REVISTA CASA D’ITALIA – Ano 04, nº37, 2023

Ano 04, nº37, 2023 – Edição ‘Teias Sociais e Avanços Femininos na Itália e no Brasil’ – ISSN: 2764-0841

Editorial

É com grande entusiasmo que apresentamos a 37ª edição da revista Casa D’Italia, uma publicação dedicada à exploração e à celebração dos movimentos e trânsitos sociais das mulheres na Itália e no Brasil. Nesta edição, mergulhamos profundamente nos desdobramentos que moldaram as narrativas das mulheres, destacando suas realizações, desafios e a busca incessante por igualdade.

A Revista Casa D’Italia sempre se esforçou para capturar a essência das mudanças sociais e culturais que atravessam as fronteiras. Nesta edição, exploramos a influência das mulheres influenciadoras digitais na comunicação de produtos turísticos, observando como as plataformas digitais se tornaram megafones para as vozes femininas, promovendo destinos e experiências únicas, ao mesmo tempo em que quebram barreiras tradicionais.

Destacamos também a importância do Instituto Histórico Geográfico e a colaboração com outras associações e iniciativas. Por meio dessa colaboração, as mulheres têm forjado conexões avançadas, compartilhando histórias e recursos que fortalecem suas posições na sociedade. A troca de conhecimentos entre organizações tem sido uma ferramenta poderosa para a transmissão de conhecimento.

A temática da inclusão e da diversidade é abordada de forma contundente na discussão sobre a superação do capacitismo. Esta edição se empenha em iluminar a importância de criar uma sociedade que valorize e promova a inclusão de todas as pessoas, independentemente de suas habilidades ou limitações. A busca pela igualdade nunca pode ser completa sem a inclusão de todas as vozes.

Em um mundo em constante evolução, damos voz às conquistas e retrocessos dos casais homoafetivos ao redor do mundo. Comemoramos as vitórias que foram conquistadas e liberamos os desafios que ainda persistem. É uma jornada que reflete a luta contínua por liberdade, respeito e amor, independentemente da orientação sexual.

A história da luta pelo sufrágio feminino no Brasil nos traz a importância de relembrar o passado para moldar o futuro. Exploramos as batalhas quentes travadas por mulheres que lutaram pelo direito ao voto, lançando as bases para a participação feminina ativa na política e na sociedade.

Nesta edição, convidamos você a se envolver em conversas profundas e reflexivas. A jornada para a igualdade é longa, mas é através da divulgação de informações e ações concretas que podemos traçar um caminho para um futuro mais inclusivo e justo para todas as mulheres.

Agradecemos a todos os escritores, leitores e nossos apoiadores do Apoia.se, que tornaram esta edição da Revista Casa D’Italia possível. Juntos, continuamos a construir uma plataforma que amplifique as vozes das mulheres e inspire a mudança. Aproveitem a leitura e que as histórias compartilhadas aqui motivem a busca por um mundo mais igualitário.

Boa leitura!
Editorial: Paola Frizero.


Mulheres digital influencers na comunicação de produtos turísticos

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Paola Maria Frizero Schaeffer | Mulheres digital influencers na comunicação de produtos turísticos

Resumo: No século XXI, as novas tecnologias, como a internet e as redes sociais, contribuíram para a globalização e a transformação do consumo e comportamento. As redes sociais conectam pessoas de todo o mundo, formando comunidades de interesses compartilhados. Surgiram influenciadores digitais, como blogueiros, Instagramers e YouTubers, desempenhando um papel crucial na promoção e no marketing de produtos e destinos. Com a ascensão das redes sociais, as empresas adotaram estratégias de marketing de influência, e novas profissões online, como influenciadores digitais, emergiram. A influência dessas figuras é baseada na capacidade de mobilizar seguidores, formar opiniões e pautar comportamentos. Essa transformação trouxe uma nova forma de exportar produtos turísticos, impulsionada pelo conhecimento das tendências e pela conexão com o público. Parcerias entre entidades turísticas e influenciadores digitais têm sido fundamentais para o desenvolvimento de destinos, atraindo mais turistas. O Turismo de Portugal tem implementado estratégias de marketing digital para promover destinos, apoiando o poder de influência das pessoas como uma tendência crescente. A atuação de influenciadoras digitais no turismo é notável, já que mais de 60% dos seguidores de influenciadores de viagens são mulheres. Além de compartilhar experiências, elas desafiam estereótipos, promovem o turismo sustentável e têm impacto econômico nas indústrias locais. No futuro, as influenciadas digitais continuarão a moldar as tendências de viagem, inspirando uma nova geração de viajantes e definindo o cenário turístico contemporâneo.

Palavras-chave: Turismo, Influenciadores digitais, mulheres influenciadoras. 

Riepilogo: Nel 21° secolo, le nuove tecnologie, come Internet e i social network, si stanno sviluppando verso la globalizzazione e la trasformazione dei consumi e dei comportamenti. I social network collegano persone in tutto il mondo, formando comunità di interessi condivisi. Sono emersi influencer digitali come blogger, Instagramer e YouTuber, che svolgono un ruolo cruciale nella promozione e nel marketing di prodotti e destinazioni. Con l’avvento dei social media, le aziende hanno adottato strategie di influencer marketing e sono emerse nuove professioni online come gli influencer digitali. L’influenza di queste figure si basa sulla loro capacità di mobilitare seguaci, formare opinioni e guidare comportamenti. Questa trasformazione ha portato un nuovo modo di esportare i prodotti turistici, guidato dalla conoscenza delle tendenze e dalla connessione con il pubblico. Le partnership tra enti turistici e influencer digitali sono state fondamentali per lo sviluppo delle destinazioni, attirando più turisti. Turismo de Portugal ha implementato strategie di marketing digitale per promuovere le destinazioni, sostenendo l’influenza delle persone come tendenza in crescita. La performance degli influencer digitali nel turismo è notevole, poiché oltre il 60% dei follower degli influencer di viaggio sono donne. Oltre a condividere esperienze, sfidano gli stereotipi, promuovono il turismo sostenibile e hanno un impatto economico sulle industrie locali. In futuro, gli influencer digitali continueranno a plasmare le tendenze dei viaggi, ispirando una nuova generazione di viaggiatori e definendo il panorama dei viaggi contemporanei.

Parole chiave: Turismo, influencer digitali, donne influencer.

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O séc. XXI trouxe ao mundo ocidental uma série de mudanças. É aproximadamente nesta época que começam a surgir as novas tecnologias, como a democratização, cada vez mais avançada, dos computadores, mais tarde portáteis, e da própria internet. Isso se deu juntamente com o processo de globalização, que trouxe, para o consumo doméstico e privado, tecnologias e ferramentas antes usadas para fins técnicos e empresariais, que conectaram o mundo como nunca antes visto. Poucos anos mais tarde, a criação e o desenvolvimento dos aparelhos móveis trouxeram uma nova etapa da onda de globalização do séc. XXI, pois foi com o avanço das tecnologias portáteis que surgiu a possibilidade das chamadas redes sociais. 

As redes sociais são, basicamente, plataformas que conectam pessoas de qualquer lugar do mundo, através de comunidades, ou seja, gostos em comum, formando, assim, grandes grupos. Com o passar dos anos, foram surgindo cada vez mais possibilidades, e algumas redes, como o orkut, por exemplo, foram dando espaço a outras como o Facebook e o Instagram, com uma gama de ferramentas maior, possibilitando novas conexões. Além das redes sociais, ainda existem duas plataformas de extrema importância, que deram todo o direcionamento para os chamados digital influencers que são os blogs, que, mesmo perdendo força, ainda sobrevivem até os dias de hoje, e o YouTube, site onde as pessoas podem obter um canal para conversar sobre seus assuntos de interesse, através de vídeo,s e a observação mais importante em todos estes canais de comunicação é que são todos gratuitos, o que contribui para a democratização do acesso ao mundo e à cultura do outro.  

Com o avanço deste mundo virtual, muitas empresas também aderiram ao processo, entendendo sua eficácia, sendo hoje desatualizada a empresa que não está totalmente inserida neste meio, ou complementando sua performance de vendas e serviços ou sobrevivendo somente neste mundo, sem a necessidade de um espaço físico. Junto a esse movimento empresarial, surgem novas profissões no mercado, relacionadas totalmente a esse mundo online, que são os Blogger, Instagramer e os YouTuber, que hoje culminaram em um termo, os chamados digital influencers, ou influenciadores digitais.  

Dentre as profissões que nasceram no séc. XXI, a digital influencer é não só a mais requisitada pelas empresas, como também é uma das mais almejadas pelos jovens, principalmente pelo seu status e modo de vida. As empresas que estão por dentro das tendências de marketing estão sempre de olho nos novos nomes que surgem e, principalmente, quantos seguidores esta pessoa possui. Ter seguidores significa que esta pessoa atingiu um nível elevado de visibilidade, o para as empresas é extremamente interessante. 

Segundo Silva e Tessarolo (2016), influenciadores digitais são indivíduos que possuem muita popularidade em seus perfis nas redes sociais e que conseguem se destacar nas redes devido a sua capacidade de mobilizar seguidores, seja criando tendências e conteúdos exclusivos, formando opiniões ou pautando comportamentos. Os influenciadores digitais conseguem, por meio da internet, provocar e inspirar o modo de vida de milhares de pessoas ao redor do planeta.

Todo esse processo ocorre pautado nos conceitos de marketing digital e de influência, uma evolução do conceito de marketing que surgiu junto com o avanço das redes sociais. Desta forma, Deges (2018) diz que o marketing de influência também pode ser definido como uma estratégia de marketing onde as entidades públicas e privadas divulgam os seus produtos e serviços a um público-alvo, a partir de um meio de comunicação, como telefone ou correio, comunicação social e internet, onde se integram as redes sociais.

Através deste serviço, nasce uma nova maneira de se olhar, comunicar e exportar o produto turístico. Porém, é necessário que o influenciador tenha pleno conhecimento das tendências, além de saber se comunicar perfeitamente com seu público e traduzir o que aquela marca ou destino que ele está divulgando tem a oferecer. Segundo Magno e Cassia (2018), a intenção de um seguidor em adotar as sugestões de viagem fornecidas pelos bloggers depende significativamente das percepções da confiabilidade do blogger e da qualidade da informação fornecida. 

Brown & Hayes (2008) afirmam que a influência é de forma abrangente o poder de afetar as pessoas, coisas ou o trajeto dos acontecimentos. É exteriorizada por diversos comportamentos e pode ser a intenção de formar um ambiente propício para afetar a opinião de uma pessoa sobre um determinado assunto. Desta maneira, por se tratar de algo imensurável, muitos especialistas ainda fazem severas críticas ao marketing de influência, pois afirmam não ser uma ferramenta que proporciona números de venda ou lucro com exatidão. Porém, para Brown e Fiorella (2013), futuramente o marketing de influência irá se tornar uma estratégia de marketing eficaz para as empresas. No entanto, a mensagem de marketing só consegue ser transmitida se for feita por intermédio de um influenciador digital que fará a ponte entre o público a quem quer atingir e a marca ou destino turístico. 

Desta forma, Barreiro, Denis e Breda (2019), refletem sobre o marketing de influência para os destinos turísticos:

Os destinos turísticos são cada vez mais promovidos através das redes sociais e os influenciadores digitais são uma peça que poderá ser fulcral no desenvolvimento de um destino. A parceria entre uma entidade pública de turismo e um influenciador digital poderá desenvolver um destino turístico através da identificação de um público-alvo cada vez mais vasto e da identificação dos produtos turísticos do destino. Esta sinergia irá atrair mais turistas.

O Turismo de Portugal, desde 2013, já vem implementando esta estratégia de comunicação, tornando-se cada vez mais online, entendendo que esta ferramenta de influenciar pessoas é uma tendência de mercado cada vez mais presente. Segundo Barreiro, Denis e Breda (2019), as viagens, que estão estritamente interligadas aos destinos turísticos, estão relacionadas com as necessidades, e as mesmas manifestam-se em termos de desejos. A motivação e desejo de viajar para determinado destino turístico poderá ser despertada através do desenvolvimento da imagem desse mesmo destino turístico, apostando-se na promoção do destino através de parcerias com influenciadores digitais que são referências/influenciadores de opinião no mundo das redes sociais.

Um dos exemplos de Portugal que pode-se citar é o caso da Ilha da Madeira. Concretamente, a Diretora do Turismo da Madeira mencionou que previa a reformulação da imagem do destino através da promoção da Madeira nas redes sociais, elaborando um plano de marketing digital, contando para tal com o apoio da agência de publicidade MCcann (Publituris, 2015 a).

Segundo Barreiro, Denis e Breda (2019), no ano de 2015, 

O Secretário Regional da Economia, Cultura e Turismo da Madeira refere que o mercado nacional é muito importante e que é intenção da entidade recuperar a procura turística. Neste sentido,  definiu como estratégias campanhas em plataformas digitais, bem como workshops realizados com o apoio da APAVT e dos agentes nacionais, para dar visibilidade e notoriedade ao destino.

Mais um caso em Portugal é a cidade de Lisboa, onde o diretor executivo da Associação de Turismo e presidente da ERT Turismo de Lisboa defende que, apesar de terem diminuído as verbas para as campanhas de publicidade, Portugal deve apostar no online para efetuar as campanhas, e não se deve apostar neste meio de comunicação, em entrevista, em um artigo publicado a 7 de Março de 2014, denominado “Comercialização não é papel de uma entidade pública” (Barreiro, Denis e Breda, 2019) .

Nos últimos anos, testemunhamos um notável crescimento no papel das mulheres como influenciadoras digitais no setor de turismo. Com um olhar atento às redes sociais, fica claro que as mulheres estão desempenhando um papel crucial na promoção de destinos turísticos ao redor do mundo. De acordo com estatísticas recentes, mais de 60% dos seguidores de influenciadores de viagens são mulheres, demonstrando o poder de influência que elas possuem sobre as escolhas de viagens de uma ampla audiência.

Essas influenciadoras não apenas reúnem fotos deslumbrantes e dicas de viagem, mas também desempenham um papel vital na quebra de estereótipos e na promoção do turismo sustentável e culturalmente sensível. Muitas delas abraçaram a responsabilidade de educar seu público sobre práticas de viagem éticas, respeito pela diversidade cultural e preservação ambiental. Essa consciência tem se traduzido em mudanças concretas, com um aumento na demanda por destinos menos explorados e uma preferência por experiências autênticas.

Além disso, o impacto econômico destas mulheres no setor de turismo é impressionante. Dados mostram que campanhas de marketing lideradas por influenciadoras têm um ROI significativamente maior em comparação com outras estratégias. Através de parcerias com hotéis, companhias aéreas e agências de turismo, essas mulheres não só promovem destinos, mas também impulsionam a indústria local, gerando empregos e oportunidades de negócios. O cenário em constante evolução das redes sociais continuará a fornecer um espaço vital para que as mulheres influenciadoras digitais moldem as tendências do turismo e inspirem uma nova geração de viajantes.

Concluindo, o século XXI trouxe uma revolução tecnológica e uma mudança profunda na maneira como as pessoas se comunicam e interagem. A ascensão das novas tecnologias, da internet e das redes sociais tem sido uma evolução para a globalização e para a transformação das dinâmicas de consumo e comportamento. As redes sociais, em particular, emergiram como plataformas poderosas para conectar pessoas de diferentes partes do mundo, formando comunidades com interesses compartilhados.

No futuro, à medida que as redes sociais continuarem a evoluir e as tendências de consumo se transformarem, os influenciadores digitais provavelmente manterão sua influência no setor de turismo. Sua capacidade de inspirar, educar e mobilizar audiências ao redor do mundo contribui para moldar a maneira como as pessoas viajam e interagem com os destinos, desempenhando um papel crucial na definição do panorama do turismo contemporâneo.


Referências bibliográficas:

ABREU, Adriana. PELEGRINO, Caroline. Empresas buscam profissionais que dominem mídias sociais. 2010. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/786978-empresas-buscam-profissionais-que-dominem-midias-sociais.shtml&gt; Acesso em: 30 de maio de 2020.

American Marketing Association (2009). Definition of marketing. Disponível em https://www.ama.org/AboutAMA/Pages/Definition-of-Marketing.aspx. Acesso em 25 de maio de 2020.

 BARREIRO, Tânia. DINIS, Gorete. BREDA, Zélia. Marketing de influência e influenciadores digitais: aplicação do conceito pelas DMO em Portugal. Marketing & Tourism Review • Belo Horizonte – MG – Brasil • v. 4, n. 1, nov, 2019.

DELLOITE. Mídias sociais nas empresas: o relacionamento online com o mercado. 2010. Disponível em: http://www.deloitte.com/view/pt_BR/br/perspectivas/estudosepesquisas/19e510b00f4d8210VgnVCM100000ba42f00aRCRD.htm. Acesso em: 23 de maio de 2020. 

Garcia, P. (2016). Facebook marketing como forma de promoção dos patrocínios do setor bancário português: Estudo de caso Montepio. Dissertação de Mestrado em Ciências da Comunicação, Universidade Católica Portuguesa.

Publituris (2015a). Madeira reformula comunicação do destino. Publituris, 09.01.15, p. 12.

Ramalho, Bárbara Patrícia da Cunha. O Papel dos Influenciadores Digitais Portugueses na Promoção de um Destino Turístico. Vila do Conde, novembro de 2019.

Rodrigues, A. F. P. (2018). As estratégias de comunicação das marcas criadas em contexto

online na rede social instagram (Dissertação de Doutoramento, Instituto Politécnico de Viseu, Escola Superior de Educação de Viseu).

Silva, C. R. M., & Tessarolo, F. M. (2016). Influenciadores digitais e as redes sociais enquanto

plataformas de mídia. XXXIX Intercom, São Paulo–SP.


Paola Frizero

Mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora e em Turismo e Desenvolvimento de Destinos e Produtos pela Universidade De Évora – Pt. Pós – Graduada em Gestão Cultural pela Unifagoc e Pós-Graduanda em Gestão Pública de Turismo e Desenvolvimento Regional . Graduada em Turismo e em Bacharelado Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Juiz De Fora.


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A Importância do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora e da Cultura Colaborativa para a História e a Memória da cidade

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Edylane Eiterer | A Importância do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora e da Cultura Colaborativa para a História e a Memória da cidade

Resumo: Apresenta-se a importância da atuação do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora como instituição de produção e difusão dos saberes da cidade e região, atrelando história local, memória e Patrimônio Cultural, além de ressaltar a necessidade de se estabelecer uma Cultura Colaborativa entre as demais Associações e Instituições da cidade.

Palavras-chave: História local. Memória. Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora. Cultura Colaborativa. 

Abstract: It presents the importance of the performance of the Historical and Geographical Institute of Juiz de Fora as an institution for the production and dissemination of knowledge of the city and region, linking local history, memory and Cultural Heritage, in addition to highlighting the need to establish a Collaborative Culture between the other Associations and Institutions of the city.

Key words: Local history. Memory. Historical and Geographical Institute of Juiz de Fora. Collaborative Culture

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O quanto da história de sua cidade você conhece? Quanto tempo você dedica para conhecer elementos culturais relacionados à história, à memória e às identidades de sua cidade e de seus antepassados? Ao caminhar pelas ruas da cidade, você se dá conta dos inúmeros monumentos, nomes de ruas, praças e avenidas?  

Vivemos em uma sociedade que, segundo Byung-Chul Han, está imersa em um turbilhão de informações instantâneas, mas que não passam de um amontoado de dados. Estamos, em grande parte, perdendo os fios das meadas, o encanto das narrativas e, mais que isso, a qualidade e a afetividade das informações, principalmente quando o assunto é a nossa história, a nossa cultura.

Quando, em nosso tempo, o que vislumbramos é a produção, a difusão e o consumo de um volume de informações superficiais, estamos, em suma, nos distanciando do conhecimento, da crítica e da busca pela verdade, contentando-nos com o raso, com os dados massificados, com o esvaziamento das narrativas.

O perigo aqui está no esquecimento de nossas raízes, no desconhecimento do passado e no enfraquecimento de instituições e centros de estudos que se esforçam em busca de um tempo melhor: o tempo em que as memórias sejam presentes e se fixem enquanto elementos reconhecidos como constituintes do hoje, de nossa identidade.

A apologia ao passado não é apenas o ofício dos historiadores, mas um exercício de cidadania quando garante que, a partir do conhecimento dos processos históricos, possamos ser críticos e construtores de rupturas ou mantenedores das continuidades de acordo com o que desejamos para o meio em que vivemos.

É nesse cenário de busca por um tempo de valorização da cultura e do passado que encontramos instituições como o Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora (IHGJF), fundado em 1956 com o objetivo de promover estudos e pesquisas sobre a cidade e a região.

A importância do IHGJF é a de guardião da memória e da história local, sendo um espaço para se debater e construir elementos que cheguem até a população, promovendo seu conhecimento, além de possuir uma biblioteca com obras raras e de difícil acesso disponível para toda comunidade. 

Se, por um lado, a prerrogativa do IHGJF era a de reunir pesquisadores e entusiastas da história e memória de Juiz de Fora, buscando aproximá-la da população através da divulgação de seus trabalhos em revistas, visitações, palestras e oficinas, outros vieses surgiram atrelados a esse objetivo.

Um deles é o trabalho com o Patrimônio Cultural, elemento fundamental para a fruição da cultura, das nossas práticas sociais, dos nossos modos de ver e promover a educação e até o ordenamento da cidade. Conhecer os Patrimônios Culturais diz muito mais a respeito das visões que foram dadas sobre nossa construção enquanto cidade e comunidade do que puramente aos elementos de memória, cabendo sempre sua discussão e revisão.

São os Patrimônios Culturais que nos permitem compreender, sim, uma versão da história oficial acerca de fundadores, colaboradores e personagens do passado, mas, também questionar onde estão as outras vozes omitidas nessas versões. É a descoberta da narrativa como elemento de poder e encantamento por excelência.

Mas, esse não é nem um trabalho fácil, nem um trabalho que possa ser executado de forma isolada. É preciso que haja uma desconstrução da ideia da autossuficiência, do individualismo institucional característico em espaços de pesquisa.

O exercício de se estudar, compreender e dar acesso às informações históricas e culturais precisa ser coletivo, rizomático, para relembrar Deleuze. Nenhum tema se esgota em si ou é passível de ser compreendido por um único olhar. Caberá sempre a possibilidade de uma construção a muitas mãos.

Essa construção só é possível quando estamos dispostos a promover uma Cultura Colaborativa entre instituições de pesquisa, centros de estudos e entusiastas dos saberes.

Institutos e Associações Culturais caracterizam-se por uma cultura organizacional marcada pela convivência e pela interação dos seus associados, o que implica em construções e reconstruções de redes de saberes, leituras e releituras de signos e significados individuais e coletivos que pertencem a si ou à sua sociedade, mas, em geral, esse espírito colaborativo tende a ser interno.

Nesse âmbito, as culturas dessas instituições devem ser definidas de acordo com a abrangência das interações: as interações entre seus membros e as diversas áreas de atuação deles; a frequência, quer seja nas reuniões previstas em seus estatutos, em encontros ou nos grupos de estudos, e à sua amplitude, já que para ser reconhecida como uma instituição forte, é fundamental que tanto os membros quanto os saberes produzidos por eles cheguem a um número considerável de outros espaços da sociedade. 

Mas, via de regra, esse movimento solitário leva à limitação dos saberes apenas ao círculo próximo e ao enfraquecimento das instituições, o que ressalta a necessidade de criação de estratégias das mais diversificadas que sejam capazes de fomentar a colaboração entre elas.

De fato, quando se pensa em novas formas de organizar o trabalho de pesquisa e, posteriormente, o pedagógico, para divulgação dos resultados,  uma cultura colaborativa entre instituições traz uma  dinâmica e um intercâmbio de saberes que agrega e fortalece cada um dos envolvidos.

Pode-se observar a aproximação entre a Associação Casa D’Itália, a União Brasileira de Trovadores (UBT/JF), a Academia Juizforana de Letras, a Academia Manchester Mineira de Letras, o Instituto Teuto-Brasileiro William Dilly e a Associação de Cultura Luso-Brasileira que, além de terem em seus quadros membros em comum, colaboram entre si em seus trabalhos de pesquisa e difusão cultural das mais variadas formas. 

Estas dinâmicas colaborativas são promotoras do desenvolvimento tanto das pesquisas quanto de suas propagações, promovendo ainda uma rede de apoio e incentivo das lideranças e dos próprios associados das instituições, estimulando o favorecimento da confiança mútua entre todos. 

Essa aproximação busca criar estruturas que permitam um trabalho coletivo, criar tempos e espaços comuns de estudos, planejamentos, organização de projetos de melhoria na divulgação de eventos e pesquisas. É uma rede que deve procurar concentrar-se em seu papel social, mostrando-se colaborativa e sensível às diferenças entre os indivíduos, promovendo uma conexão horizontal através de atividades e conteúdos. 

Em síntese, o caminho da inovação e da mudança do perfil de informações que são produzidas, veiculadas e consumidas só é possível quando as instituições se enxergam enquanto pares, colaborativas entre si, tornando a cultura e a memória lugares acessíveis, democráticos e solidários, permitindo uma articulação entre pesquisa, colaboração, construção e propagação do saber. 

As instituições precisam se fortalecer para sobreviver e desempenhar seus papéis de defensoras da história, da memória e do patrimônio cultural local, e, para isso, é importante que adotem uma postura de uma dinâmica colaborativa entre todos os seus atores, que se baseiem em uma partilha de responsabilidades, saberes e capacidades. 

O desenvolvimento institucional, promovido por este trabalho colaborativo, só será, por sua vez, impulsionado por lideranças cuja preocupação central passe  pela melhoria das relações entre si, evocando uma teia de instituições parceiras e com o mesmo interesse:  a propagação da memória, da cultura e da história.


Edylane Eiterer

É historiadora (UFJF), especialista em Patrimônio Cultural e Metodologia do Ensino de História, mestre em Políticas Públicas para o Patrimônio Cultural, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora e atua na área de Consultoria em Pesquisa Histórica e de Educação Patrimonial, além de ser professora da rede municipal de ensino de Juiz de Fora. edylaneeiterer@yahoo.com.br / (32) 99147-6437


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Placemaking para as cidades (que buscam ser) criativas

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Elias Mediotte e Thiago Pimentel | Placemaking para as cidades que buscam ser criativas

Resumo: Neste texto propõe-se discutir a abordagem do desenvolvimento territorial sob a ótica da criatividade no contexto atual, tendo em vista a crescente perspectiva acerca da ressignificação de territórios por meio da era digital, do marketing urbano, do planejamento urbanístico e institucionalizações que evocam os modelos de urbanização na contemporaneidade.

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A desindustrialização ocorrida nos anos 90 forçou inúmeras regiões a se readaptarem por meio de ações pautadas na inovação e no empreendedorismo, em decorrência do aumento de desempregos e crises econômicas. Estratégias atribuídas à criatividade por meio da cooperação público-privada, com enfoque nas indústrias criativas e atração de capital criativo humano, bem como nos centros de pesquisas, conhecimento e educação representados pelas universidades e politécnicas, configuram algumas das ações adotadas para um novo contexto que se manifestava. Tal cooperação foi denominada de ‘Triple Helix’, cujo objetivo foi valorizar e fortalecer o que já estava presente nas economias locais, como a tecnologia existente a partir das atividades das spin-indústrias e da smartificação (Beck 2011, Covas e Covas 2020, Van Boom 2017).

Em meio a este cenário, a atenção à qualidade de vida e lazer, a promoção de eventos com o intuito de modificar a imagem das cidades ao redor do mundo – associando eventos de negócios corporativos com festividades populares – e os esforços obtidos e empregados por uma rede de governança em nível global, fizeram despontar a atenção de estudiosos para a concepção de novas formas de conceber e praticar o turismo, denominado turismo criativo (Emmendoerfer et al. 2020, Richards e Duif 2018).

Logo, os significados de espaços construídos socialmente em territórios têm demandado e promovido uma ressignificação territorial, através da geração e do resgate da identidade autóctone, visando tornar espaços mais inclusivos e criativos, para além das fronteiras materiais, potencializados pela inovação e por novas tecnologias de profusão de informações. Um importante instrumento ou método a ser utilizado no processo de transformação de lugares é o placemaking que, de forma geral, busca responder às questões como falta de planejamento adequado ao desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o placemaking é concebido como uma forma de reativar, cocriar e coproduzir espaços e lugares, promovendo o resgate das tradições culturais, por meio de ações criativas (Richards e Duif 2018).

Não obstante, a criatividade, em consonância com as ferramentas técnico-científicas do atual contexto social, pautadas no modelo capitalista, têm engendrado o aumento da competição, do investimento de tecnologia e inovação com a finalidade de gerar novas carências e necessidades em espaços geográficos, também concebidos como territórios, cada vez mais conectados, tendo em vista as relações dos riscos civilizatórios produzidos pelo capitalismo, tornando estes territórios mais mercantilizados e submissos de legitimação (Beck 2011, Furtado 1978).

As cidades criativas são locais de experimentação e inovação, nos quais a cooperação e as trocas informacionais (ideias) entre as pessoas são fatores importantes na construção de comunidades e lugares melhores para viver, trabalhar e se divertir. Essas cidades são construídas a partir de diferentes tipos de conhecimento e usam a participação pública para lidar com temas complexos e problemas urbanos relacionados às grandes áreas, como habitação, inclusão, preservação e desenvolvimento (Bradford 2004). Para Machado e André (2012), as cidades do futuro serão comunidades criativas em que o reconhecimento cultural e a arte serão vitais para a vida de uma região e a formação de líderes e trabalhadores para a economia do conhecimento.

No contexto luso-brasileiro são identificadas 17 cidades criativas, sendo 10 no Brasil (Ministério do Turismo [MTUR], 2021) e 7 cidades em Portugal (Comissão Nacional da Unesco, 2021). Os campos de reconhecimento são diversos, estando associados à gastronomia, design, artesanato e artes populares, música, cinema, literatura e artes digitais. Todos estes aspectos se associam ao fortalecimento e reconhecimento da cultura local, estimulando as cidades a usarem seu capital criativo e inovador para a promoção do desenvolvimento, gerando oportunidades de negócios, emprego, trabalho, renda e exercício da cidadania (MTUR 2021). 

A exploração do potencial criativo da população e a interrelação de diferentes atores públicos e privados pressupõem a configuração de instâncias de governança urbana, uma vez que a governança consiste em um sistema de arranjos e modos de ação que insere a sociedade civil no processo de elaboração de políticas públicas, se associando às ideias de bem-estar descentralizado (Queirós 2010). Tendo em vista o placemaking com um importante instrumento de planejamento urbano e a gestão territorial, a grande questão que se levanta é como o Placemaking pode contribuir para o  desenvolvimento em cidades criativas?

Com o fortalecimento da cultura local, pautado em valores de criatividade e inovação advindos das cidades criativas (Machado e André 2012; Mediotte et al. 2021, Richard e Diuf 2018).

O conceito de placemaking e sua potencial contribuição para o desenvolvimento territorial

Acredita-se, então, que as cidades criativas estejam sendo alvos de se tornarem cidades-empresas, conduzidas “sem hesitação e sem mediações, a quem entende de negócios: os empresários capitalistas” (Vainer 2011, 4).  É possível perceber essas relações como parcerias público-privadas por meio da co-concessão do público ao privado, característica fortemente predominante da Nova Gestão Pública. Ademais, ao relembrar a frase proferida por Karl Marx ‘No admittance except on business’, automaticamente se remete à célebre expressão de Benjamin Franklin, citado por Weber, no popular ‘Time is Money’. 

Apesar de se ter contextualizado essa perspectiva, a literatura tem apontado para o desenvolvimento territorial através da inclusão da sociedade civil e o seu exercício à cidadania enquanto condição principal no processo de construção coletiva, inclusive para a criação de espaços de interação que privilegiem e fomentem a iniciativa e autonomia da gestão do que é público (Bradford 2004, Hall 2000, Machado e André 2012, Rodrigues e Franco 2020). Entende-se que este processo se desenvolve, para além do desenvolvimento enquanto propulsor dessas relações entre cidadãos e crescimento econômico, a partir da governança, considerando os aspectos econômicos que influenciam as questões socioculturais, ambientais e políticas, que o desenvolvimento emerge (Martins et al. 2010. Mediotte et al. 2021). 

Como medida de inflexão dessa perspectiva de desenvolvimento territorial, os estudos teóricos e empíricos têm evidenciado a construção de lugares como meio de integralizar espaços e cidadãos, bem como o próprio ordenamento do turismo. Assim, considerando a perspectiva de desenvolvimento com a inovação e empreendedorismo sob orientação do placemaking, cabe destacar os espaços que serão desenvolvidos por meio dessas premissas, levando em conta que os espaços públicos variam, desde as grandes praças públicas nos centros das cidades a recortes e sobras de terreno após a conclusão de edifícios ou novas estradas, a parques e praias. Também inclui ruas e ambientes naturais urbanos, por exemplo, bosques e margens de rios. Cada vez mais, o uso desses espaços é um indicador do bem-estar das cidades (Badenhorst 2019, Emmendoerfer et al. 2020, Richards e Duif 2018). 

Esses não são apenas espaços funcionais com usos específicos, como playgrounds, cadeiras públicas ou bicicletários, mas são as áreas onde as pessoas ficam e se conectam, intencionalmente ou por acaso. É preciso observar, também, o papel dos gestores e atores envolvidos no processo de implantação do placemaking, seguindo as diretrizes de desenvolvimento, isto é, apoiar as comunidades e os cidadãos ativos em um processo de compreensão dos usos e potencial dos espaços públicos existentes e de reconhecer sua agência/instituição para fazer mudanças e melhorias. Além disso, a ênfase em um processo liderado pela comunidade significa que, além de contribuições de design, a arte do placemaking envolve várias ferramentas para facilitar a participação da comunidade, inclusão social, análise de local e experimentação, ou seja, experimentar ideias para melhorar um espaço público, bem como a animação de um lugar (Badenhorst 2019, Richards e Duif 2018). Portanto, o grande desafio do placemaking no contexto do setor público é transformar os espaços públicos em locais:

(…) onde as pessoas queiram usar regularmente e com uma variedade de atividades e amenidades que melhorem a qualidade de vida do local. Para que isso ocorra, deve haver um nível de cidadania ativa, em busca da construção de parcerias com stakeholders e criação de acordos de corresponsabilidades pelo desenvolvimento (inclusive, a manutenção desses espaços) (Badenhorst 2019, 3).

A inovação e o empreendedorismo possuem estreita relação com a perspectiva do desenvolvimento pautado nos fundamentos do placemaking, pois buscam, de forma mais célere, uma sociedade que possa tornar os espaços urbanos em potenciais fomentadores de potencialidades criativas, onde ocorrerão interações humanas em conciliação com ações mais democráticas. Nesse sentido, cabe reafirmar a necessidade de se construir parcerias em âmbito multinível, para que novas ideias, rumos e soluções possam ser postos em prática, em especial, para o desenvolvimento, que requer, sobremaneira, renovação (Dallabrida 2017, Emmendoerfer et al. 2020). 

Tal afirmativa revela que, no cenário atual, a dinâmica do networking, apregoada pela inovação e empreendedorismo no setor público (Emmendoerfer 2019), requer dos gestores públicos cuidados na elaboração e criação de projetos relacionados aos recursos tangíveis e, principalmente, os intangíveis. Isso ressalta inclusive a criatividade, interligando tais recursos e seus significados, utilizando-os de forma inovativa com enfoque na criação de valor para um território (Richards e Duif 2018).

Reflexões preliminares: perspectivas para o contexto das cidades criativas

A dinâmica que o capitalismo produz influencia não apenas a dinamização dos fluxos de transporte e comunicação, mas também a própria construção de uma nova identidade, especialmente na perspectiva de reengenharia e ludificação territorial ou (re)significação territorial. Como resposta a essa controvérsia, sugere-se que a governança e o placemaking sejam elementos apropriados para lidar com as questões que envolvem desigualdades socioespaciais existentes em cidades criativas, ora fruto das relações conflituosas de poder entre Estado e sociedade, ora resultante exclusivamente pelas elites capitalistas. 

Embora se perceba a relação entre cidades criativas e potencialidades de criação através de uma rede de governança multinível, a criatividade vem sendo considerada um instrumento para alcançar objetivos, mais especificamente os que envolvem dimensões essencialmente econômicas. O marketing utilizado para o desenvolvimento territorial nos últimos anos reconfigura a concepção de criatividade e gera mais resistência da classe criativa do que constrói a capacidade de atraí-la.

A pluralidade da criatividade como forma de atender às demandas e aos problemas urbanos emergentes sugere que sua concepção se refere ao processo de inovação, utilização e aplicabilidade, bem como à ideia de novidade. Tais pressupostos também podem se associar ao conceito de Cidades Criativas por três abordagens constituintes, quais sejam: planejamento criativo, que seriam as novas soluções para problemas urbanos complexos; indústrias criativas, clusters e a economia cultural em vigor; e capital humano criativo como forma de ascensão da classe criativa (Van Boom, 2017).

O planejamento criativo para o desenvolvimento territorial busca uma transformação da economia pós-industrial, estimulando a criatividade através do pensamento criativo, pela abertura à diversidade e pela receptividade, tendo em vista que,  a priori, no contexto local, havia a necessidade de se recuperar dos efeitos da economia industrial (Richards e Duif 2018, Van Boom 2017). Seus aspectos constituíam problemas como fragmentação social, redução do senso de identidade de lugar, medo e alienação, haja vista a inabilidade das políticas de transição para resolverem esses tipos de problemas (Richards e Duif 2018, Van Boom 2017).

Nesse sentido, acredita-se que a produção cultural criativa esteja conectada em uma rede na qual as cidades assumem um papel de protagonistas na atribuição de gerar conhecimento e informação como centros de produção e consumo, tendo em vista que a natureza da produção cultural criativa exige compartilhamento, correspondência e aprendizado. Dessa forma, a concepção de desenvolvimento territorial – relacionando-o com as cidades criativas – pode ser compreendida a partir da autenticidade, ao mesmo tempo que permite interações socioespaciais, tornando-se indústrias criativas e clusters turísticos de produção criativa, atraindo turistas e novos moradores em busca de experiências urbanas (Richards e Duif, 2018, Van Boom 2017).

Desse modo, torna-se viável o fomento às parcerias público-privadas e pessoas, atribuindo uma relação moderada entre Estado e sociedade, visando a inclusão, a equidade e a resiliência, em detrimento das assimetrias provenientes da concentração e do domínio do poder, sobretudo do processo de elitização e desigualdades, decorrentes e existentes no território.

 Por fim, considera-se este trabalho uma provocação para compreender as articulações da gestão, da governança e do placemaking como formas de utilização da criatividade e do desenvolvimento territorial na . Além  da contemporaneidade disso, o mesmo pode estimular perspectivas socioespaciais e socioculturais, inclinadas para a concepção mercadológica, algorítmica e de autorregulação, que estão presentes no contexto das cidades criativas.


Referências bibliográficas:

Badenhorst, W. (2019, abril). Guidelines for the practice of participatory placemaking. https://urbact.eu/sites/default/files/02_guidelines_for_participatory_placemaking.pdf

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Elias Mediotte e Thiago Pimentel


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Um autor, um jornal, um tempo: Sherlock Holmes e a construção de um personagem singular

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Ismael da Silva Nunes | Um autor, um jornal, um tempo: Sherlock Holmes e a construção de um personagem singular

Resumo: No presente trabalho proponho-me a analisar a figura de Sherlock Holmes na literatura policial do século XIX. Desta forma, abordarei o seu sucesso massivo em meio às mais variadas camadas da sociedade, a forma como foi construído, como foi difundido e como permanece, ainda hoje, como um personagem de forte comunicação com o público.  Para isso, pesquisei os editoriais da revista Strand Magazine e, a partir deles, trabalhei as obras de Doyle. Ler as obras foi fundamental para tratar de um personagem tão elaborado.

Palavras-chave: Detetive, Holmes, Literatura Policial. 

Abstract: In the present work I propose to analyze the figure of Sherlock Holmes in the detective literature of the 19th century. In this way, I will address his massive success among the most varied layers of society; the way it was built; how it was disseminated and how it remains, even today, as a character with strong communication with the public. For this, I researched the editorials of the Strand Magazine and, from them, I worked on Doyle’s works. Reading the works was fundamental to dealing with such an elaborate character.

Key words: Detective, Holmes, Crime Literature

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Introdução

Existem personagens que se tornam tão famosos que superam, em fama, seus criadores. Podemos pensar, por exemplo, em Dom Quixote, de Cervantes; O Pequeno Príncipe, de  Saint-Exupéry; ou ainda, Harry Potter, de J. K. Rowling. Sem dúvida estes personagens foram, e continuam sendo tão afamados que, mesmo sem saber ao certo o nome de seus autores, o grande público os reconhece. Dentre as várias criações da literatura, Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle, é uma figura que se destaca das demais, sobretudo por sua personalidade e sua aproximação entre ficção e realidade. Por vezes o leitor é levado a crer que o grande detetive da Baker Street 221 B existiu de verdade. 

No processo de construção do personagem Holmes, percebe-se toda a preocupação, por parte de Doyle, com a construção de um cenário que fosse crível. Os panos de fundo, os meios materiais que compõem suas tramas são pontos famosos de Londres. As ruas Fleet StreetOxford Street,  Pall MallStrand, dentre outras ambientações, são locais bem conhecidos não só pelos londrinos, mas até pelo público estrangeiro que os reconhecem por meio de cartões postais.  Houve, ainda, a preocupação com a reprodução dos órgãos públicos, de figuras públicas, dentre outros elementos que nos dão a impressão de existência real em suas obras.

Acredito que trabalhar a figura de Holmes é um exercício importante para se entender como ele, mesmo após uma morte programada pelo seu criador e um espaço de mais de 130 anos, permanece tão presente.   

  1. Um segredo óbvio

Doyle conseguiu encontrar uma forma de sucesso que, talvez, nem ele esperaria dar tão certo: construir um personagem que se ligaria ao público e que se tornaria um membro do dia a dia dos leitores. 

Ao fazer uma análise dos demais periódicos que surgiam em Londres no século XIX, Doyle percebeu, com sagacidade, o que seria o elemento em falta para a criação de assiduidade e preferência do público a uma determinada revista: faltava a existência de um enredo, de “estórias” que continuariam em outras edições (Willis, 1998). Este é o elemento que, em nossos tempos, torna as novelas televisionadas tão importantes e acaba até mesmo criando preferências por determinada emissora. Os telespectadores seguem o personagem, a trama, o enredo que terá continuidade na próxima edição, no dia seguinte. 

Doyle, então, precisava de um personagem capaz de prender a atenção do público, de despertar seu interesse. Neste ponto, sua eficiência foi magistral. Holmes, o detetive de emoções raras, personalidade única e jeito pitoresco de ser, “caiu nas graças” do público e, desta forma, tanto a Strand Magazine, como Arthur Conan Doyle, obtiveram sucesso de vendas. 

No site da revista Strand Magazine, encontramos uma compilação do artigo produzido pelo escritor inglês Chris Willis, quando a revista foi reaberta. Buscando retratar a história da Strand, ele falava de seus icônicos escritores, dentre eles Doyle é apontado como um verdadeiro fenômeno que, entre os anos de 1891 até sua morte em 1930, chegou a estar presente em praticamente todas as edições da revista. Com “The Hound of the Baskervilles” a Strand alcançou a incrível marca de 30 mil exemplares em circulação (Willis, 1998). 

É claro que também foi necessário que a Strand Magazine possuísse atributos que chamassem a atenção do público. De fato, ela tinha tais elementos para oferecer. Seu lema “A monthly magazine costing sixpence but worth a shilling” (Uma revista mensal que custa seis pences, mas vale um xelim), já mostra seu caráter popular. Era, de fato, uma revista com preços bem abaixo do grande número de outras publicações da época. O próprio editor da The Strand Magazine, ao colocar nas mãos do público o primeiro volume, no ano de 1891, deixava claro o objetivo de que fosse uma revista acessível, barata e que confiava que o retorno viria por meio da popularização. 

Ao mesmo tempo em que era oferecida uma literatura acessível, no que diz respeito ao preço, era também dado ao público conteúdo diversificado que agradava a todos. Não se pode esquecer, ainda, o papel importante das imagens. A cada página o editor fazia questão de colocar uma imagem, tornando a leitura agradável e impressionando o público com o que chegava de novidade na Europa. Foi um compromisso do editor, em 1891, de oferecer “Special new features which have not hitherto found place in Magazine Literature Will be introduced from time to time (Strand Magazine, 1891).”

Assim, tanto a Strand Magazine, como Doyle, tinham os elementos necessários para se tornarem importantes nomes da era vitoriana. A Strand ofereceu os elementos de uma produção popular e atrativa; Doyle ofereceu o personagem.

Um detetive e seu tempo

Um ponto chave é entender que Holmes é um detetive que fala dentro de seu tempo. Ele vive em uma Londres pós-industrial, com grande crescimento urbano, acompanhado, também, de um crescimento da violência. Esta, por sua vez, motivada não somente por pura e simples vadiagem, mas por outros elementos, um tanto ao quanto distintos, como vingança, ganância, fome, sobrevivência, etc. É nesse cenário que temos uma dualidade entre polícia e malfeitor, ficando muito claro, após um processo de legitimação do papel da polícia, quem são os mocinhos e quem são os vilões. É um processo, por assim dizer, de formação de uma “sociedade civilizada e completamente racionalizada.” Nesse cenário, onde surgem as primeiras cidades industriais, é que o romance policial começava a ganhar forma na Europa.

Este crescimento urbano trazia consigo o surgimento da aglomeração de massas de anônimos. Essas, por sua vez, acabavam por propiciar uma proteção aos que cometiam crimes: ora, como localizá-los em meio a tantos iguais? Como diz Walter Benjamin, o conteúdo social primitivo do romance policial é a supressão dos vestígios do indivíduo na multidão da cidade grande (1989, p. 41).” Quando desaparece o indivíduo, é preciso identificá-lo. A sociedade do século XIX está, já, “liberta” da justiça empregada por meio da vingança. Algo que foi possível com o surgimento de um aparato legal que buscava a prevenção por meio de medidas exemplares. Nesta nova forma de se aplicar a lei, a figura do detetive ganha destaque, pois é justamente ele quem vai em busca do criminoso, correndo atrás de provas que o ajude a localizar, no meio da massa anônima, o autor do crime. Assim, os detetives são os heróis.

A construção da figura do detetive do século XIX está impregnada do que seria um espírito racionalista da época, herança clara do pensamento iluminista. O método de Sherlock Holmes, por exemplo, ganha inspiração no detetive Dupin de Edgar Allan Poe, que foi o primeiro detetive da literatura e serviu de base para a construção dos demais (Nebias, 2017). Nebias ressalta que a literatura policial surge numa  época em que o conhecimento científico é considerado a única forma de conhecimento verdadeiro, e em que o criminoso é visto como um inimigo social (Nebias, 2017, p. 185)”

Percebemos este racionalismo frio presente em várias passagens de Holmes, como na crítica a Watson em “Um estudo em vermelho”, onde ele afirmava que: “A detecção é, ou deveria ser, uma ciência exata, e deveria ser tratada da mesma maneira fria e sem envolvimento emocional (Doyle, 2007).” 

Carlo Ginzburg, em seu artigo Sinais: raízes de um paradigma indiciário, aproxima Holmes de Morelli e Freud. Esta trilogia possui mecanismos parecidos de atuação. Morelli dá atenção especial a signos pictóricos, Holmes a indícios e Freud a sintomas. Cada um destes focos de atenção leva a uma observação de elementos que, para muitos, poderiam passar despercebidos, elementos que conduzem ao diagnóstico ou à solução do crime. O que Ginzburg percebe é que “nos três casos esteve presente a semiótica médica (Ginzburg, 1989)”. Tal aspecto é interessante de se observar. Freud era médico, Morelli havia se formado em medicina e Doyle também era médico. Mas o que Ginzburg quer mostrar é que todas estas similitudes não são coincidências, mas que são, antes de tudo, a afirmação de um “paradigma indiciário,” no início do XIX, baseado na semiótica. Para tanto, Ginzburg faz um exercício de retomada da formação deste dito “paradigma indiciário”, que nos levaria a tempos imemoriais. Para Ginzburg, o romance policial

se fundava num modelo cognoscível ao mesmo tempo antiquíssimo e moderno. Da sua antiguidade imemorial já falamos. Quanto à sua modernidade, bastará citar a página em que Curvier exaltou os métodos e sucessos da nova ciência paleontológica. (Ginzburg, 1989, p. 169)

Isso nos faz pensar que o próprio Allan Poe já havia tirado seu Dupin de experiências que já vinham de bem antes, como diz Ginzburg, de uma “antiguidade imemorial.” Este “paradigma indiciário”, que esteve tão presente na literatura policial, deveu suas origens à cultura venatória de tempos remotos onde, por meio de pegadas, de fezes, de urina, os caçadores eram capazes de identificar e capturar a presa.O que o paradigma indiciário nos ajuda a ver é que o estilo de atuação de Holmes possui um processo histórico e está intimamente ligado à sociedade em que o autor está inserido. Holmes é genial e essa genialidade impressiona seus fãs, mas ela não é uma exclusividade dele, está, antes, ligada a um conjunto de práticas antiquíssimas que, com o tempo, foram sendo aplicadas nas mais diversas áreas. Isso nos lembra que uma obra nasce dentro de um tempo e, por isso, vem marcada pelos aspectos sensíveis que compõem a sociedade em que seu criador se insere. Holmes é um detetive ficcional de fins do século XIX. Mesmo aqueles que posteriormente seguiram sua figuração, (como Sherlock de Steven Moffat, Elementary de Robert Doherty, Sherlock Holmes de Guy Ritchie, etc.) não são o mesmo personagem criado por Doyle, pois perderam as características genuínas do tempo em que Sherlock Holmes foi criado. Os personagens inspirados nele, que estão fortemente presentes em nossa cultura cinematográfica, são frutos de nosso tempo e possuem características próprias. 

Conclusão

Um personagem se constrói a partir de uma série de elementos. Assim sendo, eles nos ajudam a compreender a época na qual foram criados. Dizer que Sherlock Holmes é singular, depois de passarmos pelas influências que ele recebeu – e perceber o quanto de “indivíduos” reais ou ficcionais estão inseridos em sua construção – não  constitui um erro. Numa perspectiva vigotskiana (Vigotski, 2009, p. 36), a criação imaginativa parte justamente da capacidade de dissociação de elementos diferentes. Doyle é capaz de singularizar estes elementos por meio da divisão e observação atenta dos elementos particulares de cada uma dessas referências. Ele, por assim dizer, soube trabalhar com as influências que foi captando do seu meio e produzir, sim, um personagem único.  


Referências bibliográficas:

Benjamin, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. 1989. São Paulo: Brasiliense.

Doyle, Arthur Conan, Sir. Sherlock Holmes: edição completa / Sir Arthur Conan Doyle. 2007. Rio de Janeiro – RJ: Agir Editora Ltda.

Ginzburg, Carlo. Sinais: Raízes de um paradigma indiciário. In: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. 1989. São Paulo-SP: Companhia das Letras.

Nebias, Marta Maria Rodriguez. Figurações da personagem detetivesca: Figurations of the detective character. 2017. Rio de Janeiro – RJ: Leitura de Hoje.

The Strand Magazine. London: Burleigh Street. 1891 Strand: GeoNewnes. Disponível em: <https://archive.org/stream/TheStrandMagazineAnIllustratedMonthly/TheStrandMagazine1891aVol.IJan-jun#page/n5/mode/2up&gt;. Acesso em: 02 dez. 2022. 

Vigotski, Lev S. O mecanismo da imaginação criativa. In: Vigotski, Lev S. Imaginação e criação na infância.  ed. 1. 2009. São Paulo-SP: Ática, 2009.

Willis, Chris. The Story of The Strand. 1998. Disponível em: <https://strandmag.com/the-magazine/history/&gt;. Acesso em: 02 dez. 2022.


Ismael da Silva Nunes

Formado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora, agora cursando o mestrado na mesma instituição.


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A Importância da Superação do Capacitismo: Promovendo a Inclusão e a Diversidade

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Erika Neder e Adriana Serrão | A importância da Superação do Capacitismo: Promovendo a Inclusão e a Diversidade

Resumo: Este artigo acadêmico tem como objetivo explorar e discutir a importância da superação do capacitismo na sociedade contemporânea. O capacitismo é uma forma de discriminação que marginaliza e estigmatiza pessoas com deficiência, limitando suas oportunidades de participação plena na sociedade. Neste trabalho, abordaremos o histórico do capacitismo, suas manifestações na atualidade, as consequências negativas para indivíduos e comunidades, bem como a importância da promoção de uma cultura inclusiva e diversa que valorize a contribuição de todas as pessoas, independentemente de suas habilidades.

Palavras-chave: Capacitismo. Superação. Diversidade 

Abstract: This academic article aims to explore and discuss the importance of overcoming ableism in contemporary society. Ableism is a form of discrimination that marginalizes and stigmatizes people with disabilities, limiting their opportunities for full participation in society. In this work, we will address the history of ableism, its manifestations today, the negative consequences for individuals and communities, as well as the importance of promoting an inclusive and diverse culture that values the contribution of all individuals, regardless of their abilities.

Keywords: Ableism. Overcoming. Diversity.

Resumen: Este artículo académico tiene como objetivo explorar y discutir la importancia de superar el capacitismo en la sociedad contemporánea. El capacitismo es una forma de discriminación que margina y estigmatiza a las personas con discapacidad, limitando sus oportunidades de participación plena en la sociedad. En este trabajo, abordaremos la historia del capacitismo, sus manifestaciones en la actualidad, las consecuencias negativas para individuos y comunidades, así como la importancia de promover una cultura inclusiva y diversa que valore la contribución de todas las personas, independientemente de sus habilidades.

Palabras clave: Capacitismo. Superación. Diversidad.

Riassunto: Questo articolo accademico ha come obiettivo esplorare e discutere l’importanza di superare l’ableismo nella società contemporanea. L’ableismo è una forma di discriminazione che emargina e stigmatizza le persone con disabilità, limitando le loro opportunità di partecipazione piena alla società. In questo lavoro, affronteremo la storia dell’ableismo, le sue manifestazioni nella società odierna, le conseguenze negative per individui e comunità, nonché l’importanza di promuovere una cultura inclusiva e diversificata che valorizzi il contributo di tutte le persone, indipendentemente dalle loro abilità.

Parole chiave: Ableismo. Superamento. Diversità.

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Introdução:

O capacitismo é uma forma de discriminação sistemática e preconceituosa que afeta pessoas com deficiência em diversas áreas da vida, como educação, trabalho, saúde e vida social. Este artigo busca chamar a atenção para a necessidade de superar essa barreira social, enfatizando a importância de promover uma sociedade mais inclusiva e acessível a todos.

Definição e Origem do Capacitismo:

O capacitismo se origina da crença de que as pessoas com deficiência são inferiores ou incapazes em comparação com aquelas sem deficiência. Essa concepção se perpetua ao longo da história, refletindo-se em estereótipos, preconceitos e discriminação, muitas vezes enraizados em estruturas sociais e instituições (NEDER, 2022).

Manifestações do Capacitismo na Atualidade:

O capacitismo pode ser observado em diversas esferas da sociedade, incluindo a linguagem pejorativa utilizada para se referir a pessoas com deficiência, a falta de acessibilidade em espaços públicos e virtuais, a exclusão no mercado de trabalho e a sub-representação nas mídias e na cultura popular.

Consequências do Capacitismo:

As consequências do capacitismo são profundas e impactam tanto a vida individual quanto a coletiva. Pessoas com deficiência enfrentam dificuldades para obter educação de qualidade, emprego adequado e acesso a serviços de saúde, o que restringe suas oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional (NUSSBAUM, 2020). Além disso, o capacitismo resulta em isolamento social, baixa autoestima e uma sensação de não pertencimento, afetando a saúde mental desses indivíduos.

A Luta pela Inclusão e Diversidade:

A superação do capacitismo exige a conscientização e o engajamento de toda a sociedade. Nesse sentido, movimentos sociais, ativistas e organizações de defesa dos direitos das pessoas com deficiência têm trabalhado para promover a inclusão e a diversidade, combatendo o preconceito e advogando por políticas públicas mais inclusivas (NUSSBAUM, 2020; SHAKESPEARE, 2013).

Educação Inclusiva:

A educação inclusiva é uma das pedras fundamentais para a superação do capacitismo. Ela envolve a adaptação de práticas pedagógicas, currículos e infraestruturas para garantir que todos os alunos, independentemente de suas habilidades, possam aprender e crescer juntos em um ambiente respeitoso e acolhedor (MONTOAN, 2014).

Acessibilidade e Tecnologia:

A tecnologia desempenha um papel crucial na superação do capacitismo. Inovações em acessibilidade e tecnologias assistivas têm o potencial de reduzir as barreiras que impedem a participação plena das pessoas com deficiência na sociedade.

Conclusão:

A superação do capacitismo é essencial para construir uma sociedade mais justa e inclusiva, em que todas as pessoas possam viver suas vidas com dignidade e respeito. Promover a inclusão e a diversidade não é apenas uma responsabilidade individual, mas sim um compromisso coletivo de criar um mundo mais igualitário e enriquecedor para todos (BRASIL, 2009; BRASIL, 2015).


Referências Bibliográficas:

BRASIL. Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência e seu protocolo facultativo, assinada em Nova York, em 30 de março de 2007. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, p. 3, 26 ago. 2009.

BRASIL. Lei 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência). Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, n. 127, p. 2, 7 jul. 2015.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér, Inclusão escolar O que é? Por quê? Como fazer? 1ed. São Paulo: Editora Moderna, 2014.

NEDER, Erika. Educação inclusiva na ação direta de inconstitucionalidade 5.357: uma análise à luz da Teoria das Capacidades de Martha Nussbaum. Editora Perensin, Juiz de Fora, 2022.

NUSSBAUM, Martha. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. São Paulo: Martins Fontes, 2020.

SHAKESPEARE, Tom. Disability: The Basics. New York: Routledge, 2017.


Erika Neder e Adriana Serrão

Graduadas em Direito pela UERJ, mestre em Direito. Professora.


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Adoção de crianças por casais homoafetivos na Itália

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Noah Mancini | Adoção de crianças por casais homoafetivos na Itália

Resumo: O presente texto visa elucidar recentes acontecimentos envolvendo a adoção por parte de casais homoafetivos no território italiano e as tensões sociais consequentes de tais transformações na sociedade.

Palavras-chave: casamento gay; adoção de casais homoafetivos; Itália

Riepilogo: Questo testo si propone di delucidare i recenti avvenimenti che coinvolgono l’adozione da parte di coppie omoaffettive nel territorio italiano e le tensioni sociali derivanti da tali trasformazioni nella società.

Parole chiave: matrimonio gay; adozione di coppie dello stesso sesso; Italia

***

A adoção de crianças por parte de casais homoafetivos é uma complexa pauta nos debates sociais em diversos países, incluindo o Brasil e a Itália. Para se ter ideia,  até setembro de 2021, a situação no país ainda estava em processo de delicada mudança, refletindo o tensionamento das pressões sociopolíticas em relação aos direitos LGBTQIAPN+ e à igualdade parental.

A legalização do casamento homoafetivo é relativamente uma novidade na agenda política global. A primeira nação a aprovar tal direito para essa parcela da população foram os Países Baixos, em 2001. Se formos colocar em datas e números, percentualmente, uma minoria da população mundial vive em países do mundo que legalizaram tal casamento. Ao mesmo tempo, a discussão sobre a adoção por casais homoafetivos ganhou destaque nos anos 2000, à medida que a sociedade ocidentalizada começou a debater questões de igualdade e direitos LGBTQIAPN+. Antes disso, a homossexualidade era frequentemente estigmatizada, o que dificultava a aceitação de casais do mesmo gênero como pais adotivos. A título de exemplo, negar a adoção com base na orientação sexual é uma forma de discriminação ainda muito praticada pelos próprios agentes das instituições judiciais e legislativas.

É sabido que a sociedade da Itália vive sob forte influência da Igreja Católica, que, ao longo dos séculos, exerceu vasto controle através do uso do poder, e, consequentemente, afetou as políticas do país. Isso resultou em um ambiente social em que as questões de gênero e orientação sexual muitas vezes eram tratadas com conservadorismo. No entanto, ao longo das últimas décadas, em consonância com parte do território ocidental, a atitude da população italiana em relação aos direitos LGBTQIAPN+ começou a ser colocada em questão. 

No que diz respeito à adoção por casais gays, a Itália tem passado por uma série de mudanças legais e decisões judiciais que refletem a evolução das atitudes. Em 2016, a Suprema Corte italiana determinou que um filho adotado por um dos parceiros em um casal homoafetivo deveria ter direitos legais em relação ao outro parceiro. Isso foi um marco importante, pois reconheceu, de certa forma, as famílias formadas por casais do mesmo gênero.

Para melhor entender como funcionam as instituições por lá: o casamento, de acordo com o Artigo 29 da Constituição Italiana, é “fundado na igualdade moral e jurídica dos cônjuges, com os limites estabelecidos por lei para garantir a unidade familiar”, entre o homem e a mulher, com pretensão de formar família. Já a união civil é especificamente composta por pessoas do mesmo gênero. Logo, na Itália, não há casamento para pessoas do mesmo gênero. Como alternativa, há a “união civil”. O casal que é unido civilmente não possui a necessidade de fidelidade, que é premeditada no casamento. Diferente do casamento, a união civil não garante a adoção de filhos. Enquanto no casamento heterocisnormativo as crianças que nascem pela lei são tomadas como prole de ambos os pais, pela união civil somente as crianças nascidas de pais biológicos serão consideradas filhas, o que possui uma contradição latente. No caso da Itália, é sabido que inúmeros casais têm encontrado dificuldade legal para concluir seus processos. Isso se deve também à ascensão da direita nas eleições italianas, com forte simpatia de posições conservadoras.

O prefeito de Milão, Giuseppe Sala, disse em um podcast nesta terça-feira que respeitará a ordem, mas continuará lutando politicamente para garantir que os direitos dos pais homossexuais e de seus filhos sejam reconhecidos. A primeira-ministra da Itália Giorgia Meloni chegou ao poder como defensora dos valores cristãos tradicionais e denunciando o que ela chama de “ideologia de gênero” e “lobby LGBT”. (MACCIONI, 2023)

Até 2021, a adoção conjunta por casais de mesmo gênero não era permitida de forma explícita. No entanto, decisões judiciais e pressões internacionais levaram a uma maior discussão sobre o assunto e a um aumento da visibilidade das famílias homoafetivas. Mesmo nas nações que já se mostraram abertas judicialmente para tal, encontramos entraves para que as políticas públicas sejam devidamente executadas. Como mostram, por exemplo, alguns casos que aconteceram:

A cidade de Pádua, no norte da Itália, começou nesta sexta-feira a remover o nome de mães homossexuais das certidões de nascimento. De acordo com a nova lei, crianças que tenham sido fruto de inseminação artificial no exterior só terão a filiação da mãe que engravidou reconhecida. Até o momento, 27 mulheres foram excluídas da documentação dos seus filhos, informou a promotoria local. (O GLOBO, 2023)

É um debate amplo e sobre o qual ainda se mostra necessário avançar. No entanto, a melhor opção para casais que queiram criar seus filhos em sociedades menos discriminatórias, sem impeditivos que mais reforçam a negação da vida do que lutam pela existência saudável dessas crianças, é executar o procedimento — desde o casamento até a adoção — em outros países. 

Ao que tudo indica, por mais que haja manifestações de família homoparentais protestando publicamente, recorrendo a vias institucionais e burocráticas para garantir seus direitos de constituir família, ainda é o começo de uma batalha que pode ter inúmeros vai e vens. Sintoma de um grupo político mais preocupado em cercear os poucos direitos que uma parcela minoritária da população busca como igualdade legal diante do Estado do que cuidar de problemas que são fatos sociais há décadas, como o abandono parental e crianças sem amparo ou possibilidade de núcleos familiares.


Referências bibliográficas:

Maccioni, Federico. 2023. Governo italiano pede a Milão que pare de registrar filhos de casais do mesmo sexo. CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/governo-italiano-pede-a-milao-que-pare-de-registrar-filhos-de-casais-do-mesmo-sexo/

Mães gays são removidas de certidões de nascimento na Itália. 2023. Agência O Globo. Acesso em: https://www.folhape.com.br/noticias/maes-gays-sao-removidas-de-certidoes-de-nascimento-na-italia/281869/

Noah Mancini

É Bacharel Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF, MBA em Comunicação e Marketing pela Descomplica e Mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela UNESPAR (Bolsista Fundação Araucária). Desenvolve seus trabalhos entre o texto, o corpo e a imagem


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O Éthos latino e o homoerotismo em uma écloga de Virgílio

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
 Ariel Von Ocker | O Éthos latino e o homoerotismo em uma écloca de Virgílio

Introdução

Pensar na homossexualidade no contexto da Idade Antiga é um desafio historiográfico. De acordo com Foucault (2003, 167), na verdade, semelhante expressão “é bem pouco adequada para recobrir uma experiência, formas de valorização e um sistema de recortes tão diferentes do nosso”. Isso porque pensarmos na maneira como o mundo, a língua, a cultura e a sociedade eram percebidos no período em questão implica, antes de qualquer movimento, um reposicionamento da pesquisadora no éthos em que se insere. Isto é, a mudança do tempo, do tom, do lugar e dos demais aspectos integrantes da “cena discursiva” é conditio sine qua non para uma correta interpretação do passado. 

Nesse sentido, propomos, nesta breve reflexão, uma análise crítica do homoerotismo presente na Ecloga Secvnda, segundo dos dez poemas constituintes do livro BVCOLICA (1825). Objetivamos, desse modo, esclarecer alguns pontos historicamente opacos e, ao mesmo tempo, contribuir para a diversificação e o acesso dos estudos histórico-culturais acerca das temáticas LGBTQIAPN+. Para tanto, empregamos a versão latina do texto editada em 1784 por Petri Burmanni juntamente à edição portuguesa de 1825, atribuída ao tradutor nomeado apenas como A. T. M. 

Sem embargo, ressaltamos que a fidelidade de tais textos ao escrito original não pode ser atestada em sua totalidade, pois houve influências de múltiplas ordens em sua transmissão ao longo do tempo (CAMBRAIA, 2005). No intento de mitigar os efeitos de tais ruídos, empregaremos os termos em latim nas passagens divergentes. Por fim, também destacamos que o presente artigo é o recorte de uma pesquisa mais ampla desenvolvida pela autora. 

A Ecloga Secvnda

O mote do livro como um todo é a vida no campo, de sorte que seus personagens são os pastores que ali habitam. Especificamente acerca da segunda écloga, trata-se de um poema com um único personagem (alguns o consideram um alter ego do poeta), de nome Corydon. Esse, como diz o escritor, “com ardor cego amava ao formoso Alexis” (1825, p. 26). Seu amado, contudo, não desejava relacionar-se com Corydon, um homem mais velho. 

Além disso, no v. 102 (p. 32), Virgílio revela o nome do senhor de Alexis, Iolas — rival romântico do protagonista. Isso destaca o dito nos v. 02-03 (p. 26), em que o poeta se refere ao mais jovem como “delícias de seu senhor” (delicias domini no original). O amado de Corydon mostra-se, portanto, inacessível por duas razões: 1ª) porque ele não o deseja e 2ª) porque Alexis era escravo de Iolas. 

Seguindo tal perspectiva, o texto se desenvolve num elegíaco monólogo do personagem, em que o mais velho reflete sobre tudo o que poderia oferecer ao amado se correspondido. Depois, Corydon destaca que, embora de mais idade, não era desagradável aos olhos do jovem “nec sum adeo informis” (VIRGILIUS, 1784, p. 16). Em seguida, o romano faz uma analogia ao mito da criação da Flauta de Pã, destacando o infeliz amor do deus. 

Mais adiante, o poeta se volta à própria natureza em uma sorte de diálogo interpessoal. Como assinala Souza (2019), aqui, o locus amoenus não é apenas um sítio para fugir ao sofrimento, mas sim uma parte integrante do ser do eu-lírico, tal que as emoções do poeta se refletem na natureza.

Por fim, o pastor encerra seu lamento dizendo invenies alium, si te hic fastidit, Alexin: “encontrarás outro Alexis, se esse te fez sofrer” (tradução nossa). Tal frase destaca o tom melancólico do enamoramento que, mesmo ferido, busca um semelhante àquele que lhe feriu. 

O Homoerotismo na civilização greco-latino

A respeito do homoerotismo na poesia, Onelley (idem) salienta que poemas amorosos de caráter homoerótico eram comuns no contexto clássico greco-latino. Inclusive em Teócrito, o grande nome da poesia idílica na qual se inspirou o mantuano. 

A cerca da homossexualidade, Grimal (2005) assevera que não havia distinções entre indivíduos baseadas no gênero das pessoas com quem mantinham relações sexuais. Pelo contrário, como também destacam Foucault (2003) e Possamai (2022), o que se destacava como motivo de preconceito era o descomedimento sexual do indivíduo.

Os autores ainda agregam que, embora não houvesse a nomenclatura de “homossexual” para identificar tais indivíduos, o modelo de relacionamento era o chamado “amor grego”, que definia o par formado por um homem mais velho (e viril) e um mais jovem (e mais afeminado). Os mais jovens, entrementes, não raro eram escravos do primeiro, como Alexis no poema em questão.

Considerações finais

No presente artigo, apresentamos algumas considerações propedêuticas acerca da Ecloga secvnda a partir dos elementos histórico-culturais que a tangenciam. Expusemos a paridade da poética de Virgílio com Teócrito, tanto em nível estilístico quanto temático.  

Salientamos, porém, que o entendimento de semelhante poesia demanda um estudo mais amplo e, de maneira especial, o domínio da língua latina, pois diferentes traduções e edições de textos historicamente distantes no tempo sofrem influência de múltiplas naturezas, o que resulta na distorção de seus efeitos de sentido originais. 


Referências bibliográficas:

FOUCAULT, M. História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 10ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2003.

GRIMAL, P. O amor em Roma. Lisboa: Edições 70. 2005.

MARO. P. V. NOVA TRADUCÇÃO DAS ECLOGAS DE VIRGÍLIO. Na Typ. de Viuva Alvarez Ribeiro & Filhos. Com licença. Porto, 1825. Disponível em: https://www.google.com.br/books/edition/Nova_traduc%C3%A7%C3%A3o_das_Eclogas_de_Virgilio/22MVAAAAYAAJ?hl=pt-BR&gbpv=0. Acesso em: 26 de out. de 2022.

ONELLEY, G. B. Teócrito e Virgílio: Um Diálogo Bucólico. Politeia – História e Sociedade[S. l.], v. 6, n. 1, 2010. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/politeia/article/view/3892. Acesso em: 30 dez. 2022.

POSSAMAI, P. C. O HOMOEROTISMO NA ROMA ANTIGA. Disponível em:http://www.cchla.ufrn.br/humanidades/ARTIGOS/GT11/Homoerotismo%20em%20Roma.docx. Acesso em: 28 de dez. de 2022.  

SOUZA, E. F. M. AS BUCÓLICAS DE PÚBLIO VIRGÍLIO MARO: TRADUÇÃO E ESTUDO À LUZ DE APARATO ETIMOLÓGICO E DE SIMBOLOGIA DA FLORA. (Tese de Doutorado). UFPB. João Pessoa, 2019. Disponível em: ErickFranceMeiraDeSouza_Tese.pdf (ufpb.br). Acesso em: 26 de dez. de 2022.

VIRGILIUS. Ed. BURMANNI, P. BVCOLICA, GEORGICA ET AENEIS. GLASGUAE: IN AEDIBUS ACADEMICIS , EXCUDEBAT ANDREAS FOULIS, ACADEMIAE TYPOGRAPHUS. M.DCC.LXXXIV. 1784. Disponível em: Publii Virgilii Maronis Bucolica, Georgica et Aeneis. Ex editione Petri Burmanni – Publius Vergilius Maro – Google Livros. Acesso em: 26 de out. de 2022.


 Ariel Von Ocker


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A luta pelo sufrágio feminino no Brasil

Revista Casa D’Italia – Ano 4, n. 37, 2023 – ISSN: 2764-0841 | Juiz de Fora, Minas Gerais
Maria Clara Cabral | A luta pelo sufrágio feminino no Brasil

Resumo: O presente artigo propõe um resumo histórico da luta das sufragistas no Reino Unido e nos Estados Unidos da América até chegar ao Brasil. A proposta é mostrar como foi a luta das sufragistas brasileiras e o atual panorama político para as mulheres.

Palavras-chave: Voto. Sufrágio. Mulheres. Sufragistas.

Abstract: This article proposes a historical summary of the struggle of the suffragettes in the United Kingdom and the United States of America until they arrived in Brazil. The proposal is to show how the struggle of Brazilian suffragettes was and the current political scenario for women. 

Key words: Vote. Suffrage. Women. Suffragettes.

Riepilogo: Questo articolo propone un riassunto storico della lotta delle suffragette nel Regno Unito e negli Stati Uniti d’America fino al loro arrivo in Brasile. La proposta è mostrare com’era la lotta delle suffragette brasiliane e l’attuale scenario politico per le donne.

Parole chiave: Votazione. Suffragio. Donne. Suffragette.

***

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de dezembro de 1948, garante, no artigo 1, que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos […]”. A realidade, porém, não foi assim por muitos anos. 

As mulheres, por muitos séculos, não eram tratadas como cidadãs e sim como uma parcela da sociedade que devia total obediência ao pai e, posteriormente, ao marido e aos filhos homens.

Por conta disso, até o século XX, as mulheres não podiam exercer um direito que hoje já é comum para elas: o direito ao voto. O sufrágio é a maneira de decisão política das democracias, mas não era permitido ao gênero feminino até 1918, quando as mulheres com mais de 30 anos e donas de propriedades puderam votar na Grã-Bretanha e na Irlanda.

Agora com o direito ao voto, elas representavam 40% da população feminina do Reino Unido. Dez anos depois, em 1928, as mulheres de 21 a 30 anos e sem propriedades conseguiram o direito ao sufrágio.

Assim como no Reino Unido, outros países estavam em luta pelo sufrágio. Um exemplo eram os Estados Unidos da América, com uma das mais famosas ativistas pelo direito ao voto feminino, Susan B. Anthony. 

A sufragista definia seus ideais de vida: “Esse poder é a cédula do voto, o símbolo de liberdade e igualdade”. Em 1872 ela foi presa, condenada e multada simplesmente por votar nas eleições.

Ela faleceu antes da assinatura da 19ª emenda de 1920 e somente em 2020 recebeu o indulto presidencial, sendo perdoada por sua luta.

Sufrágio feminino no Brasil

A partir do movimento das sufragistas do Reino Unido, a primeira onda do feminismo, o ideal do voto feminino ganhou mais visibilidade e foi levado para outros países.

No Brasil, a conquista chegou somente em 1932. Mas a ideia já era conhecida no país. Durante o Império, em 1821, o deputado baiano Domingos Borges de Barros apresentou projeto de lei abordando os direitos políticos das mulheres.

Após a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, a professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz começou uma coluna dedicada ao voto feminino no jornal “O sexo feminino”, veiculado em Minas Gerais.

A partir desse momento, as mulheres e os homens passaram a ter conhecimento sobre a questão e a lutar pela garantia do voto.

Em 1891 foi aprovada a primeira Constituição Brasileira no regime de República e nela não constava a proibição do voto feminino, embora só pudessem votar os cidadãos maiores de 21 anos que tivessem sido alistados. 

No entanto, o debate sobre as mulheres votarem já tinha sido iniciado, pois na Constituinte alguns congressistas apoiaram o sufrágio feminino, apesar dos fortes e numerosos opositores.

Mesmo com a negação do voto, as brasileiras continuaram na luta política e, em 1910, a professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino (PRF).

O PRF defendia que os cargos públicos fossem destinados a todas as pessoas nascidas no Brasil, fossem homens ou mulheres. Além disso, o partido só permitia a participação de mulheres, ou seja, quem participava não tinha direitos políticos.

Com o passar dos anos e, principalmente, com a evolução do movimento sufragista na Europa e na América do Norte, mais brasileiras apoiaram o direito ao voto feminino no Brasil. 

Em 1927, o Rio Grande do Norte foi o primeiro estado brasileiro a aprovar o voto feminino. Mas foi preciso passar por um processo judicial para quatro professoras terem o nome na lista de eleitores do estado.

Em novembro de 1930, Getúlio Vargas assumiu a presidência, dando fim ao regime político em vigor até então, a chamada República do Café com Leite.

Vargas era conhecido como populista e propôs alterações no país, sendo uma delas a criação de um código eleitoral. Após campanhas feministas, o Código Eleitoral de 1932 considerou como eleitor: “o cidadão maior de 21 anos, sem ditinção de sexo, alistado na forma deste Código”. 

Em 1934 foi promulgada uma nova Constituição, afirmando que eleitores são os brasileiros de ambos os sexos, maiores de 18 anos. Porém, o voto feminino e o masculino não tinham o mesmo valor.

Os homens eram obrigados a votar e somente as mulheres que trabalhavam na área pública tinham que votar; as outras podiam fazê-lo, mas não eram obrigadas. Foi somente em 1965, no novo Código Eleitoral, que o voto de homens e mulheres teve o mesmo peso, sendo ambos obrigatórios.

É por causa da intensa luta das sufragistas que hoje as mulheres podem escolher quem irá representá-las nas esferas municipais, estaduais e federais.

O voto foi e é importante para as mulheres, mas não deve ser somente o voto. É preciso que haja representação feminina na política. Mulheres devem procurar votar em mulheres que representam o que pensam e o que desejam.

De acordo com dados do TSE divulgados pela Agência Senado, somente 33,54% das candidaturas em 2020 eram de mulheres. Esse número mostra como a representação feminina é baixa. Além disso, comparando a taxa com a de anos anteriores, nota-se que o crescimento é lento.

As mulheres do século XXI e dos próximos devem continuar a luta das feministas dos séculos passados, exigindo mais direitos e igualdade para a sociedade não retroceder ao patriarcalismo.


Referências bibliográficas

HISTÓRIA do Mundo. s. d. “Era Vargas”. Disponível em: <https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/era-vargas.htm>. Acesso em: 09 de agosto de 2023.

LIMA, Paola e Raissa Portela. 2022. “Mulheres na política: ações buscam garantir maior participação feminina no poder”. Agência Senado, 27 de maio de 2022. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/infomaterias/2022/05/aliados-na-luta-por-mais-mulheres-na-politica>. Acesso em: 09 de agosto de 2022.

MCCANN, Hannah, ed. 2019. O livro do feminismo. 1 ed. As grandes ideias de todos os tempos. Rio de Janeiro: Globo Livros.

QUEM foi Susan B. Anthony, mulher condenada em 1872 por votar que só agora foi perdoada nos EUA. BBC NEWS Brasil, 18 de agosto de 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53829728>. Acesso em: 09 de agosto de 2023.

SANTOS, Luiza Chaves. 2017. “Sufrágio feminino no Brasil e democracia no Brasil”. Monografia de final de curso. Departamento de Direito da Pontifícia Faculdade Católica do Rio de Janeiro. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/33232/33232.PDF>. Acesso em: 09 de agosto de 2023.

UNICEF. s.d. “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 09 de agosto de 2023.


Maria Clara Cabral

Graduanda em Jornalismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É membro do grupo de pesquisa Comunicação, Cidade e Memória (COMCIME)/UFJF e atualmente pesquisa os Cinemas de Rua de Juiz de Fora


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Autores:
Paola Frizero
Edylane Eiterer
Elias Mediotte e Thiago Pimentel
Ismael da Silva Nunes
Erika Neder e Adriana Serrão
Noah Mancini
Ariel Von Ocker
 Maria Clara Cabral

Arte da capa:
Ana R Cosso

Revisoras:
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Projeto Gráfico:
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Coordenação Geral:
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Edição:
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Assistente editorial:
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Site:
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Mídias sociais:
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Diagramação:
Thaiana Fernandes Pinto Gomes

Captação e edição de áudio e vídeo:
Vinícius Sartini da Silva

Apoio:
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Ana Carolina de Paula Fellet
Lucimar Therezinha Grizendi
Vinícius Sartini
Paola Frizero
Rafael Bertante
Patrícia Ferreira Moreno
Rafael Moreira
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Louise Torga
Paulo Jose Monteiro de Barros
Ana Lewer

Realização:
Duplo Estúdio de Criação
Departamento de Cultura da Associação Casa de Itália

Periodicidade:
Mensal

ISSN: 2764-0841