REVISTA CASA D’ITALIA – Ano 04, nº30, 2023

Ano 04, nº30, 2023 – Edição ‘A Influência Italiana no Mundo’ – ISSN: 2764-0841

Editorial

A Revista Casa D’Italia chega ao seu 30ª volume e, neste mês, traz autores que discutem a influência da cultura italiana no mundo.
Com uma rica identidade cultural construída ao longo dos séculos e recebendo influência de outros povos e regiões, hoje a Itália é referência em diversos assuntos, como gastronomia, artes, arquitetura etc. Porém, com o processo migratório em que muitos italianos tiveram que deixar seu país para tentar uma vida melhor em outros lugares do mundo, como Brasil, Argentina e Estados Unidos, por exemplo, essas características culturais foram se espalhando e se miscigenando com outras culturas, costumes e valores. Hoje, no Brasil, podemos observar a influência dessa cultura e de toda sua diversidade em vários âmbitos da sociedade, já enraizados em nossos costumes, o que contribuiu e ainda contribui para a construção da identidade brasileira.

Portanto, neste volume da Revista, podemos identificar alguns aspectos desse grande movimento, magnificente por suas fusões culturais entre Itália e outros países, o que torna os processos identitários ainda mais ricos e interessantes. Para tal, trazemos temas como fotografia, vinho, literatura, música, convidando todos a refletir conosco, através das discussões trazidas pelos autores e autoras.

A Revista Casa D’Italia é uma realização da Duplo Estúdio de Criação, em parceria com o Departamento de Cultura da Associação Casa D’Italia. Essa iniciativa tem o apoio das empresas e associações Imo Experiência Turística, Curso de Língua e Cultura Italiana, Grupo de Dança Folclórica Italiana Tarantolato, Lectio Soluções Linguísticas e Estúdio de Arte Ponto Três. Contamos ainda com o apoio de Cristina Njaim Coury, Patrícia Ferreira Moreno, Rafael Moreira, Arlene Xavier Santos Costa, Louise Torga, Paulo Jose Monteiro de Barros, Vinícius Sartini, Ana Lewer, Thaiana Fernandes, Rafael Bertante e Paola Frizero, que, através da plataforma Apoia-se, nos incentivam mês a mês a continuar investindo na cultura e a trazer discussões a respeito da nossa sociedade.

Desejamos a todos e todas uma ótima leitura!

Um tesouro negligenciado: a música vocal de Domenico Scarlatti
por Luane Voigan
Comissão de relações institucionais
por Elaine Piva
Heitor Canalli, o oriundi mundialista e multicampeão
por Rafael Oliveira Costa
Isabel: la brasiliana e seus vinhos de garrafão
por Tassiana Frank
A infância, a amizade, o encontro e o amor: a obra de Vinícius de Moraes na Itália
por Tiago Fernandes Franco Lima
“Fortunate Son”, um emblema antiguerra: a utilização de canções como ferramenta no ensino de História
por Dayana de Oliveira
E agora José?
por Saulo Machado
La hija de una Cuba revolucionaria y abolicionista: Emília Casanova
por Talita Gomes
Experiência fotográfica em terras estrangeiras
por Patrícia de Oliveira

Um tesouro negligenciado: a música vocal de Domenico Scarlatti

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Luane Voigan | Um tesouro negligenciado: a música vocal de Domenico Scarlatti

Talvez você já tenha se deparado com Domenico Scarlatti no famoso romance Memorial do Convento de José Saramago, ou já ouviu falar de suas famosas sonatas para cravo, que o consagraram como um grande compositor que influenciaria gerações no estudo das obras para teclas. Mas, caso ainda não o conheça, permita que eu apresente esse mestre do período barroco.

Giuseppe Domenico Scarlatti veio ao mundo em Nápoles, no dia 26 de outubro de 1685, mesmo ano em que nasceram os compositores Johann Sebastian Bach e Georg Friedrich Händel. Oriundo de uma família de cantores, instrumentistas e compositores, e principalmente por ser filho de um dos compositores de maior notoriedade de sua época, Alessandro Scarlatti, o pequeno Domenico certamente foi influenciado pelo meio. Quando jovem, já se destacava como cravista virtuose, viajando com frequência para cidades italianas como Roma, Florença e Veneza. Aos 17 anos, se tornou o organista e compositor da Capela Real de Nápoles, e cravista pessoal da câmara do vice-rei. Embora viesse se destacando como instrumentista, Domenico Scarlatti também enveredou pelo repertório vocal, compondo óperas, cantatas e serenatas. Em sua obra é possível reconhecer a influência do pai, Alessandro Scarlatti, tanto no repertório vocal quanto no instrumental. No entanto, ao explorar outras culturas, tendo vivido em Portugal e depois Espanha, Domenico agregou elementos da cultura ibérica a suas composições, tornando sua obra ainda mais pessoal.

Em 1709, Domenico foi para Roma, a serviço da rainha polonesa Marie Casimire Sobieska (1641–1716), e lá compôs uma série de óperas, dentre elas Tolomeo e Alessandro ovvero la corona disprezatta, escrita em 1711, com libreto de Carlo Sigismondo Capece, a qual dedico minha pesquisa de doutorado na Unirio, sob orientação de Laura Rónai e co-orientação de Robson Bessa.

Seis anos depois, Domenico Scarlatti foi para o Vaticano, sendo nomeado mestre de capela da Basílica de São Pedro. Lá compôs um Stabat Mater a 10 vozes, uma obra de grande poder expressivo. Após alguns anos, Scarlatti foi trabalhar na corte portuguesa, tornando-se professor da princesa Maria Bárbara, que demonstrou enorme talento musical. Mesmo depois de se mudar para a Espanha para casar com o Príncipe Fernando, a princesa continuou seus estudos com Domenico, que a acompanhou fielmente. Foi na Espanha que Domenico produziu o grande número de obras para cravo que mais tarde o consagraria, e também foi lá que se tornou amigo de um dos mais célebres cantores da época, Farinelli. Os dois estabeleceram uma longa amizade, tendo sido Farinelli um guardião dos manuscritos de Scarlatti. É impossível relatar de forma sucinta todo o percurso de Domenico Scarlatti, mesmo considerando as lacunas sobre sua história. No entanto, neste pequeno resumo, é possível constatar sua enorme importância e contribuição na música.

Os catálogos de sua obra carecem de informações precisas sobre as datas das composições, e há escassez de informações sobre a própria história do compositor. No que concerne ao campo operístico, bem como à sua obra vocal como um todo, ainda há pouca produção acadêmica se compararmos com o que foi produzido a respeito de sua música instrumental.

Katie Eckersle, pesquisadora e difusora das cantatas espanholas de Domenico, destaca que os elogios atribuídos ao compositor pelos críticos musicais ingleses do século XVIII, exaltando sua originalidade e inimitabilidade, são referentes a suas sonatas para cravo, o que ocorre até hoje, enquanto a maior parte de suas outras obras são consideradas relativamente insignificantes se comparadas a sua obra para teclas. No entanto, nas últimas décadas, as obras de Domenico Scarlatti que sobreviveram têm despertado a atenção de pesquisadores, não apenas por atestarem suas habilidades composicionais em outro gênero, mas também pelas possíveis ligações com a produção operística prolífica de seu pai, Alessandro Scarlatti.

A ópera Tolomeo e Alessandro teve sua estreia no Palazzo Zuccari, em 19 de janeiro de 1711. Malcolm Boyd, em seu livro The Master of Music, de 1986, relata que outras produções operísticas feitas no mesmo período de Tolomeo e Alessandro receberam críticas negativas, enquanto a ópera de Domenico obteve destaque positivo. Em 1946, uma partitura do primeiro ato foi encontrada em Roma pelo compositor e musicólogo Sebastiano Arturo Luciani (1884-1950), em uma livraria de antiquários. Na capa constavam os dizeres Dominicus Capece e Ad usu C S, o que indica que pode ser uma cópia feita para uso do libretista. Já em 1984, uma cópia completa do manuscrito em três volumes foi encontrada na biblioteca do palácio de Belton House, próximo a Grantham, Reino Unido.

Em 2021, a ópera Tolomeo e Alessandro teve sua estreia no Brasil, no Grande Teatro Cemig Palácio das Artes, dentro da programação da Temporada de Ópera e da celebração do 50° aniversário do Palácio. O espetáculo se deu pela parceria entre a Fundação Clóvis Salgado, o Consulado da Itália em Belo Horizonte e a Cia de Ópera Barroca. Nessa montagem interpretei a personagem Seleuce, pouco tempo depois de me recuperar da Covid. Uma ópera no contexto da pandemia, marcando o retorno das óperas no Palácio após dois anos, tornou esse trabalho ainda mais desafiador e especial. Para a segurança de todos em meio à pandemia, toda a equipe estava vacinada com as duas doses e eram feitos testes de Covid em todos os participantes a cada 72 horas.

Tolomeo e Alessandro – Palácio das Artes
Fonte: Youtube

A realização dessa ópera no Brasil possibilitou resgatar uma obra ainda pouquíssimo executada, contribuindo como umas das referências da ópera de Domenico Scarlatti, pois, até o momento, essa montagem é a única disponível on-line com música e cena na íntegra. Existem outras poucas gravações apenas em áudios disponíveis on-line.

Considerando que não há nenhuma pesquisa brasileira que aborde a ópera Tolomeo e Alessandro, nem mesmo pesquisas que se aprofundem no repertório vocal de Domenico Scarlatti, a realização de uma pesquisa acadêmica atrelada à montagem da ópera no Brasil contribui para a difusão e valorização do repertório operístico de Domenico Scarlatti, além de estimular a atenção para a pesquisa e execução desse repertório ainda tão pouco explorado.


Referências bibliográficas:

BOYD, Malcolm. Domenico Scarlatti: Master of music. Schirmer Books, Nova York, 1986.

DE LA MATTER, Katherine. Domenico Scarlatti’s Tolomeo et Alessandro: An investigation and edition. 2011. Tese (Doutorado em Música), Universidade de Londres, Londres.

ECKERSLEY, Kate. A Truly Individual Voice: The Vocal Language of Domenico Scarlatti.  In: FABRIS, D. MAIONE, P. G. Domenico Scarlatti:Musica e storia. Nápoles: Turchini Edizionii, p. 73-90, 2010.

______. Some late chamber cantatas of Domenico Scarlatti: a question of style. The Musical Times, Londres: n. 1773, p. 585-591, 1990. v. 131.

KIRKPATRICK, Ralph. Domenico Scarlatti. Edição Revisada. Universidade de Princeton: Princeton Editora, 1953.

SCARLATTI, Domenico. In: GROVE Music Online. Disponível em: https://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-6002278251. Acesso em: 4 jul. 2020.

SCARLATTI, Domenico, Tolomeo e Alessandro. Youtube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Kai65yZ0Em0>. Acesso em: 26 mar. 2022.


Luane Voigan

É doutoranda em Teoria e Prática da Interpretação na UNIRIO, mestra em Música pela UFRJ e bacharel em Canto pela UFJF. Com o duo Voigan Grunewald, foi selecionada no concurso Jovem Musico BDMG, em 2012 e foi curadora da Série Concertos na Filarmônica. No campo operístico participou do VOE Ópera Estúdio e da Ópera O Diletante, de Ripper, em Vitória (ES). Cantou em Il ballo delle ingrate, de Monteverdi, e na estreia moderna de Vendado es amor, non es ciego, de José de Nebra, em Juiz de Fora. Em 2019 participou do Curso Internacional de Interpretación Vocal Barroca, na Espanha, realizou concertos junto ao Musica Figurata, e atuou como professora substituta de canto na UFJF. Atualmente participa na criação e interpretação sonora do projeto Nácar madrigais de Adriana Gomes (UFJF).


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Comissão de relações institucionais

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Elaine Piva | Comissão de relações institucionais

Dentre as várias comissões criadas pelo COMITES, existe a Comissão de Relações Institucionais.

Tal Comissão tem a função de representar a comunidade italiana nas suas demandas com as instâncias superiores, principalmente no que diz respeito a todos os serviços consulares, quer sejam para os descendentes com suas solicitações de reconhecimento de cidadania em curso, para os cidadãos já reconhecidos ou aqueles nascidos na Itália, mas com residência na circunscrição Minas Gerais.

É importante salientar que esta comissão, assim como todas as outras, apesar de ser uma das mais procuradas pela comunidade, não pode resolver casos individuais, a não ser orientar o indivíduo a buscar autonomia e conhecimento no que diz respeito ao setor ao qual  se dirigir para a resolução do problema.

Nas demandas maiores, como o trâmite de reconhecimento de cidadania ou a aquisição do passaporte, o papel da comissão, imbuída de espírito de cooperação, é propor ações que possam melhorar as práticas, respeitando as limitações de quem oferece os serviços, trabalhando pela coletividade e, assim, conseguindo que toda a comunidade possa exercer sua cidadania plena, tendo seus direitos respeitados, mas cientes dos seus deveres.

A Comissão foi criada em 2022, pela nova composição do Comites MG, com intenção de colaborar com a comunidade ítalo-mineira, oferecendo informações e explicações para possibilitar a compreensão de seus direitos e deveres, assim como orientar quanto aos procedimentos junto ao Consulado da Itália em Belo Horizonte/MG, sua representação mais próxima do governo italiano. Tem, também, o objetivo de colaborar, dentro de seus limites legais e institucionais, com o Consulado da Itália em Minas e a Embaixada Italiana.

É voltada para fortalecer e aproximar a comunidade italiana de Minas Gerais de todas as instituições do “Sistema Itália”.

Existem muitas perguntas que circulam sobre o Comites no universo da comunidade italiana em geral, no que diz respeito ao raio de ação da instituição. Listamos algumas:

O COMITES MG é parte do consulado?

Não, o Comites não é um departamento do Consulado Italiano de Minas Gerais. Trata-se apenas de um órgão oficial do estado italiano que representa os interesses da comunidade italiana de Minas perante às instituições do “Sistema Itália” e na cotidianidade, para exercer a própria cidadania de forma plena. As comissões que o Comites MG criou internamente são focadas nos vários aspectos que compõem a cidadania, desde as questões burocráticas até as culturais.

O que é o “Sistema Itália”?

É um conjunto de setores que identificam o modelo italiano de desenvolvimento, com destaque para a positividade do país sobre os princípios da Civilização, da Democracia, da Cultura, da Proteção Social e Economia. No Brasil é composto pela Embaixada de Brasília, pelos consulados, pelas Câmaras de Comércio Ítalo-Brasileiras, pelos Com.It.Es (Comites dos Italianos no Exterior), pelo CGIE (Conselho Geral dos Italianos no Exterior), entre outros órgãos.

O COMITES MG pode me ajudar no processo de reconhecimento da cidadania?

Importante destacar: NÃO tem o Comites MG qualquer poder para interferir nos procedimentos realizados pelo Consulado Italiano de Minas Gerais (ou qualquer outro), Embaixada Italiana ou qualquer órgão, brasileiro ou italiano.

O Comites MG não pode e não deve oferecer auxílio individualmente, mas sim  procurar resolver,  junto aos órgãos competentes, as questões que dizem  respeito à coletividade.

O Comites MG pode indicar e fazer encaminhamento para a obtenção das informações de caráter geral a respeito de tudo o que significa obter e exercer a própria cidadania, e pode coletar as queixas e as experiências que o cidadão eventualmente terá na hora de lidar com as instituições, com o objetivo de melhorar o relacionamento entre as instituições e os cidadãos.

Qual o principal objetivo da comissão de relação institucionais, então?

O principal objetivo da Comissão de Relações Institucionais é aproximar-se dos cidadãos italianos que vivem em Minas Gerais e, sempre que possível, colaborar com as informações que lhes causam dúvidas, indicando os contatos e a forma correta de realizar os procedimentos desejados, sem, no entanto, fazer o serviço, seja de forma gratuita ou onerosa. Oferecerá informações como, por exemplo: como deve ser realizado o agendamento para o reconhecimento da cidadania italiana e a emissão de passaportes, que são demandas sempre trazidas pelos cidadãos, documentação necessária, entre outras importantes demandas. Explicará quais são os contatos e funções de cada setor consular e de outros órgãos que possam interessar.

Pretende a Comissão construir, junto ao Consulado Italiano de Belo Horizonte, uma relação estreita para que possa apresentar as demandas, necessidades e possíveis insatisfações da comunidade ítalo-mineira identificadas pelo contato diário, e até mesmo sugerir práticas consulares passíveis de melhoramento, aprimorar os serviços consulares, propor possíveis soluções reais e factíveis, sem, obviamente, interferir nelas de qualquer maneira.

Para seguir os trabalhos desta e das outras comissões, acesse o site  https://www.comitesmg.org.br/


Elaine Piva

Nasceu e vive em Poços de Caldas. Professora de formação mas atualmente fora da área de atuação. Presidente do Círculo Italo Brasileiro do Sul de Minas, Conselheira do Comites e coordenadora da comissão Relações Institucionais do Comites. Trabalha com pesquisa genealógica e cidadania italiana.


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Heitor Canalli, o oriundi mundialista e multicampeão

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Rafael Oliveira Costa | Heitor Canalli, o oriundi mundialista e multicampeão

Entre o final do século XIX e início do século XX, milhões de italianos deixaram seu país e rumaram ao Brasil em busca de melhores condições de vida. Dois deles, Affonso Canalli, nascido em Milão, e Lucinda Demarchi, natural de Verona, acabaram se encontrando aqui em Juiz de Fora, onde se casaram e construíram uma família de cinco filhos, sendo um deles o notório futebolista Heitor Canalli, nascido no dia 31 de março de 1909.

O pequeno Heitor deixou Juiz de Fora e foi para Petrópolis com poucos anos de vida, mas seu nome permanece conectado com a cidade através de alguns de seus parentes que aqui residem. Ele foi o primeiro mineiro e único juiz-forano a disputar uma Copa do Mundo, no caso a de 1934, na própria Itália, onde o Brasil caiu logo na estreia contra a Espanha, ao perder por 3 a 1 em Gênova.

Antes disso, Canalli havia iniciado sua carreira futebolística no Petropolitano, em 1927. Dois anos depois ingressaria no Botafogo Football Club, onde se transformaria em uma lenda. Sua estreia se deu no dia 14 de setembro de 1929, na preliminar de Seleção Carioca 3 x 1 Bologna, da Itália. O Botafogo enfrentou e derrotou um combinado de jogadores da AMEA (Associação Metropolitana de Esportes Amadores) por 4 x 2.

Canalli Com a camisa do Botafogo Football Club (atual Botafogo de Futebol e Regatas)

Já no ano seguinte, em 1930, disputou nove jogos do campeonato carioca dos segundos quadros e quatro pelo primeiro time. Sua estreia oficial no time titular do Botafogo aconteceu em 9 de novembro de 1930, em jogo válido pelo Campeonato Carioca daquele ano, partida em que o Botafogo venceu o São Cristóvão por 3 x 2. O Botafogo foi campeão naquele ano, iniciando sua época mais vencedora até então.

Em 1931 vieram mais dois troféus: a Taça dos Campeões Estaduais, conquistada de forma inapelável diante do campeão paulista, Corinthians, por 7 a 1, no antigo estádio de General Severiano, no dia 6 de maio daquele ano. Pouco mais de dois meses depois, no dia 8 de julho, o Alvinegro rumou ao Rio Grande do Sul, onde venceu o Pelotas por 3 a 2, conquistando a Taça Rio-Sul e unificando o título de Campeão dos Campeões daquele ano.

Voltou a ser campeão carioca pelo Botafogo em 1932, quando disputou todos os 22 jogos realizados pelo clube. O Glorioso perdeu apenas uma partida nesse campeonato, que marcou a despedida do histórico técnico húngaro Nicolas Ladanyi. Ainda em 32, estreou pela Seleção brasileira, mais precisamente no dia 4 de dezembro, na vitória de 2 x 1 sobre o Uruguai, quando colaborou para a conquista da Copa Rio Branco, uma espécie de desafio disputado ocasionalmente entre os selecionados brasileiro e uruguaio.

O ano de 1933 foi agitado para o oriundi juiz-forano. Começou sendo emprestado ao Flamengo, onde jogou por cinco vezes. Retornou ao seu Botafogo, onde fez parte da campanha do bicampeonato. Porém, antes de terminar o torneio, foi contratado pelo Torino da Itália, que na época já era um dos times mais fortes da terra de origem de seus pais. Estreou no dia 10 de setembro com derrota diante do Padova, por 1 x 0. Deixou o clube italiano após nove partidas, com medo de ser convocado para o exército italiano, que lutava na Guerra da Abissínia (atual Etiópia).

Canalli pela Seleção Brasileira na Copa de 1934

Retornou ao Glorioso Alvinegro de General Severiano no dia 18 de março de 1934, após breve passagem pelo América do Rio. Não participou da campanha do tricampeonato do clube, mas ainda assim foi convocado pela CBD (atual CBF) para a Copa do Mundo na Itália daquele ano. O Botafogo foi a base da Seleção Brasileira naquela edição, com oito jogadores convocados.

Em 1935 disputou 20 dos 22 jogos válidos pelo campeonato carioca, ajudando o Botafogo a conquistar o seu quarto título consecutivo, quinto em seis edições. Até hoje o Alvinegro é o único tetracampeão estadual sem divisão de título (de 1906 a 1909 o Fluminense conquistou quatro títulos consecutivos, porém o de 1907 foi dividido com o próprio Botafogo). Nesse período vencedor do clube (1930-1935) foram utilizados 69 jogadores, sendo que Canalli foi o quarto com mais aparições: 73.

Canalli ainda fez parte da primeira excursão internacional do Botafogo, em 1936, pela América do Norte. No ano seguinte se aposentou da Seleção, depois de 19 aparições, em uma vitória por 6 a 4 diante do Chile, onde marcou um gol. Deixou o Botafogo no final de 1940, encerrando uma história gloriosa no clube carioca. O oriundi mineiro envergou a indumentária alvinegra por 269 jogos, tendo assinalado 9 gols. Ainda teve uma breve passagem pelo Canto do Rio, de Niterói, antes de encerrar a carreira. Faleceu em Petrópolis, no dia 21 de julho de 1990.

Imagem em tamanho natural de Heitor Canalli no Memorial do Botafogo FR. Foto: Rafael Costa

Referências bibliográficas:

GAUZ, V. O Livro Raro e Antigo como Patrimônio Bibliográfico: aportes históricos e interdisciplinares. Museologia &amp; Interdisciplinaridade, [S. l.], v. 4, n. 8, p. 71–87, 2015. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/museologia/article/view/16905. Acesso em: 15 fev. 2022. 

MINDLIN, José – Uma vida entre livros: reencontros com o tempo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997

MORAES, R. B. O bibliófilo aprendiz. 4. ed. Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2005. 

SATUÉ, Enric. Aldo Manuzio: editor, tipógrafo, livreiro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005.


Rafael Oliveira Costa

É jornalista graduado pelo CES-JF


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Isabel: la brasiliana e seus vinhos de garrafão

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Tassiana Frank | Isabel: la brasiliana e seus vinhos de garrafão

A uva Isabel, também conhecida como « la brasiliana », é uma uva de mesa de forte adaptabilidade em solo brasileiro. De origem americana, essa uva começou a ser cultivada pelos imigrantes no sul do país. Graças à sua resistência, a uva se tornou uma das mais conhecidas dentre os brasileiros por produzir um suco de excelência, assim como geléias e compotas. « La brasiliana », apesar de ser a variedade de uva mais cultivada no Brasil, é popular enquanto uva de mesa, mas encontra dificuldade em ser aceita no mercado de vinhos.

Existem inúmeras variedades de uva (vitis) no mundo. Vitis Viniferas é como chamamos as uvas provindas da região desde a Europa Central até o Irã. Como a uva Riesling e Sangiovese, por exemplo. Já as Vitis Labruscae Vitis Bourquina são uvas de origem americana e híbridos resultantes do cruzamento de outras vitis, como, por exemplo, a Niágara e « la brasiliana », a Isabel.

Centenária, primeiro espumante certificado orgânico no Brasil, 100% Isabel. Foto: Tassiana Frank.

Embora as Vitis Viniferas sejam as mais conhecidas e usadas para a produção de vinhos, nem todo vinho é produzido a partir de Vitis Viniferas; isso não é uma obrigatoriedade. Vinhos também podem ser produzidos a partir de Vitis Labrusca ou Bourquina.

   A Isabel, essa variedade americana, é um híbrido natural de Vitis Vinifera e Vitis Labrusca, e se adaptou muito bem às condições climáticas do sul do país. Além de ser muito usada para suco, compotas e geléias, a Isabel também adentra a produção de vinhos. Através de um resgate da tradição, amor e respeito por essa variedade, que traz em si um pedaço muito importante da história do vinho no nosso país, produtores de vinho natural (termo utilizado para designar os vinhos artesanais, feitos sem ou com pouquíssima intervenção no processo de vinificação) no Brasil estão dando destaque a essa uva que, por ser resistente aos ataques de pragas e fungos, é responsável por grande parte da produção de uvas orgânicas no Brasil. 

Essa tradição começou no sul do país: em busca de produzir vinho em solo brasileiro, os imigrantes europeus que se instalaram no sul do Brasil trouxeram consigo mudas de Vitis Viniferas (uvas européias), mas essas não se adaptaram ao terroir da região. O terroir, que é o termo francês utilizado para designar uma região natural e que considera seu entorno, suas condições climáticas e suas provisões agrícolas, é muito variável e influencia diretamente na produção agrícola. No caso das uvas, vemos que um mesmo tipo de uva proveniente de terroirs diferentes resultará em um vinho completamente diferente na estrutura, aparência e, portanto, no paladar. Por isso, a uva Isabel se destacou, por sua resistência e adaptabilidade ao terroir do sul do Brasil.

Embora essa uva seja de complexidade aromática e acidez pronunciada, ela produz vinhos leves, de corpo leve e tanino brando. Mas engana-se quem pensa que os vinhos feitos a partir de Vitis Labrusca (uvas de mesa) são de baixa qualidade; elas produzem vinhos leves e frutados, perfeitos para se consumir gelado e em dias quentes, que remete à tradição do vinho de garrafão, produzido artesanalmente.

  As Americanas, vinho de corte Isabel e Bordô, garrafa de 2 litros. Foto: Tassiana Frank.

Graças à vontade de manter a tradição e continuar produzindo e consumindo vinho, os imigrantes italianos investiram na Isabel, e hoje « la brasiliana »  representa 32% da viticultura brasileira e está presente em praticamente todas as vinícolas do país, seja na produção de suco ou vinhos de corte (também conhecidos como blend ou assemblage, os vinhos de corte são produzidos a partir de dois ou mais tipos de uva). Na vinificação natural, é usada na produção de vinhos chamados ‘descomplicados’, e atualmente vem se investindo muito na vinificação da Isabel e produzindo vinhos de grande complexidade a partir dessa uva.


Tassiana Frank

É pesquisadora pós-graduanda em Artes e Linguagens, tradutora de língua francesa e escritora. Divide sua paixão pela linguagem com o mundo dos vinhos e teve a oportunidade de  aprender, trabalhar e desenvolver seus conhecimentos no berço do savoir-faire, a França.


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A infância, a amizade, o encontro e o amor: a obra de Vinícius de Moraes na Itália

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Tiago Fernandes Franco Lima | A infância, a amizade, o encontro e o amor: a obra de Vinícius de Moraes na Itália

Da vida e da obra de Vinicius de Moraes, a parte menos comentada, documentada e estudada é sua passagem pela Itália após ser retirado de seu cargo de diplomata durante a ditadura cívico-militar brasileira. Nessa época, houve muitos acontecimentos importantes na vida do poeta. Enquanto ficava na casa de Chico Buarque, conheceu Toquinho, seu amigo por toda a vida. Durante o tempo que passou na Itália, o poeta participou de quatro projetos musicais com grandes cantores e intérpretes da música italiana e brasileira. Esses projetos são: La vita, amico, è l’arte dell’incontro (1969), produzido a partir do encontro entre as belas vozes de Vinicius e Sergio Endrigo, com muitas poesias de nosso poeta brasileiro declamadas por Giuseppe Ungaretti; L’arca (1972), uma coletânea de poesias infantis do livro A Arca de Noé (1970) musicadas em italiano (o disco em português foi lançado em 1980, com o mesmo nome do livro); Per vivere un grande amore (1974), outro projeto de Vinicius e Toquinho com Ungaretti; e La voglia la pazzia l’incoscienza l’allegria (1976), álbum feito com Ornella Vanoni e Toquinho, que recebeu a 76º posição entre os 100 discos italianos mais belos de todos os tempos, segundo a revista Rolling Stone1

Nessas obras se pode encontrar diversos temas que são muito caros à obra poética e musical de Vinicius, como aqueles mencionados no título deste ensaio: a infância, a amizade, o encontro e o amor. Aqui faremos juntos uma pequena viagem através de cada uma dessas temáticas nas obras citadas, de modo a observar, com base em alguns trechos, o escopo dessa parte da obra do autor.

Vinicius e a poesia para crianças

A poesia e a música infantis transcorrem grande parte da produção de Vinicius de Moraes. Já em seu primeiro álbum produzido em italiano, La vita, amico, è l’arte dell’incontro, encontramos este aspecto, sobretudo na canção La casa.

Era una casa molto carina
Senza soffitto senza cucina
Non si poteva entrarci dentro
Perché non c’era il pavimento
Non si poteva andare a letto
Perché in quella casa non c’era il tetto
Non si poteva fare la pipì
Perché non c’era vasino lì

Ma era bella, bella davvero
In via dei matti numero zero
Ma era bella, bella davvero
In via dei matti numero zero
(Moraes, 1969)

Com um coro de crianças, versos repetidos durante a música e imagens inocentes remontam à curiosidade e à ignorância infantis. Com bom humor, a canção nos transmite a imagem de uma casa ao mesmo tempo impossível e intrigante. Quando foi lançada em português, no álbum A Arca de Noé, essa poesia musicada acabou transcendendo o próprio Vinicius de Moraes e se tornou quase parte do folclore musical brasileiro, junto a tantas outras canções sem clara autoria, cantadas e disseminadas por crianças através das gerações.

Dois anos depois da publicação de seu livro de poesia infantil A Arca de Noé, diversos intérpretes se juntaram a Vinicius de Moraes na Itália para musicá-los e lançá-los no álbum L’arca, com doze faixas, a maior parte delas ligadas a animais (Le api, Il gatto, La foca, entre outras). Todas as faixas remontam ao universo infantil e à inocência, à simplicidade e à diversão inerentes a ele.

Capa do álbum L’arca (1972) – Fonte: Spotify. Disponível em: https://spoti.fi/3GqFvph. Acesso em: 10 jan. 2022.

“Dopo ‘la casa’ … l’arca”: a frase na escrita na parte de cima da capa do álbum nos mostra que Vinicius iniciou com La casa um projeto para musicar as suas poesias infantis em italiano. Esse álbum se propõe a reforçar tal projeto, com um disco divertido, cheio de tons e melodias alegres, interligando o ritmo do samba a uma narrativa festiva dos animais após ficarem na arca de Noé para sobreviver ao dilúvio. Ao saírem da arca, na primeira canção, podem ver um belo arco-íris. As pessoas e os animais tentam sair todos ao mesmo tempo, causando um pouco de caos. No entanto, assim que a arca é esvaziada, Noé fica feliz por encontrar paz na Terra depois de tantas dificuldades. As canções que se seguem apresentam rimas e temas fáceis de entender, sendo compreensíveis e fascinantes tanto para as crianças quanto para os adultos que as escutam. O gato pula o muro, o papagaio canta e fala e o relógio faz tic tac. Os temas das músicas são aparentemente simples, mas sua entrega alegre e entusiasmada faz com que nos apaixonemos, cantemos, dancemos e brinquemos com essas canções, querendo voltar aos tempos da infância e ver o mundo através da simplicidade.

É claro, Vinicius não abandona aqui as temáticas políticas de suas músicas. Por exemplo, na faixa Il pappagallo (O papagaio), é clara a analogia feita entre esse animal, que dá nome à música, e Brasil e  sua ditadura militar. O papagaio é “tutto verde l’occhio giallo” (todo verde e de olho amarelo), como a bandeira do Brasil, e sua solidão, que faz com que cante “come un gallo”, se refere ao exílio e à censura sofrida por Vinicius de Moraes e tantos outros artistas e autores da época.

A amizade e o encontro com o outro

            Ao fim de Samba delle Benedizioni (em português, Samba das Bençãos) — a primeira faixa do álbum La vita, amico, è l’arte dell’incontro, lançada três anos antes em francês como parte da trilha sonora do filme Un homme et une femme (1966), de Claude Lelouch, interpretada por Pierre Barouh —, Vinicius dá a benção a todas as pessoas do samba, tanto do Brasil como da Itália. Nomes como Tom Jobim, Chico Buarque, Sergio Endrigo (que realiza esse projeto com ele) e outros surgem. Esse trecho da canção, que logo após retoma sua melodia, traz um ar intimista para a música, fazendo-nos sentir como se estivéssemos entre amigos em um estúdio. Essa amizade, esse abrir-se para o outro, a arte do encontro que é a vida, segundo o próprio título do projeto, é realmente o tema do álbum.         

Encontrar-se com o outro, com outras realidades, pensamentos, maneiras de ser, é uma das melhores formas de crescimento do ser humano (se não a melhor). Se duas ou mais pessoas se abrem a esse encontro, não importando se acabaram de se conhecer ou se já têm uma amizade de anos, se permitem modificar, ao invés de apenas passar esses momentos juntos sem mudar nada. Encontrar, nesse sentido, é mostrar ao outro sua realidade e deixar com que o outro a faça dele, tornando-se imerso nessa alteridade e crescendo também com o processo. No entanto, isso não acontece sem discussões e críticas. Nas próprias palavras do cantor: “La vita, amico mio, è l’arte dell’incontro malgrado ci siano tanti disaccordi nella vita” (em português “A vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”). Dessa forma, podemos identificar ainda outra temática central para a obra de Vinicius de Moraes, uma certa dualidade das coisas. A alegria deve vir acompanhada da tristeza, o encontro do desencontro e a solidão com estar junto.

O que é o meu Amor?

Em uma das faixas de La vita, amico, è l’arte dell’incontro, Giuseppe Ungaretti recita, em italiano, um fragmento de um poema de Vinicius, no qual encontra-se o verso que nomeia esta seção. O trecho nos permite discutir o tema do amor na obra de Vinicius de Moraes e, mais especificamente, nesses projetos que compõem sua produção durante a vida na Itália:

Che cos’è il mio amore? Se non il mio desiderio illuminato
il mio infinito desiderio d’essere ciò che sono oltre me stesso
Il mio eterno partire nella mia enorme volontà di restare
Pellegrino, pellegrino di un istante pellegrino di tutti gli istanti?
(Fragmento de “La vita vissuta – A vida vivida”, poesia di Vinicius de Moraes traduzida por Giuseppe Ungaretti)

Durante toda a obra de Vinicius é possível encontrar múltiplas possibilidades de amor, do fraternal ao divino e ao romântico. Nesse álbum, mais do que um romântico, destinado a uma mulher, podemos ver um amor ligado, sobretudo, ao estar vivo. Aqui se pode identificar um amor por ser quem você é, sem ser julgado, por poder se expressar de maneira livre e difundir a sua visão de mundo, tocando as visões de mundo dos amigos que participam dos encontros e deixam-se ser tocados nos sentimentos, sempre mudando. Esse amor se liga à vontade de permanecer alegre, inocente e vivendo cada dia para maravilhar-se pela alegria de viver.


Referências bibliográficas:

EFEMÉRIDES DO ÉFEMELLO. A Arca de Vinicius. 12 out. 2013. Blog do WordPress. Disponível em: https://bit.ly/3JyZDrM. Acesso em: 30 ago. 2022.

VM CULTURAL. Vinicius de Moraes. Discos. Disponível em: https://bit.ly/3vCs6Hq. Acesso em: 28 ago. 2022.

VM CULTURAL. Vinicius de Moraes. Livros de poesia. A Arca de Noé.Disponível em: https://bit.ly/3zYEO5y. Acesso em: 28 ago. 2022.

ULTIMA VOCE. 17 ago. 2020. “La vita è l’arte dell’incontro”: ma cosa vuol dire davvero incontrare l’altro? Disponível em: https://bit.ly/3zXmrhr. Acesso em: 30 ago. 2022.


Tiago Fernandes Franco Lima

É secretário escolar, graduado no curso de Licenciatura em Letras Português/Italiano pela Universidade Federal de Juiz de Fora, tendo participado de diversos projetos ligados à língua e cultura italianas durante o curso de graduação, entre eles o Projeto de Universalização da Língua Estrangeira e o Projeto de Iniciação Científica “‘La vita, amico, è l’arte dell’incontro’ – Vinicius de Moraes na Itália”. Acredita que a educação, as linguagens e a literatura são espaços de resistência e mudança que devem ser cada vez mais ocupados e apropriados pelas populações marginalizadas.


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“Fortunate Son”, um emblema antiguerra: a utilização de canções como ferramenta no ensino de História

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Dayana de Oliveira | “Fortunate Son”, um emblema antiguerra: a utilização de canções como ferramenta no ensino de História

“A música é uma das formas importantes de expressão humana.”
(BRASIL, 1998, p. 45)

Vivemos em um universo repleto de estímulos sonoros, haja vista que é bastante comum as pessoas saírem para trabalhar, estudar, praticar atividades físicas sob os embalos de sua playlist favorita em seus smartfones, ou mesmo por meio das rádios regionais. O que explica tal fenômeno? Seja como for, por trás dessa prática tão prazerosa e costumeira, é possível declarar que as canções são capazes de nos teletransportar para outros mundos, seja de modo positivo ou não. Elas trazem sensações de euforia, de saudade, de tristeza etc.

As canções ainda possuem outro grande potencial: representam um importante instrumento facilitador no processo de aprendizagem (ANDRADE, 2012, p. 11). De acordo com Teca Alencar Brito (2004), “num trabalho pedagógico entende-se a música como um processo contínuo de construção que envolve perceber, sentir, experimentar, imitar, criar e refletir”. Vanilda Silva e Cícera Lopes (2020) acrescentam ainda que “ao ouvir uma música somos capazes de assimilar uma mensagem sobre o que ela nos emite”. Nesses termos, tomemos como exemplo os períodos que envolvem as guerras na história. Eu mesma, no período em que estava cursando a graduação em História, ansiava por eles, o que, diga-se de passagem, foi um tremendo balde de água fria na época.

Deixando de lado a minha experiência nesse momento, tendo ciência, a partir de relatos dos colegas docentes, que esse é um período muito esperado pelos alunos, ao escolhermos trabalhar com a música em sala de aula, sobretudo direcionando nossa atenção para os períodos traumáticos e obscuros, como as guerras e ditaduras, dispomos de uma infinidade de canções que nos dão suporte. Por exemplo, a música “Cálice”, composta originalmente em 1973 e lançada em 1978 pelos músicos Gilberto Gil e Chico Buarque, é repleta de metáforas que faziam analogia à ditadura militar e denunciavam as atrocidades embutidas por trás desse regime. 

Saindo do universo brasileiro e partindo em direção aos acontecimentos ocorridos no exterior, durante a década de 1970, o mundo testemunhava os horrores provocados pela guerra do Vietnã. Esse conflito teve início em fins de 1959 e perdurou até o ano de 1975, envolvendo o Vietnã do Sul e o Vietnã do Norte, este último apoiado pela extinta União Soviética.

 Os anos de 1965 foram extremamente importantes, pois mudariam os rumos dessa guerra. Nesse período, assistimos a inclusão de uma grande potência no conflito, quando as tropas norte-americanas entraram na contenda, lutando ao lado do Vietnã do Sul. A explicação dos Estados Unidos para o seu envolvimento nessa guerra tinha bases políticas sólidas, cujo objetivo era a contenção da ameaça do “monstro” comunista em um período conhecido como Guerra Fria.

Além da conturbada participação na Guerra do Vietnã, em finais da década de 1960, precisamente em 1969, os Estados Unidos estavam vivendo o período mais turbulento do combate. Nessa época, foi observado um aumento significativo na escalada da violência no país, a partir do momento em que o até então presidente norte-americano Richard Nixon autorizou mais bombardeios no Vietnã.

 Durando mais tempo do que o previsto inicialmente, sem mencionar o saldo negativo de soldados feridos e mortos, houve a necessidade crescente de recrutamento de mais jovens para lutarem em uma guerra sobre a qual nem mesmo eles sabiam o real motivo.

Deslocamento de tropas americanas e o papel dos helicópteros no Vietnã.

Dentro desse contexto, diversas canções aparecem para protestar contra a guerra do Vietnã. Fortunate Son, de Creedence Clearwater Revival, presente no álbum Willy and the poor boys, é um exemplo, apesar de alguns estudiosos afirmarem que elanão tenhasido produzida especificamente como protesto contra o conflito no sudeste asiático.

Creedence é uma banda de rock originária da Califórnia, que teve seus primeiros trabalhos realizados ainda na década de 1950, período popularmente conhecido pela formação de bandas de rock rebeldes.  O grupo é composto por John Fogerty (guitarra e vocais principais), Tom Fogerty (guitarra), Stu Cook (baixo) e Doug Clifford (bateria).

 A década de 1960 assistiria também ao surgimento dos Hippies —movimento composto, sobretudo, por jovens insurgentes que buscavam oferecer uma visão de mundo oposta aos ditames da sociedade capitalista da época, além do surgimento de ativistas norte-americanos que lutavam contra o racismo, tendo à frente dessa luta indivíduos como Angela Davis, que se filiou ao partido Panteras Negras (Black Panthers) e, posteriormente, se tornaria filósofa e uma das mais célebres vozes contra o racismo.  

Fortunate Son é uma música conhecida e apreciada mundialmente. É um verdadeiro clássico, diga-se de passagem, que traz, em seu escopo, palavras que despertam nossa imaginação e, quiçá, nossa indignação, bem como se encaixam perfeitamente nos propósitos educacionais. Mas, afinal, qual é a mensagem que essa canção traz? Como ela pode ser trabalhada em sala de aula no ensino de História?

Ao analisarmos a letra da música, logo no início percebemos como o compositor, em um tom bastante sutil, demonstra sua oposição ao modo como os cidadãos estavam sendo usados pelo Estado.

Alguns nasceram para agitar a bandeira
Elas são vermelhas, brancas e azuis
E quando a banda toca “Saudação ao chefe”
Eles apontam os canhões para você, Senhor

Não sou eu, não sou eu não sou filho do senador, não
Não sou eu, não sou eu
Não sou nenhum felizardo, não

Alguns nasceram com colher de prata na mão
Senhor, eles não se ajudam, oh.
Mas quando o coletor de impostos chega na porta
Senhor, a casa parece como um bazar de caridade, sim.

Não sou eu, não sou eu não sou filho de milionário, não

Não sou eu, não sou eu não sou nenhum felizardo, não
Alguns herdam estrelas reluzentes
Ooh,
Eles mandam você para a guerra, Senhor

E quando você pergunta a eles: Quanto devemos dar?
Eles apenas respondem: Mais! Mais! Mais!

Não sou eu, não sou eu não sou filho do senador, não
Não sou eu, não sou eu
Não sou nenhum filho de felizardo, não

Não sou eu, não sou eu
Não sou nenhum filho de felizardo,
Não, não, não
Não sou eu, não sou eu
Não sou nenhum filho de felizardo, não, não, não.

Em seguida, de forma inteligente e singela, a posição muda e o refrão, portanto, se torna autoexplicativo. Dando sequência à análise, o compositor John Fogerty chega à conclusão de que os filhos dos cidadãos pobres e de classe média estavam sendo sistematicamente recrutados e enviados para as guerras. Por outro lado, os filhos de pessoas abastadas e com contatos no governo eram poupados do conflito. Um exemplo palpável disso diz respeito a David Eisenhower, neto do presidente Dwighr Eisenhower que se casou com Julie Nixon; ele podia escolher se queria ou não participar do embate.

 Em suas memórias, publicadas em formato de livro no ano de 2015, Fogerty explica o seguinte: “Julie Nixon estava namorando David Eisenhower. Você ouviria sobre o filho deste senador ou aquele congressista que recebeu um adiamento das forças armadas ou uma posição de escolha nas forças armadas. Eles pareciam privilegiados e, querendo ou não, essas pessoas eram simbólicas no sentido de que não estavam sendo tocadas pelo que seus pais estavam fazendo. Eles não estavam sendo afetados como o resto de nós”.

O compositor começou a refletir sobre essa situação e chegou à conclusão de que as pessoas tinham consciência do que estava acontecendo, mas ninguém fazia nada para mudar a situação. Portanto, em termos gerais, “Fortunate son” pode ser interpretada como uma denúncia contra as injustiças provocadas por pessoas que não se submetiam a elas; trata-se de uma crítica aos envio de “soldados que não viam propósito no que lhes mandavam fazer, e o repúdio aos valores tão intimamente ligados ao nacionalismo americano” (GERSTLE, 2008, p. 46)

Chegamos, assim, ao final deste texto. Perceberam quanto conhecimento encontramos embutido por trás de uma simples canção?  Vanilda Silva e Cícera Lopes (2020) acrescentam que “o uso de letras musicais no processo de ensino-aprendizagem favorece de forma positiva a compreensão de fatos e acontecimentos que se desencadeiam no seio de cada sociedade. Agora, gostaria de convidá-los a conhecer essa banda de rock incrível, cheia de histórias!       

Creedence Clearwater Revival

Referências bibliográficas:

ANDRADE, Annielly da Silva. A música como instrumento facilitador da aprendizagem na educação. Monografia (Graduação em Pedagogia) – Universidade Estadual da Paraíba. Paraíba, 2012.

BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para educação infantil. 3 v. Brasília: MEC/SEF, 1998.

BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil: proposta para a formação integral da criança. 2. ed. São Paulo: Petrópolis, 2003.

DIDION. Joan. O álbum Branco. Tradução Camila Von Holderfer. Duque de Caxias, Rio de Janeiro: Harper Collins. Brasil, 2021.

FARIA, Márcia Nunes. A música, fator importante na aprendizagem. Assis chateaubriand. Pr, 2001. 40f. Monografia (Especialização em Psicopedagogia). Centro Técnico-Educacional Superior do Oeste Paranaense – CTESOP/CAEDRHS.

FOGERTY, John. Fortunate son: my life, my music. Editora Little, Brown and Company, 2015.

GERSTLE, Gary. Na sombra do Vietnã: o nacionalismo liberal e o problema da guerra. Dossiê • Tempo, v. 13, n. 25, 2008.

SILVA, Vanilda dos Santos; LOPES, Cícera Alves Nunes. A Música como Instrumento Pedagógico no Processo de Ensino-Aprendizagem. Rev. Mult. Psic., , v.14, n. 52, p. 606- 620, out. 2020. ISSN: 1981-1179.

Dayana de Oliveira

Doutoranda em História, mestra (2019) em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Juiz de Fora (PPG-HIS/UFJF). bacharela (2017) e licenciada (2016) em História pela mesma universidade. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Membro do Laboratório de História Oral e Imagem (Labhoi/UFJF), sob a orientação da Prof.a Dr.a Hebe Mattos, e do GT Emancipações e Pós-Abolição em Minas Gerais — Anpuh/MG. Atualmente, seus interesses de pesquisa se concentram na dinâmica exercida pelo comércio interno de escravizados, no papel exercido pelos agentes do tráfico, nas rotas terrestres, assim como nos múltiplos aspectos referentes aos cativos traficados na parte sul da Zona da Mata mineira, especialmente em Juiz de Fora durante a segunda metade do século XIX.


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E agora José?

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Saulo Machado | E agora José?

No decorrer de dois anos de isolamento e restrições, vimos artistas desolados com o cenário da pandemia de Covid-19, em sua maioria sem uma grande plataforma para o desenvolvimento de seus trabalhos. Inúmeras companhias teatrais travaram a luta pela sobrevivência e muitas perderam seus espaços físicos. O cenário das redes sociais foi o figurino que coube aos artistas para ficar próximo de seu público, fazer dinheiro e saciar o espírito criativo que pulsa dentro de cada um. Os auxílios governamentais não satisfizeram o bolso nem a perda irreparável de dois anos sem a arte presente. Cara a cara. A verdadeira influenciadora de ideias, despertadora de criatividade, formação de opinião e crítica e provocadora. A reinvenção caminhando ao lado da tristeza foi o trajeto amargo a ser percorrido.

A tragédia grega surge quando Téspis de Ática, cidadão ateniense, em meio aos festivais em homenagem a Dionísio, deus do vinho, das festas e do teatro, pega uma máscara e começa a interpretar a divindade, destacando-se do coro. Ali está o ator na frente de seu público. A posse do caráter de Dionísio o torna o primeiro ator de teatro em 543 a.c. A festa, assim como aquela em que Téspis se encontrava, é um movimento de caráter popular que reúne saberes culturais, ritos e tradições. É união e celebração. E nós, brasileiros, sabemos mais do que ninguém o que é festejar. Seja no Maracatu, roda de samba, Sapucaí, baile funk, nas celebrações do santo padroeiro e até no bar da esquina, a reunião de corpos demonstra o quanto somos dependentes do coletivo, instintivamente, com ou sem motivo. O teatro nada mais é do que um agrupamento de pessoas (partindo do princípio de quanto mais público melhor), em prol e diante de outra(s). Ele se manifesta na energia e na interação do que acontece agora. É a arte do encontro.

Durante a pandemia, o mundo mergulhou nas redes sociais. Os cômodos das casas foram palco de inúmeras sessões audiovisuais, muitas definidas como teatro online. Nome até curioso, já que os artistas de teatro foram forçados a seguir esse caminho. a palavra teatro soa como: “nós estamos aqui! Nós não desistimos! Essa é uma solução provisória”. Claro que fora desse contexto de crise sanitária a definição não faz mais sentido. Gravados ou ao vivo, esse recurso explorou o ambiente de isolamento de cada um, modificados para caber na tela dos aparelhos eletrônicos. Os cursos também foram outra forma de espalhar o conhecimento entre aulas teóricas e práticas. Companhias teatrais, a exemplo do juiz-forano Centro de Estudos Teatrais – Grupo Divulgação, se reuniram por lives pelo aplicativo instagram, com aulas, encontros de membros e ex-membros, resgate da memória do grupo e saraus. Capitaneado por José Luiz Ribeiro, o projeto gerou mais de 200 transmissões durante o período de pandemia.

O teatro é um simples oráculo de respostas promissoras. Ele funciona como um espelho que reflete a verdadeira face da população. É a partir dele que mudamos de pensamento e criamos novas rotas rumo ao que naturalmente deve ser. Talvez livres, como Dionísio.

Depois de um longo período afastado dos palcos, perguntamos ao oráculo: e agora José? A festa recomeçou, a luz acendeu, e o povo? Sentiu falta do teatro? Como diria um velho conhecido: “Enquanto existir a angústia humana o teatro será, sempre, uma janela que se abre para a esperança!”.


Referências bibliográficas:

LIMA, Lucas de Melo Campos. Um estudo sobre a energia do ator. 2019. 42 f.

UFJF, 2021. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/noticias/2021/09/19/teatro-em-tempos-de-crise/> . Acesso em: 22 de maio de 2022.


Saulo Machado

É Bacharel em Artes e Design pela UFJF e ator. Ao longo de 17 anos contabiliza mais de 20 peças montadas, em sua maioria com o Grupo Divulgação. Em 2017, ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Teatro de Ubá pelo musical Rua 15 , com o grupo Quem Sou Eu, e em 2019 recebeu o prêmio de melhor ator pelo espetáculo A Linha 2 no V Festival de Teatro Comunitário, em Mariana – MG, sob o comando do Hupokhondría. Trabalha no Forum da Cultura/UFJF desde 2018.


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La hija de una Cuba revolucionaria y abolicionista: Emília Casanova

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Talita Gomes | La hija de una Cuba revolucionaria y abolicionista: Emília Casanova

Emília Casanova (1832-1897) foi uma mulher do século XIX, com grande participação no processo de independência de Cuba. Para entendermos melhor sobre sua ampla atuação nesse contexto, é necessário, ainda que brevemente, apresentar algumas considerações sobre o processo de emancipação cubano.

Cuba foi, até fins do século XIX, colônia espanhola, e pode ser destacada como uma das últimas regiões americanas a conseguir a independência. No que diz respeito aos motivos que tornaram tardia sua emancipação, podemos destacar o fator econômico, pois a ilha era uma grande produtora de cana de açúcar, que utilizou mão de obra escravizada até o final do século XIX. Assim, a Espanha muito se beneficiou dessa possessão colonial, ainda mais se entendermos que a coroa espanhola já vinha sofrendo massivas perdas (de território e arrecadação) pelos processos de independência de seus domínios coloniais americanos, que se iniciaram nas primeiras décadas de 1800 e que, em grande medida, se consolidaram antes mesmo de 18501.

Nesse contexto, a ilha cubana se transformou na principal possessão colonial espanhola, chegando a ser denominada de “La Perla de Las Antillas” (A Pérola das Antilhas). O que se observa também é que a longevidade do sistema colonialista em Cuba se deve à montagem de um sistema fortemente militarizado, que corroborou para sua manutenção e garantiu, por muito tempo, a subordinação cubana em relação à Espanha. 

Pode-se evidenciar que a luta pela emancipação da ilha teve participação heterogênea, com anuência de parte da elite cubana (grandes latifundiários principalmente), mas também foi marcada pelo apoio de outros setores da sociedade insular, como intelectuais, comerciantes e várias camadas populares, inclusive pessoas escravizadas e libertas2.

Relevante mencionar que havia dentro de Cuba, por parte de alguns grupos, a vontade de anexar a ilha ao território dos Estados Unidos da América (EUA), o que era algo recíproco, por parte das lideranças estadunidenses e de muitos setores da sociedade norte-americana. Embora esse movimento tenha marcado presença, não foi aderido pelas lutas separatistas cubanas3.

Relativo ao processo de independência cubano, ressalta-se que a maturação do movimento de independência ganhou força na segunda metade do século XIX. Assim, o primeiro grande conflito pró-independência cubana foi a Guerra dos Dez Anos (1868-1878), onde o tema abolicionista esteve fortemente em debate. Nesse conflito, destaca-se o protagonismo de Carlos Manuel de Céspedes (1819-1874), grande proprietário latifundiário, que mobilizou a luta armada contra os espanhóis4.

O segundo grande movimento foi a guerra que efetivamente levou Cuba à sua independência, que ocorreu entre os anos de 1895 a 1898. Esse conflito iniciou-se através da articulação de cubanos que moravam fora da ilha, muitas vezes por motivo de exílio. Assim, em 1892, foi fundado o Partido Revolucionário Cubano (PRC) e, a partir do núcleo dessa organização, constituíram um exército armado, treinado fora da ilha, que desembarcou em Cuba em 1895, dando início à luta contra o exército espanhol5.

Dentre os dirigentes desse exército cubano destacam-se Antonio Maceo (1845-1896), general negro, e Máximo Gomes (1836-1905), que são considerados pela história de Cuba como grandes heróis da pátria. Ambos já haviam combatido na Guerra dos Dez Anos (1868-1878). Além deles, destaca-se o intelectual Jose Martin (1853-1895), morto em combate 2 meses após desembarcar em Cuba, no ano de 1895, e que logo ficou conhecido como o Apóstolo da Pátria Cubana6.

         Após intensa luta entre cubanos e espanhóis, ocorreu uma interferência externa, no ano de 1898, onde tropas norte-americanas adentraram a ilha e auxiliaram na finalização do conflito, combatendo o exército da Espanha. A justificativa dessa intervenção foi o afundamento de um navio estadunidense, chamado Maine, no porto de Havana, após uma explosão misteriosa. Essa ação foi atribuída aos espanhóis, pelo governo dos EUA, algo que não foi comprovado e que algumas abordagens históricas sugerem ter sido um infortúnio7.

A intromissão dos EUA no conflito em questão é motivo de grande debate historiográfico. Em algumas abordagens, é considerado que a ação das tropas norte-americanas foi fundamental para a emancipação de Cuba e que, sem essa intercessão, a ilha continuaria sob possessão espanhola. Porém, em outras análises historiográficas, às quais me alinho, destaca-se a voluptuosa ação e persistência dos exércitos separatistas cubanos, que certamente teriam alcançado êxito sem interferência estrangeira8.

A ocupação militar externa de tropas norte-americanas na ilha foi mantida até 1902, com o objetivo de garantir o controle econômico e político dos EUA dentro do território cubano. Posteriormente, isso gerou novas reivindicações cubanas que culminaram em mais conflitos, e que desencadearam outras revoluções, contra esse intervencionismo. No entanto, isso é assunto para um outro momento.            

Aqui nos interessa, portanto, saber sobre a participação de Emília Casanova no processo de independência cubano. Emília nasceu em Cárdenas, província de Matanzas, na ilha de Cuba, em 18 de janeiro de 1832. Filha de abastados produtores rurais, ela recebeu uma educação rigorosa, porém rica em diversidade cultural, em sua própria casa, o que certamente lhe permitiu ser muito consciente do seu tempo histórico9.

Seus pais tinham posses residenciais, de cultivo e comerciais, tanto em Cuba quanto nos EUA. Por isso, a circulação de toda a família entre esses dois territórios era constante. O pai de Emília, Inocencio Casanova (1804-1890), foi um grande ativista político que lutou pela liberdade cubana dos laços coloniais. E mesmo transitando pelos altos círculos sociais da sociedade estadunidense, ele nunca se rendeu às variadas propostas de anexação da ilha10.

Dessa forma, podemos perceber que Emília foi, assim como seu pai, uma grande atuante na luta separatista cubana e construiu uma rede de relacionamentos que lhe permitiu lançar luz às lutas a favor da independência da ilha. Pode-se destacar, ainda, que Emília não lutava apenas pela liberdade das amarras coloniais; ela era, também, uma ferrenha combativa da escravização de pessoas11.

Emilia Casanova foi exilada nos Estados Unidos junto a toda sua família em 1852, após intensa perseguição do governo espanhol às ideias políticas propagadas, principalmente por seu pai. Ali, então, conheceu Cirilo Villaverde (1812-1894), renomado escritor cubano e ativista político, com quem se casou em 8 de julho de 1855. Juntos, foram morar em Nova York, e passaram a combater os vínculos de Cuba com a Espanha nos moldes coloniais, onde quer que se encontrassem12.

Em meados do século XIX, era vetado às mulheres o direito de filiação a partidos e clubes políticos. Em resposta a essa proibição, Emilia fundou a Liga de Las Hijas de Cuba, em 6 de fevereiro de 1869. Essa organização propagou as ideias separatistas, bem como arrecadou fundos para o exército libertador cubano e também para apoio aos insurretos que eram expulsos da ilha13.

Além disso, Emília foi a primeira mulher cubana a quem foi concedido o direito de se dirigir ao Congresso dos EUA para falar sobre a independência de Cuba14. Nesse quesito, é importante destacar o alcance de sua voz, e ainda, sua coragem. Em um de seus discursos no congresso norte-americano, ela chegou, inclusive, a desafiar e culpar de condescendência com os espanhóis o país que a acolheu em seu exílio político. Ela também defendeu fortemente, nesse espaço, sua posição contra a escravização de pessoas15.

Com o propósito de aumentar a visibilidade internacional da luta cubana, Emília passou, então, a escrever um impresso periódico denominado “América Latina”, editado em Nova York. Esse jornal, que circulou de 1869 a 1876, começou a ser enviado, por sua autora e idealizadora, para os demais países americanos, no intuito de fazer circular discussões em torno das lutas que ocorriam em Cuba e, ainda, conseguir adeptos e simpatizantes que a apoiassem16.

Não obstante, Emília também escrevia cartas a diversas personalidades por todo o mundo, contando sobre o movimento de independência cubana e a luta pela abolição da escravidão, entre outros temas de relevância política de sua época. Entre os expoentes notáveis, a quem Emília endereçava suas correspondências, estavam Giuseppe Garibaldi (1807-1882) e Victor Hugo (1802-1885), além de muitas personalidades e políticos hispano-americanos que também lutavam em prol de causas libertárias17.

São muitas as cartas e impressos de Emília que comprovam seu empenho e sua persistência com a causa separatista e o movimento abolicionista cubano. Nessas fontes históricas, fica evidente o quanto era estreito o seu relacionamento com a cúpula organizadora da independência da ilha, da qual ela fazia parte. Além disso, nota-se, na análise minuciosa dessas fontes, o quanto ela é perspicaz e contestadora, não mostrando nenhum receio de questionar as máximas autoridades do movimento separatista cubano, quando entendia que era necessário fazê-lo.

Emília e suas ideias alcançaram grande visibilidade na sociedade em que viveu, fosse do lado espanhol, fosse do lado cubano. Muitos impressos do período passaram a retratar Emília como uma personalidade de destaque na luta separatista de Cuba.

Tal relevancia alcanzó Emilia que aparecía en las caricaturas españolas con más frecuencia que cualquier otro exiliado […]. Lo que nunca pudieron poner en duda fue la fidelidad de ella a la causa independentista. (RISCO, 2019, p. 1)

Os jornais espanhóis da época a caracterizavam assim:

Fonte: Risco (2019)

Após tentar evidenciar, ao longo desse texto, o grande combate da vida de Emília, é necessário discorrer sobre sua morte. Emília partiu desse mundo em 4 de março de 1897, em Nova York, sem jamais desistir de lutar pela libertação de Cuba e pela abolição da escravatura. Nesse contexto, é válido o que González (2011) nos revela sobre Emília, “Mostró siempre una ardiente filantropía con sus paisanos desvalidos.” (GONZÁLEZ, 2011, p. 59), o que mostra que sua luta, numa causa maior, era pela vida!

Fica por fim, registrado, a admiração pelos atos feitos de Emília Casanova e que permitiram, aliados a muitas outras conjunturas, que Cuba pudesse se tornar uma nação independente. Ainda que o imperialismo ianque tenha querido roubar a cena, a independência cubana, a meu ver, e assim também o diz Henry Louis Gates JR (2014) e outras fontes estudadas, foi um feito dos cubanos e merece ser celebrada e destacada, em toda sua complexidade e heterogeneidade.

[1] ALVAREZ, 2016.

[2] JR, 2014.

[3] CAPELATO, 2003.

[4] JR, 2014.

[5] ALVAREZ, 2016.

[6] Os postulados de Jose Martin foram recuperados por diversas correntes políticas latino-americanas, ao longo do século XX, algumas chegando, inclusive, a reivindicar o título de Martinianos (as), como é o caso do revolucionário cubano Fidel Castro (1926-2016) (LUZ, 2018).

[7] ALVAREZ, 2016.

[8] JR, 2014.

[9]RISCO, 2019.

[10] BEERMAN, 1998.

[11] GONZALEZ, 2011.

[12] SONEIRA, 2020.

[13] ZAYAS, 2021.

[14] GONZALEZ, 2011.

[15] VILLAVERDE, 1874.

[16] VILLAVERDE, 1874.

[17] GONZALEZ, 2011.


Referências bibliográficas:

ÁLVAREZ, Benedicto Cuervo. Cuba: su difícil camino hacia la independencia (1845-1898). In: La Razón Histórica, nº34, 2016, p. 73-110.

BEERMAN, Eric Un canario en Cuba y Nueva York (1804-1890. En: VV.AA: XII Coloquios de Historia canario-americana. Tomo II. Las Palmas: Ediciones del cabildo de Gran Canaria.1998. Pp. 361-375.

CAPELATO, M.H. The 1898’s symbol date: the Cuban Independence impact in Spain and Spanish America. História. São Paulo, v. 22, n. 2, pp. 35-58, 2003

GONZÁLEZ, Manuel Hernández. Emilia Casanova, Heroína de la Independencia de Cuba. (p. 48-62) In: Dossiers Feministes 15. Mujeres en la historia: Heroínas, damas y escritoras (siglos XVI-XIX). Universidad de La Laguna, 2011.

JR., Henry Louis Gates. Cuba. A próxima revolução cubana. In: Os negros na América Latina. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

LUZ, Evelyn Faria da Silva. José Martí e a luta contra o neo-colonialismo capitalista: Aspectos históricos e contribuições políticas. Rebela: Revista Brasileira de Estudos Latino Americanos. V. 8. 2018. Disponível em: >file:///C:/Users/Talita/Downloads/3978-Texto%20do%20artigo-13407-1-10-20200228.pdf<. Acesso em 20/10/2022.

RISCO, Henrique Del. Emilia Casanova, la reina del Hudson. 13 de agosto de 2019, Site Nuestra Voz. Disponível em: >https://nuestra-voz.org/emilia-casanova-la-reina-del-hudson/&lt;. Acesso em: 20/07/2022

SONEIRA. Teresa Fernández. Emilia y Cirilo: Todo por la libertad. Convivencia Pinar del Rio, Cuba. 2020. Disponível em: >https://www.academia.edu/43387891/EMILIA_Y_CIRILO_TODO_POR_LA_LIBERTAD&lt;. Acesso em 01/08/2022.

VILLAVERDE, Cirillo. Apuntes Biográficos de Emilia Casanova De Villaverde, Escritos Por Un Contemporáneo. Nova York, 1874. Disponível em: >https://ia800303.us.archive.org/27/items/apuntesbiogrfico00casa/apuntesbiogrfico00casa.pdf&lt;. Acesso em 15/07/2022.

ZAYAS, Caridad. Emilia Casanova, una vida al servicio de la libertad de Cuba. Revista Nosotras, Havana, 2021. Disponível em: >https://arquidiocesisdelahabana.org/contens/publica/nosotras/nos%202-2021/pages/10.html Caridad Zayas autora. Texto:  Emilia Casanova, una vida al servicio de la libertad de Cuba.<. Acesso em 02/08/2022.


Talita Gomes

Estudante de História na UFJF, formada em Turismo, com especialização em Organização de Eventos.


TOPO

Experiência fotográfica em terras estrangeiras

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 30, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Patrícia de Oliveira | Experiência fotográfica em terras estrangeiras

De acordo com o dicionário Michaelis, estrangeiro significa: “proveniente ou característico de outra nação; pessoa que não é natural do país onde se encontra ou vive, e de cuja cidadania não goza”. Já imigrante significa: “aquele que imigra; que ou aquele que vem estabelecer-se em um país estrangeiro”.

A presença de uma população estrangeira em um país pode elevar sua dimensão multicultural. Entretanto, questões como acolhimento, integração e igualdade de oportunidades ainda são desafios a se superar.

Ao longo de três anos vivi a experiência de ser uma estudante estrangeira na Itália. Considero importante destacar que minha estadia foi por motivo de estudo, pois aprendi com minha vivência que as relações dos nativos com os estrangeiros podem mudar, sendo de maior resistência ou abertura dependendo do motivo que o leva ao país estrangeiro e também de acordo com seu país de origem.

Como arquiteta e urbanista, poder estar na Itália, país tão estudado por sua imensurável importância arquitetônica e artística, foi um divisor de águas. Meu interesse pela fotografia se intensificou e pude aprofundar os estudos na área, tanto em sala de aula, com matérias teóricas e práticas, quanto no cotidiano das ruas cheias de vida e cultura efervescente.

Firenze, agosto de 2015. Fotografia digital da autora, em seu contato inicial com a cidade.

Quando se é estrangeiro em um lugar, dois sentimentos começam a coabitar dentro da gente. Um é o maravilhoso encantamento pela descoberta do novo, afinal, quando se tem a possibilidade de imergir numa cultura nova, hábitos cotidianos e simples percursos podem ser surpreendentes e fascinantes. O outro é um vazio em certos momentos causado pela falta do sentimento de pertencimento, de se sentir parte do lugar, de um grupo de pessoas, seja de familiares ou amigos. Em ambos os casos, a fotografia se tornou meu método de experienciar o lugar através de longas e lentas caminhadas, com olhar atento ao entorno e aos detalhes.

“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca” (BONDÍA, 2002, p.21),  e virá contada de acordo com o olhar e percepção individual, que no meu caso, tende a mirar na arquitetura, na dinâmica das cidades, na relação entre as pessoas e o espaço, num espaço cenográfico construído a partir da luz e da sombra.

Firenze, 2019. Fotografia analógica da autora.

Italo Calvino, em A aventura de um fotógrafo, nos descreve a relação dos fotógrafos quando em posse de suas fotografias reveladas:

(…) somente quando põem os olhos nas fotos parecem tomar posse tangível do dia passado, somente então aquele riacho alpino, aquele jeito do menino com o baldinho, aquele reflexo de sol nas pernas da mulher adquirem a irrevogabilidade daquilo que já ocorreu e não pode mais ser posto em dúvida. O resto pode se afogar na sombra incerta da lembrança (CALVINO, 1992, p. 51).

Essa prática fotográfica, feita de forma livre, independente dos meios técnicos e de conhecimentos prévios, que busca investigar a vida cotidiana e captar a atmosfera do lugar, auxilia na criação de vínculos, memórias afetivas e familiaridade com o novo.

Luigi Ghirri, fotógrafo italiano pioneiro em valorizar a fotografia amadora, desenvolveu sua pesquisa principalmente em território italiano, retratando o cotidiano, as paisagens, a arquitetura autoral e anônima. Ghirri (1973):

Por isso me interessa sobretudo a paisagem urbana, a periferia, porque é a realidade que devo viver cotidianamente, que conheço melhor e, portanto, posso melhor repropor como “nova paisagem” para uma análise crítica contínua e sistemática. Por isso me agradam tanto as viagens pelo atlas, por isso me agradam ainda mais as mínimas viagens domingueiras, num raio de três quilômetros da minha casa.

Urbino, 2020. Fotografia digital da autora feita com celular.

Se aventurar em terras estrangeiras é estar aberto ao inesperado e pode ser um desafio constituído por altos e baixos.

No ano de 2020, com o início da pandemia, as fronteiras foram fechadas, assim como as próprias pessoas foram se fechando em seus núcleos familiares. Para os estrangeiros, a sensação de isolamento foi exponenciada. Em mais um exercício de readaptação segui fotografando em caminhadas solitárias e dessa vez o objeto se tornou a própria sensação do  vazio e a natureza que seguia seu fluxo independentemente da presença humana.


Referências Bibliográficas:

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, ANPEd, n. 19, p. 20-28, Abr. 2002.

CALVINO, Ítalo. A Aventura de um Fotógrafo. In: Os Amores Difíceis. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 51-64.

GHIRRI, Luigi. Il diaframma / Fotografia Italiana, n 188, dez. 1973, p. 28.


Patrícia de Oliveira

Arquiteta e Urbanista pela UFJF e pós graduada em Cenografia pela Academia de Belas Artes de Urbino (Itália).Iniciou a fotografar há cerca de 10 anos e desde então vem aprofundando seus estudos sobre a experiência fotográfica relacionada ao ato de caminhar pelas cidades, com foco na arquitetura, no espaço cenográfico construído a partir da luz e da sombra e na relação entre as pessoas e o espaço.


TOPO


Autores:
Luane Voigan
Elaine Piva
Rafael Oliveira Costa
Tassiana Frank
Tiago Fernandes Franco Lima
Talita Gomes
Patrícia de Oliveira

Arte da capa:
Tarsila Palmieiri

Revisoras:
Táscia Souza
Ana Lúcia Jensen

Ilustrações:
Laura Coury Bernardes

Projeto Gráfico:
Rafael Moreira Teixeira

Coordenação Geral:
Rafael Moreira Teixeira

Edição:
Paola Maria Frizero Schaeffer

Auxiliar:
Camisa Sá de Oliveira

Site:
Thaiana Fernandes Pinto Gomes

Mídias sociais:
Rafael Moreira Teixeira e Laura Coury Bernardes

Diagramação:
Thaiana Fernandes Pinto Gomes

Captação e edição de áudio e vídeo:
Vinícius Sartini da Silva

Apoio:
Rafael Bertante
Cristina Njaim
Patrícia Ferreira
Arlene Xavier
Louise Torga
Paulo José M de Barros
Ana Lewer
Imo Experiência Turística
Curso Cultura Italiana
Grupo Tarantolato
Lectio Soluções Linguísticas
PontoTrês

Realização:
Duplo Estúdio de Criação
Departamento de Cultura da Associação Casa de Itália

Periodicidade:
Mensal

ISSN:
2764-0841

http://www.casaditaliajf.com.br