Revista Casa D’Italia, Juiz de Fora, Ano 3, n. 28, 2022 – Camila de Sá Oliveira | O bordado como veículo para a percepção do patrimônio cultural
Surgido no período Paleolítico, o bordado é considerado uma das artes mais antigas do mundo e, ao longo do tempo, ganhou novos significados. Antes visto como artigo de luxo devido ao processo de tingimento das linhas utilizadas para confeccioná-lo, atualmente tem ganhado mais popularidade e é considerado um bem imaterial em algumas partes do mundo, como na Bósnia, no Brasil, na Palestina e em Portugal. Em nosso país, destacam-se Ouro Preto e Paraíba, por terem preservadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) as técnicas que valorizam o saber fazer deste ofício, que em comum possuem a influência dos imigrantes europeus em sua difusão, pautada principalmente pela história oral.
Ao decorrer das épocas, é possível compreender que o bordado tem o papel de marcar a cultura e os valores das nações através de suas metodologias próprias, o que reverencia o fazer manual. Por interferência da Escola Bauhaus, no início do século XX, no imaginário e na funcionalidade em torno do assunto, a arte passou a ser um amplo campo de experimentação, com o uso de novos materiais e métodos de criação, permitindo novas possibilidades ao artesanato. Consequentemente, o reflexo desse movimento se estendeu ao bordado, que, além de ser uma importante forma de expressão conectada à subjetividade individual de quem o produz, se destaca como um recurso versátil por favorecer inúmeras aplicações, seja em flâmulas, papéis, roupas ou acessórios.
Sempre feito à mão, ele pode ser criado a partir de uma ou mais referências, produzido de forma coletiva ou individual, se tornar um passatempo ou mesmo um meio educativo, estimulando a criatividade e atuando de outras maneiras positivas ao bem-estar. Para muitas pessoas, uma peça bordada remete ao ambiente familiar, evidenciando a valorização da memória através das gerações. Em outros casos, remete à construção dos processos de identidade e pertencimento ao lugar vivido, mostrando-se uma importante ferramenta capaz de contribuir para a educação ao patrimônio.
Em uma oficina artística, por exemplo, o bordado pode fazer com que uma cidade, paisagem ou monumento seja visto por outros ângulos e conhecido de outras maneiras por meio da escolha de bens simbólicos para os participantes sob o ponto de vista afetivo. Dessa forma, pensar na união de elementos característicos de um patrimônio durante o processo criativo faz com que sua história seja difundida e seus valores artísticos e estéticos sejam discutidos, tendo como pano de fundo a abordagem sobre a função dos principais instrumentos de preservação existentes em nosso território, como o tombamento para os bens materiais e o registro para os bens imateriais, principais formadores de nossa sociedade.
As duas peças representadas acima, com o Cine-Theatro Central e o Palacete Fellet em destaque, são apenas alguns exemplos de como o bordado pode ser aplicado e gerar olhares às texturas, aos pontos e cores utilizadas. É possível, ainda, acessar as informações contidas nele por meio de textos ou representações imagéticas, inspiradas em fotografias ou a partir da criação autoral de desenhos, estimulando o interesse e a curiosidade sobre seus modos de
fazer.
Em âmbito nacional ou internacional, o bordado também pode ser ponte para o incentivo a viagens e descobertas de novas culturas, a partir da reprodução de monumentos, tradições e costumes específicos, abrindo espaço para explorar as diversas formas do saber fazer ao redor do mundo.
Inserir o bordado em ações de educação para o patrimônio é permitir que se torne mais um meio de estudo em relação ao objeto escolhido, convidando os participantes a prestar mais atenção a seus elementos, o que permite criar novas conexões com o bem, a paisagem ou as culturas, além de conscientizar sobre a preservação do patrimônio cultural material e imaterial de forma simultânea, aumentando os vínculos afetivos através da sensibilização.
Referências bibliográficas:
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NUNES, Angélica & CERQUEIRA, Laerte. Lei torna bordado Labirinto patrimônio cultural imaterial da Paraíba. 2021. Jornal da Paraíba. Disponível em: https://jornaldaparaiba.com.br/politica/conversa-politica/2021/07/02/lei-torna-o-bordado-
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Redação com Lusa. Bordados da Glória do Ribatejo inscritos como Patrimônio Imaterial. Portal Mundo Lusíada. 2022. Disponível em:
https://www.mundolusiada.com.br/cultura/bordados-da-gloria-do-ribatejo-inscritos-como-patrimonio-
imaterial/#:~:text=Bordados%20da%20Gl%C3%B3ria%20do%20Ribatejo%20inscritos%20como%20Patrim%C3%B4nio%20Imaterial,-
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Camila de Sá Oliveira
Bacharela em Ciências Humanas e em Turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pós-graduanda dos cursos de especialização em Gestão Pública de Turismo e Desenvolvimento Regional (UFJF) e em Gestão e Conservação do Patrimônio Cultural (PUC Minas).