destino, um conjunto de atracções e encenações relacionadas com o mercado dos vinhos e, finalmente, uma oportunidade de marketing para os produtores vinícolas promoverem e venderem os seus produtos directamente aos consumidores.

Percebe-se que o enoturismo tem crescido em diversas regiões do mundo e a principal razão se relaciona com as estratégias regionais dos governos que promovem o enoturismo pelo retorno economico que vem mostrando proporcionar. Alguns exemplos reconhecidos são a Austrália e a Espanha, onde o governo criou e financiou centros vínicos para encorajar o desenvolvimento de novos hotéis, restaurantes, rotas de vinhos e outras infraestruturas que promovem a atividade.  Em outros países a aposta foi privada, como no caso do Canadá, em que as adegas do vale de Okanagan somaram-se para atrair turistas através do golfe e da gastronomia tradicional.

Segundo Vaz (2008 : 44), em uma pesquisa no Wine Institute (2005) diz que, 

Outra razão, mais recente, e que está a generalizar-se à maioria das regiões vitivinícolas do mundo, é a possível ligação entre as preocupações crescentes com o ambiente e a função ecológica que as plantações vitivinícolas possuem. Neste sentido, em muitos países, assiste-se a um crescimento acentuado do número de adegas, especialmente nos EUA onde se registou em 2 anos um crescimento de 26%.

Para melhor compreender a organização da atividade de enoturismo, Getz (2000) subdivide a atividade em três partes (Figura 1) que se correlacionam: 

Quadro 1:   O sistema do enoturismo

Consumidores/ Viajantes Organizações no Destino Fornecedores 
Provas de Vinhos Conservação de Recursos Transportes 
Almoços/Jantares Investigação e Planeamento Alojamento 
Circuitos Turísticos Informação: sinalética Catering 
Compras Rotas de Vinhos Adegas 
Aprendizagem Marketing Circuitos / guias 
Recreação Eventos Especiais Retalhistas 
Formação dos Visitantes Eventos Especiais 
FONTE: GETZ, 2000.

Há hoje em vários lugares do mundo espaço nas vinícolas, não somente para a produção das uvas e do vinho, mas também para o visitante, interessado não somente em conhecer como aquele vinho é produzido, mas também em consumi-lo, gerando a esses produtores mais uma forma de renda com sua produção.

  1. Enoturismo no Brasil

Com a chegadas dos portugueses ao Brasil, no Século XV, vieram também as primeiras videiras, inicialmente para o estado de São Paulo, na região sudeste do país. Porém, o cultivo da Uva, a produção e a comercialização de vinhos começou a ficar mais evidente no século XIX, com a chegada dos imigrantes, principalmente italianos, que vieram substituir os negros nas fazendas. O sul e o sudeste do país foram os que, inicialmente, receberam mais imigrantes e onde, até os dias de hoje, a cultura destes que aqui estiveram é mais aflorada, sendo a região Sul produtora de grandes rótulos de vinho e espumante. 

Pelo Brasil ser um país com dimensões continentais e cada região ter sua particularidade de solo, climática e cultural, o cultivo da uva foi se espalhando por todo o território e hoje se encontra o cultivo da uva e produção de vinho em várias regiões, cada uma, com sua característica própria, como pode-se perceber no Vale dos Vinhedos, que fica no Sul e no Vale do São Francisco, que fica na região nordeste do país, afirmam Zanini e Rocha (2010: 87),

Esses aspectos revelam-se importantes no planejamento dessas localidades. Por exemplo, ao tomar-se conhecimento de que no Vale dos Vinhedos, o turista viaja com a família, pode-se pensar em opções para crianças. No caso do Vale do São Francisco, pode-se traçar estratégias para atrair os viajantes de negócios para os atrativos enoturísticos. O fortalecimento da identidade local de cada região produtora é considerado um caminho para a diferenciação dos destinos e consolidação do enoturismo brasileiro diante de um cenáriocheio de desafios para a atividade vitivinícola mundial.

Hoje, o cenário da produção de vinhos do país encontra-se completamente diversificado. Enquanto no Sul se tem as produções de vinho mais tradicionais do país, em uma região de serrana como a do Vale dos Vinhedos, no estado do Rio Grande do Sul, o Vale do São Francisco, nos estados de Pernanbuco e Bahia, encontra-se em constante crescimento e cada vez mais tecnológico.

Protas, Camargo e Melo (2001) afirmam que o Vale do São Francisco:

Trata-se da principal região vitícola tropical do Brasil, que segundo dados da Valexport, possui cerca de 8.000 hectares de vinhedos distribuídos nos Estados de Pernambuco e Bahia, sendo que destes, 10% encontram-se em fase de formação, 42% em produção crescente, 41% em plena produção e 7% em produção decrescente. A produção total da região situa-se em torno de 170 mil toneladas/ano. A estrutura produtiva da região compõe-se de pequenos produtores vinculados aos projetos de colonização e associados em cooperativas, e de médios e grandes produtores que atuam em escala empresarial.

Devido às diferentes acaracterísticas presente na região nordeste e na região sul do páis, as formas de enoturismo também possuem diferenciação. Enquanto na região Sul o turista visita o plantio da uva, a fabricação dos vinhos, imergindo na cultura e tradição dos imigrantes italianos que ali se instalaram, podendo fazer degustações do produto, tendo um público alvo mais familiar, no nordeste o turista vai em busca de tecnologias e inovação na área da vitivinicultura, muitas  vezes são estudantes e pesquisadores. Tais procuras e tendências têm levado cada vez mais o Brasil no topo de destinos de enoturismo mais procurados, além de referência na tecnologia do cultivo da uva e na produção dos vinhos. 

  1. Atividades turísticas nos vinhedos da Serra Gaúcha 

O século XX foi um período de grandes investimentos na vitivinicultura brasileira proporcionando grande desenvolvimento no setor. Na cidade de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, era criada, nos anos de 1960, o colégio de Viticultura e Enologia, atual Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET-BG, onde formou os primeiros enólogos da região. Com uma organização das famílias que obtinham suas plantações e produções de vinho no Vale, o enoturismo foi ficando cada vez mais forte, quando teve seu grande crescimento já na década de noventa, onde ainda as festas que aconteciam na região ajudavam a atrair turistas com esse interesse em comum, como por exemplo a Festa Nacional do Vinho Fenavinho em Bento Gonçalves mesmo e as Festa da Uva em Caxias do Sul e Festa Nacional do Champanhe – Fenachamp em Garibaldi, cidades póroximas localizadas na Serra Gaúcha. 

Segundo Valduga (2005), a vinda de grandes empresas multinacionais produtoras de vinhos e espumantes também foram grandes contribuintes para tal crescimento:

A partir dos anos 80 e 90, a tecnologia foi disseminada no setor vitivinícola gaúcho inclusive nas pequenas vinícola, estimulada pela instalação de empresas multinacionais como a Bacardi Martini e a Chandon do Brasil. Começaram a controlar os processos produtivos, as fermentações, começaram a utilizar leveduras e enzimas e usar tanques de aço inoxidável. Foi uma década marcada, também, pelo fortalecimento de vinícolas familiares. Elas deixam de vender sua uva para as grandes vinícolas e passam a utilizá-la para fazer seu próprio vinho e comercializá-lo.Isto foi conseqüência, também, de que algumas vinícolas de grande porte da cidade de Bento Gonçalves e de toda a Serra Gaúcha passaram por fortes crises. Muitas delas vieram a falir nos anos 90, conseqüência da entrada de vinhos importados com custo inferior, fato conhecido pelos produtores de uva da Serra Gaúcha como “febre da garrafa azul”. Em decorrência destas crises, muitas vinícolas deixaram de pagar a uva para os produtores e estes, conseqüentemente, passaram a estruturar empresas próprias e a vinificar as suas próprias produções.

Fortalecendo ainda mais esta organização, em 1995 seis vinícolas do Vale do Vinhedos se juntam formando a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos – APROVALE, onde um de seus principais objetivos era a qualificação dos produtos vinícolas e derivados e o estímulo e a promoção do potencial turístico da região. Segundo Valduga (2005), “todos estes progressos têm despertado de certo modo a curiosidade dos consumidores e dos meios de comunicação como televisão e periódicos em todo o país. O fluxo de visitantes tem crescido 20% ao ano, segundo dados da APROVALE. Em 2003 o Vale dos Vinhedos recebeu 100 mil pessoas e em 2004 cerca de 120 mil visitantes. ” Além disso, afirma que a APROVALE oportuniza o funcionamento integrado do Vale pois, além de ter a função associativa e organizacional, também se constitui em um centro de informações turísticas. A sede física da Associação está estrategicamente localizada na entrada do Vale dos Vinhedos há 500 metros da principal rodovia de acesso à Bento Gonçalves. 

Valduga (2005) afirma ainda que, 

As vinícolas do Vale dos Vinhedos são organizações administradas por descendentes de imigrantes italianos. Quase na sua totalidade, gerenciadas pelas 3º e 4º gerações das famílias. A figura paternal é a marca dominante destas organizações que, muitas vezes expõem nos rótulos dos seus produtos a assinatura ou a imagem do fundador, numa forma de assegurar ao consumidor de vinhos que naquele produto está implícito um processo subjetivo de aprendizado passado de geração para geração, como uma simbologia. Outras empresas utilizam na razão social e ainda no nome fantasia o sobrenome dos fundadores, quando não o próprio nome.

Desde 1995, o número de vinícolas no Vale passou para 32 em 2007, tendo aproximadamente 26 destas, associadas, além de outros associados não produtores de vinho como queijaria, hotéis, pousadas, restaurantes e até mesmo fábrica de chocolate. Uma das principais conquistas desta associação foi o reconhecimento da Indicação de Procedência Vale dos Vinhedos, como afirmam Zanini e Rocha (2010: 74). Apesar de alguns vinhedos não fazerem parte da associação, todos se beneficiam dos dados sempre positivos no aumento de turistas na região. 

  1. Enoturismo em Portugal  

Acredita-se que as primeiras videiras tenham sido levadas à região da península ibérica por volta de 2000 a.c. A introdução da fabricação da bebida derivada da vinha em Portugal inicia-se, possivelmente com os povos fenícios, inicialmente ao sul do país, às margens do Sado e do Tejo. No século II a.c., os romanos chegam à península ibérica, ocupando e conquistando territórios, e assim se expandem as conquistas ao norte do país, levando consigo a expansão do cultivo das videiras e a produção do vinho. Era formado então o país mais antigo da Europa, e com passar dos séculos formaram-se alianças com os demais países, como a coroa Inglesa. Inácio (2008)

Passaram-se os anos e também cenários de crises na economia portuguesa, afetando o comércio dos vinhos e em 1756, como resposta à uma destas crises e às queixas dos produtores, Marquês de Pombal, que na época se encontrava no cargo de primeiro ministro português, toma a iniciativa de criar Real Companhia das Vinhas do Alto Douro. Segundo Inácio (2008):

Como resposta, o Marquês tomou medidas para restaurar a ordem no sector, criando nomeadamente a Real Companhia das Vinhas do Alto Douro, em 1756. A esta companhia era concedido o monopólio da exportação do vinho, o que veio provocar uma explosão de protestos, sobretudo dos exportadores ingleses que se sentiram lesados porque excluídos. Mas a Inglaterra continuava em guerra com a França e a Espanha, razão pela qual estes protestos junto da coroa britânica acabaram por não surtir nenhum efeito: demasiado ocupada com este conflito, não podia dar resposta a esta questiúncula comercial.

É chegado o século XIX e a “idade de ouro” para os vinhos portugueses. O vinho fabricado no Porto chegava aos mercados ingleses e ao Brasil e o vinho de Lisboa, Carcavelos e Bucelas eram exportados para Inglaterra. 

Compreender a atividade do enoturismo em Portugal significa unir uma tradição secular à uma segmentação contemporânea de turismo. As bases do enoturismo, por si só e em específico em Portugal, é um retorno às origens. Toda a história da vinha e do vinho, com suas cores, aromas, texturas e sabores, podem ser vivenciadas nesta atividade turística, levando o consumidor a percorrer toda a história através da visitação. 

Todavia, o enoturismo em portugal também traz às regiões produtoras um desenvolvimento econômico, como mostra Vaz (2008), 

Percebe-se ainda que fruto da diversidade inerente aos desenvolvimentos que ambas as actividades (turística e agrícola) gozaram em contexto nacional, o Enoturismo em Portugal surge da sua confluência, integrando dinâmicas distintas em função da região em que se desenvolve. Porém, defende-se claramente que “o desenvolvimento rural não se padroniza; normalizar seria sufocar os processos (Cavaco: 2004; 109), pelo que se advoga a pertinência, a permanência e a valorização destas diferenças. 

Na cidade do Porto, a visitação nas caves de vinho datam dos anos cinquenta, no século XX. Tais visitas ficaram cada vez mais frequentes ao longo dos anos e passaram a complementar roteiros de visiatção pela cidade. Aos poucos, para os amantes do vinho, começaram a surgir roteiros estpecíficos para conhecer a caves e a fabricação e degustação deste vinho histórico. 

Vaz (2008) diz ainda que,

Apesar das visitas às Caves não constituírem um fenómeno novo, são formas de Enoturismo que só se consideram como tal porque foram revigoradas e enriquecidas. Continuam ainda a integrar em alguns casos outras formas de turismo, das quais se revelam complementares, mas a estas acrescem outras modalidades de Enoturismo consubstanciadas em produtos mais complexos e por isso mais atractivos para um nicho de turismo especificamente interessado nesta oferta.

Aos poucos foram surgindo outras regições que se apropeiam desta segmentação não só com relação à vitivinicultura, mas trazendo eventos como feiras e festivais do vinho, museus referente ao assunto, o agro-turismo em quintas e aldeias – vinhateiras entre outras modalidades. O fortalecimento do enoturismo em Portugal é recente, e toma forças somente no anos noventa, quando se entende a atividade como prioritária para o país. 

  1. Turismo nos vinhedos do Alentejo

O Enoturismo no Alentejo essencialmente nasce antes até de outras Rotas, por se tratar de uma região repleta de produtores engarrafadores/distribuidores, grandes herdades, montes e quintas, propriedades privadas familiares ou até mesmo de grandes empresas. 

As especificidades regionais do  turismo no Alentejo, já que a estrutura fundiária dominante marca consideravelmente a natureza deste enoturismo trazem grandes propriedades, de centenas de hectares, com casas de traça regional preservadas e restauradas, que recebem estes turistas e constituem a principal forma de alojamento enoturístico existente. Segundo Vaz (2008), “Para os enoturistas que não dormem na região, deslocando-se essencialmente para Lisboa ou Évora, as Adegas Cooperativas constituem uma alternativa de visita, prova e compra de vinho, complementar das ofertas das Quintas anteriormente mencionadas.” Tais características fazem do enoturismo do Alentejo uma Rota especial e estruturada, trazendo uma infraestrutura a mais para o turista, como afirma Vaz (2008), 

Quando olhamos para o binómio tradição/inovação, percebemos que o carácter tradicional das infra-estruturas de recepção turística prevalece no Alentejo, a grande maioria das propriedades existentes apresenta características infraestruturais com características regionais. O conforto é actual, mas a estética é regional. No turismo não se investiu em grandes tecnologias, mas quando se trata da actividade vitivinícola a grande maioria destes produtores apresenta um grau considerável de modernização no processo produtivo. Esta modernização só é visível nas visitas às infra-estruturas e equipamentos. Os espaços reservados exclusivamente aos turistas, nomeadamente as salas de provas e lojas, permanecem com ambientes tradicionais, recorrendo-se frequentemente a objectos da lavoura do passado, para criar esse ambiente. Consideram estas empresas que os visitantes procuram “as raízes”, “o passado”, o “típico”, razão pela qual apostam nestes ambientes de cariz regional. Assim, a maioria das Quintas, Montes ou Herdades aposta na tradição estética dos seus edifícios e no carácter regional da sua imagem e produtos, entre as quais se contam a Herdade do Esporão, a Herdade da Malhadinha Nova, o Monte da Ravasqueira ou o Monte dos Seis Reis.

Fortalecendo ainda mais esta atividade no Alentejo, há na região unidades museológicas ligadas ao assunto: o Museu da Vinha e do Vinho de Reguengos de Monsaraz, o Museu Regional do Vinho de Redondo (inaugurado em Setembro de 2001) e a Enoteca a este associada (inaugurada em 2003).

Em 1989, nasce a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA), uma organização privada de utilidade pública que certifica, controla e protege os vinhos DOC Alentejo e os vinhos Regional Alentejano. Desta forma, surge da CVRA a Rota dos Vinhos do Alentejo, com a promessa de um produto turístico inovador. 

Para definir o que chamamos de Rota dos Vinhos, Silbergh (1994, p. 124) afirma que consiste em “um itinerário que pode ser percorrido caminhando, de bicicleta, a cavalo, de automóvel ou doutra forma de transporte e que com base no património natural e cultural da área envolvente proporciona uma experiência educacional que aumentará a satisfação do visitante”. Desta maniera, com o intuito de fortalecer a conexão entre produtor e consumidor e os vinhos da região, nasce em 1997 a Rota dos Vinhos do Alentejo. 

Integrando o departamento de promoção e marketing da CVRA, a Rota dos Vinhos do Alentejo obtem sua Sede de apoio e acolhimento onde acintecem provas e vendas dos vinhos, marcação de visitas à adegas e fornecem informações sobre o enoturismo da região. Segundo dados da CRVA (2012), o número de aderentes tem aumentado ao longo dos anos, contrubuindo cada vez mais para o fortalecimento da atividade turística.  

  1. Análise das diferenças e semelhanças entre a Rota dos Vinhos no Alentejo e o Vale dos Vinhedos na Serra Gaúcha 

Para que se possa entender melhor a diferença as diferenças e semelhanças entre a Rota dos Vinhos no Alentejo, em Portugal e o Vale dos Vinhedos, no Brasil, é preciso ter em mente três conceitos iniciais: Rede, Cluster e Arranjo Produtivo Local (APL). 

Para o primeiro conceito,  Hall (2001 : 233) afirma que “Redes são definidas como arranjos de cooperação entre organizações”. Desta forma as redes não representam apenas trocas de informações interorganizacionais como pesquisa, “know how” e marketing, mas de forma mais pragmática e diretamente ligada com o enoturismo, há um relacionamento dos fluxos turísticos que interessam principalmente aos governos tanto municipais, estaduais e nacionais, devido aos efeitos econômicos multiplicadores da atividade turística, complementa Valduga (2005). 

Os Clusters são definidos por Poter (1999)  como “agrupamentos de empresas e instituições correlatas, geograficamente concentradas e vinculadas por elementos comuns e complementares que competem, mas também cooperam entre si”. Desta forma, clusters podem ser recinhecidos devido seu potencial competitivo. Entretanto, para ZACCARELLI et al. (2008) “ para que um cluster de fato alcance sua competitividade, é necessário um alinhamento estratégico, que coordene atividades, elementos e recursos de forma a alcançar melhores resultados.”

Conceituando o terceito termo, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), define Arranjo Produtivo Local como “aglomerações de empresas localizadas em um mesmo território, que apresentam alguma especialização produtiva e mantêm vínculos, de articulação, interação, cooperação e aprendizagem entre si e com outros atores como governo, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa”. 

Para Valduga (2005), a principal diferença entre entre Rede e APL é a questão territorial:

Redes abrangem empresas de todos os tamanhos em várias combinações, que podem estar localizadas local ou internacionalmente. Não há fronteiras “físicas” e o relacionamento das organizações pode variar desde relacionamentos informais a obrigações contratuais. Para Arranjo Produtivo, no entanto, deve existir a noção físico-geográfica delimitada em um território. A semelhança conceitual fundamental é a troca de competências essenciais entre organizações (know-how). Pode-se considerar ainda que os APLs são Redes com fronteiras determinadas e conhecidas.

Tendo em mente os conceitos citados acima, pode-se afirmar que o Vale dos Vinhedos está inserido em um modelo de Rede, que devido às suas peculiaridades, pode ser caracterizado como um APL. Enquanto isso, a Rota dos Vinhos do Alentejo que também está inserida em uma rede, está há alguns anos em busca de se tornar um modelo de Cluster, conectando vários tipos de negócio dentro de um mesmo assunto e região. Tais definições não impedem que os destinos aqui presentes perpassem pelas três esferas.  

Sobre o Vale dos Vinhedos, Valduga (2005) afirma que, 

A Rede do Vale dos Vinhedos, sob o ponto de vista da produção de vinhos e outros derivados da uva, pode ser melhor caracterizado como um Arranjo Produtivo Local. Paralelamente, o sistema funcional do enoturismo mostra-se melhor entendido como uma Rede. Isto em função de que, além da APROVALE, as empresas do Vale e de toda a cadeia produtiva integram o Instituto Brasileiro do Vinho – IBRAVIN entre outras organizações que buscam objetivos comuns.

Segundo Pina (2015),

A região do Alentejo, se nos restringirmos só a Portugal, já é uma das principais regiões em termos estatísticos a nível de área dedicada à vinha, produção e comercialização dos seus vinhos; mas a nível internacional somos sempre pequenos. Em termos das principais regiões de turismo vitivinícola, a nível internacional encontra-se nos primeiros lugares.

A pesquisa feita por Correa (2005) com os produtores da região do Alentejo, mostra que eles acreditam que é possível e que até era desejável a formação de um Cluster, porque a região demarcada em termos de dimensão e qualidade dos seus produtos vinícolas tem condições de crescer, manter a unidade produtiva que já existente e desta forma se tornar mais conhecida. No entanto existe uma tradição grande em termos de concorrência e rivalidade na região, fazendo com que esta formação não se torne algo tão simples. 

Correa (2005) afirma ainda que “Portugal não é suficientemente grande para distinguir uma Região Demarcada em detrimento de outras e deixar a marca Portugal para trás.”  Desta forma conclue que “se houvesse a organização do cluster dos vinhos na região do Alentejo, certamente haveria outro poder negociável, outro prestígio e mesmo em termos políticos seria totalmente diferente.”

  1. Conclusão

Pode-se perceber na presente pesquisa que tanto a Rota dos Vinhos do Alentejo, quando os Vales dos Vinhedos, no Brasil, tratam-se de organizações de marketing turístico para atrais cada vez mais visitantes para as duas regiões.  Percebe-se, no entanto, que nem sempre estas organizações são coordenadas com as demandas de infraestrutura que o turismo exige, ou até mesmo a manutenção que exige ao passar do tempo. 

Hoje, o Vale dos vinhedos encontra-se em plena atividade, com cada vez mais adesão e aceitação pelos produtores, porém, há uma necessidade de maior investimento por parte dos produtores e da própria APOVALE para que o marketing não seja maior do que o produto final entregue ao consumidor, ao passo que a maior diferenciação entre uma vinícola e outra é a capacidade produtiva. É importante que o marketing deixe explícito que as vinícolas se diferenciam entre si e talvez até mesmo a importância de criação de circuitos caracterizados e separados pela característica da vinícola: familiar, grande porte, pequeno porte, etc. 

A Rota dos Vinhos do Alentejo também encontra-se em plena atividade, porém há indícios de que algumas regiões encontram-se sem manutenção, como placas de sinalização, por exemplo, o que pode trazer uma má impressão aos visitantes. Há ainda a necessidade de maiores investimentos também em inovação e crescimento das vinícolas, além de uma melhor organização, para alcançarem o patamar de Cluster, ou uma rede mais bem organizada e sustentável entre si, como tanto desejam, fortalecendo-se ainda mais junto à toda a rede de Portugal. 


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Paola M. Frizero Schaeffer

Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e em Turismo e Desenvolvimento de Destinos e Produtos pela Universidade de Évora — PT. Pós-graduanda em Gestão Pública de Turismo e Desenvolvimento Regional (UFJF), Pós-graduada em Gestão Cultural pela UniFagoc. Graduada em Turismo e em Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela UFJF.


TOPO

Autores:
Maria Clara Cabral
Paola Frizero
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