Ano 04, nº35, 2023 – Edição ‘Juiz de Fora’ – ISSN: 2764-0841

Editorial
No volume 35º, a Revista Casa D’Italia traz aos leitores um olhar pela perspectiva da identidade cultural presente na cidade de Juiz de Fora – MG. O patrimônio cultural é um reflexo da diversidade presente em sua essência e, ao preservar e promover a valorização das diferentes expressões, tradições e modos de vida das muitas faces da comunidade local, é possível entender um pouco da complexidade e riqueza que emerge das muitas culturas juizforanas.
A identidade e a cultura são elementos que estão intrinsecamente ligados, desempenhando um papel crucial na definição da história e personalidade de um lugar e de um povo. O patrimônio cultural abrange tanto os elementos materiais quanto os imateriais que são transmitidos com o passar dos anos, por gerações. Por sua vez, a identidade de uma cidade é a maneira como ela se percebe e se apresenta para o mundo. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento e fortalecimento de uma comunidade afetivamente ligada ao seu espaço, sua história e suas memórias, fortalecendo a conexão com seu passado, de maneira a valorizar e preservar as raízes históricas para que permaneçam vivas no presente e no futuro.
Juiz de Fora é uma cidade que nos convida a enxergar além e a abraçar a riqueza cultural e a pluralidade de identidades. Ao caminhar por suas ruas, nos deparamos com uma mistura única de tradição e modernidade, onde o passado e o presente se encontram harmoniosamente em suas muitas faces históricas. Portanto, convidamos a conhecer um pouco mais sobre a cidade através de textos que farão mergulhar em temas como Afroturismo, Miss Brasil Gay, espaços de cultura e memória, dentre outros.
A Revista Casa D’Italia é uma realização da Duplo Estúdio de Criação, em parceria com o Departamento de Cultura da Associação Casa D’Italia. Essa iniciativa tem o apoio das empresas e associações Imo Experiência Turística, Curso de Língua e Cultura Italiana, Grupo de Dança Folclórica Italiana Tarantolato, Estúdio de Arte Ponto Três e Afra Cultural. Contamos ainda com o apoio de Cristina Njaim Coury, Patrícia Ferreira Moreno, Rafael Moreira, Arlene Xavier Santos Costa, Louise Torga, Paulo Jose Monteiro de Barros, Vinícius Sartini, Ana Lewer, Thaiana Fernandes, Rafael Bertante, Paola Frizero, Ana Carolina de Paula Fellet e Lucimar Therezinha Grizendi, que, através da plataforma Apoia-se, nos incentivam mês a mês a continuar investindo na cultura e a trazer discussões a respeito da nossa sociedade.
Desejamos uma excelente leitura!
Editorial: Paola Maria Frizero Schaeffer.

por Pâmella Stéfanie do Nascimento

por Dalila Varela

por Adrielly Ramos

por Daniel Moratori

por Noah Mancini

por Flaviana Silva

por Matheus Carmo
Afroturismo e a Caminhada Juiz de Fora Negra

Pâmella Stéfanie do Nascimento e Luís Roberto Silva Cruz | Afroturismo e a Caminhada Juiz de Fora Negra
Resumo: Atualmente, o turismo é visto como um importante vetor de intercâmbio social, cultural e econômico. É possível observar também que a atividade atinge diferentes hierarquias sociais. Dentro deste cenário de transformação social que vivemos, junto à retomada das atividades do setor neste momento de pós-pandemia, diversos afroemprendimentos voltados para o afroturismo incentivam turistas negros e não negros a ter um novo olhar para sua própria localidade ou para uma localidade visitada. Discussões a respeito do racismo e das desigualdades sociais não deixam de existir, porém não são o ponto principal da experiência. Neste artigo, citamos o exemplo de afroturismo promovido em nosso município pela produtora Damata Cultural: a “Caminhada Juiz de Fora Negra”.
Palavras-chave: Afroturismo, Caminhada Juiz de Fora Negra, Turismo, Afroempreendedorismo.
Abstract: Currently, tourism is seen as an important vector of social, cultural and economic exchange, it is also possible to observe that the activity reaches different social hierarchies and within this scenario of social transformation that we are experiencing, together with the resumption of activities in the sector in this post-pandemic moment , several Afro-enterprises focused on afrotourism encourage black and non-black tourists to have a new look at their own location or a visited location, discussions about racism and social inequalities do not cease to exist, but they are not the main point From experience, in this article we cite the example of afrotourism promoted in our municipality by the production company Damata Cultural, the “Walking Juiz de Fora Negra”.
Key words: Afrotourism, Juiz de Fora Negra Walk, Tourism, Afro-entrepreneurship.
Riepilogo: Actualmente el turismo es visto como un importante vector de intercambio social, cultural y económico, también es posible observar que la actividad alcanza diferentes jerarquías sociales y dentro de este escenario de transformación social que estamos viviendo, junto con la reanudación de actividades en la sector en este momento pospandemia, varias empresas afro enfocadas en el afroturismo alientan a los turistas negros y no negros a tener una nueva mirada sobre su propia ubicación o un lugar visitado, las discusiones sobre el racismo y las desigualdades sociales no dejan de existir, pero no son el punto principal Por experiencia, en este artículo citamos el ejemplo de afroturismo promovido en nuestro municipio por la productora Damata Cultural, el “Paseo a Juiz de Fora Negra”.
Parole chiave: Afroturismo, Paseo Juiz de Fora Negra, Turismo, Afroemprendimiento.
***
O turismo é uma atividade praticada por pessoas dos mais diferentes grupos sociais e isso acontece porque tem sido cada vez mais comum em nosso povo o desejo de aproveitar experiências e sentimentos positivos através de viagens, passeios ou situações que levem a vivências de outras culturas, histórias e realidades fora da rotina. Assim, temos um mercado com diversos segmentos voltados para diferentes tipos de público, desde os grandes resorts de luxo até as excursões populares para destinos de apelo turístico, como o litoral, eventos ou mesmo destinos religiosos.
Embora não seja uma exclusividade deste campo, é imperativo notar que, no turismo, se repetem muitos dos sintomas do racismo estrutural que atravessa a sociedade brasileira. Infelizmente, são comuns os relatos de racismo em recepções de hotéis, restaurantes e na prestação de serviços em atividades turísticas.
Falamos aqui do silenciamento que é imposto sobre as trajetórias e saberes de pessoas negras, lgbtqiapn+, mulheres, deficientes físicos, idosos e outros grupos que politicamente são entendidos como minorias, mas que obviamente são um imenso contingente de pessoas e possíveis consumidores do mercado do turismo, que a cada dia cobram mais a inclusão de elementos que os representem nos roteiros. Dentro deste cenário de transformação social que vivemos, junto à retomada das atividades do setor neste momento de pós-pandemia, tem crescido cada vez mais o Afroturismo.
Esse se apresenta enquanto um segmento do turismo voltado para ressaltar a cultura negra e também iniciativas, estabelecimentos e empreendimentos liderados por pessoas e comunidades pretas, gerando, assim, um espaço seguro de fala, escuta e acolhimento do turista, especialmente do turista negro, bem como desenvolvimento econômico para os negócios e comunidades envolvidos.
Diversos afroemprendimentos voltados para o afroturismo, atualmente, incentivam turistas negros e não negros a terem um outro olhar para suas próprias localidades ou para uma localidade visitada. Durante os passeios, experiências ou hospedagens são ressaltadas, assim como personalidades, espaços e saberes — como a música, a culinária, a dança e a ancestralidade — que envolvem a diáspora negra.
Apesar de não ser o tema principal dos roteiros, as experiências de Afroturismo também têm sido potentes como espaços de discussão e reflexão a respeito do racismo e de todas as desigualdades e mazelas decorrentes desse lamentável fenômeno. Com isso, a busca por um letramento sobre as complexas questões raciais também tem atraído muitas pessoas ao segmento. Hoje, grande parte dos estados do Brasil conta com iniciativas voltadas ao Afroturismo, apesar da existência de um problemático protagonismo de Salvador e do Rio de Janeiro, que, de certa forma, acabam diminuindo a visibilidade de iniciativas em estados como Minas Gerais, que por sinal também conta com uma imensa população de pele preta.
Existem experiências que acontecem em quilombos históricos, em escolas de samba, em passeios urbanos e rurais. Seja no alto da serra ou na beira do mar, existem opções para aproveitar o afroturismo. Assim, Juiz de Fora, como uma das cidades mais negras do Brasil, não poderia ficar de fora desse movimento que hoje cada vez mais se consolida no município através da Caminhada Juiz de Fora Negra.
A Caminhada é uma experiência que surge do encontro entre o historiador, professor e produtor Luís Roberto Silva Cruz, o Beto, e a guia, turismóloga e produtora Pamella Stefanie, ambos fundadores da Damata Cultural, uma produtora que iniciou suas atividades em 2022 e tem trabalhado em projetos que relacionam a área da cultura ao turismo e à educação.
Dessa forma, Beto e Pamella, cientes dos potenciais de Juiz de Fora como cidade Polo da Zona da Mata, investiram na construção de um roteiro turístico urbano que passa por diversos pontos da região central, contando a história do município através das lutas e conquistas do povo negro local.
O passeio, que teve sua primeira saída em maio de 2022, hoje já conta com mais de 20 edições realizadas e tem chamado a atenção daqueles que transitam pelo centro de Juiz de Fora, despertando a curiosidade e o interesse em diversos grupos, como universitários, estudantes de escolas públicas e privadas e também moradores e visitantes de JF interessados na cultura negra da cidade.
Ao longo dessa trajetória, a Caminhada Juiz de Fora Negra também já foi contemplada em diversos editais públicos e privados, como o edital nacional Percursos Negros, realizado pela plataforma de experiências e hospedagem Diaspora.Black, e os editais municipais do Corredor Multicultural de Juiz de Fora de 2022 e Quilombagens 2023, ambos promovidos pela Funalfa.
Esses são resultados que demonstram a importância e a expectativa de crescimento de um setor que prova como a economia, a cultura e os processos sociais identitários são intimamente ligados. O aumento da procura dos consumidores em geral e do financiamento público e privado direcionado para atividade ligadas ao Afroturismo é decorrente das demandas de uma sociedade que, apesar de ainda conservadora, tem cada vez mais cobrado de áreas como turismo, cultura e educação representações mais democráticas e próximas das reais características da população brasileira, que, mesmo após os vários projetos políticos de silenciamento e apagamento das heranças africanas, segue majoritariamente preta.
Assim, é nesse sentido que caminhamos. De pé em pé, a Caminhada Juiz de Fora Negra e o Afroturismo como um todo seguem uma pauta antirracista, com o objetivo de auxiliar na construção de um mundo mais igualitário através da realização de experiências turísticas repletas de conhecimentos, trocas e emoções. Afroturismo é sobre pertencimento, sobre acolhimento e sobre a certeza de que um dia viveremos em uma sociedade mais justa e com amplo acesso de toda a população ao lazer e tudo de bom que as experiências turísticas podem proporcionar.
Se você ficou curioso sobre o Afroturismo, não deixe de conhecer a Caminhada Juiz de Fora Negra. E só entrar em contato através do Instagram @damatacultural que lá tiramos todas as dúvidas! Muito axé a todes os leitores!
Referências bibliográficas:
Aroeira, Tiago, Ana Carmem Dantas e Marlusa de Sevilha Gosling. Experiência Turística Memorável, Percepção Cognitiva, Reputação E Lealdade Ao Destino: Um 31 Modelo Empírico. Turismo – Visão e Ação, vol. 18, núm. 3, setembro de 2016, pp. 584-610 Universidade do Vale do Itajaí Camboriú, Brasil. Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/2610/261056061008.pdf>
Oliveira, Natália Araújo de. Afroempreendedorismo no turismo, desigualdade racial e fortalecimento da identidade negra. Revista de Turismo Contemporâneo, Natal, v. 9, n. 1, p.42-63, jan./abr. 2021. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/turismocontemporaneo/article/view/22322/13523
Santos, C e A. G Jesus Neto. Afroturismo e turismo brasileiro na África: iniciativas e alternativas. Entrevista de Carina Santos. Boletim GeoÁfrica, v. 1, n. 3, p. 12-16, jul.- set. 2022. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/bg/issue/view/2369/showTo

Pâmella Stéfanie do Nascimento
Turismóloga e guia de turismo certificada pelo Cadastur. Atua como guia e uma das idealizadoras da “Caminhada Juiz de Fora Negra”, junto a produtora Da Mata Produções Culturais, a qual tem objetivo de promover experiências turísticas, criar e executar projetos culturais e educacionais.
Luís Roberto Silva Cruz
Mais conhecido como Beto, é historiador, professor e produtor cultural. Formado pela UFJF, é integrante do Labhoi/Afrikas UFJF, do GEPACEH/UFJF, aluno do programa de Mestrado do PPG História/UFJF e sócio na produtora Damata Cultural.
Os italianos no bairro Borboleta, Juiz de Fora (MG)

Dalila Varela Singulane | Os italianos no bairro Borboleta, Juiz de Fora (MG)
Resumo: O bairro Borboleta é historicamente conhecido por ter sido uma das colônias formadas por germânicos no final do século XIX. Contudo, a história da localidade retrata também a relevância de grupos italianos na formação local. Assim, o texto a seguir disserta brevemente sobre o tema a partir do histórico produzido para um processo de tombamento de imóvel localizado no bairro e que pertenceu a Júlio Menini, imigrante italiano.
Palavras-chave: Italianos. Imigração. Juiz de Fora. Borboleta.
Abstract: The Borboleta neighborhood is historically known to have been one of the colonies formed by Germans in the late nineteenth century, but the history of the locality also portrays the relevance of Italian groups in the local formation. Thus, the following text briefly discusses the subject from the history produced for a process of listing of property located in the neighborhood and that belonged to Julio Menini, Italian immigrant.
Key words: Italian. Immigration. Juiz de Fora. Butterfly.
Riepilogo: Il quartiere Borboleta è storicamente noto per essere stato una delle colonie formate dai tedeschi alla fine del XIX secolo, ma la storia della località ritrae anche la rilevanza dei gruppi italiani nella formazione locale. Così, il testo che segue discute brevemente l’argomento della storia prodotta per un processo di elencazione di proprietà situate nel quartiere e che appartenevano a Julio Menini, immigrato italiano.
Parole chiave: Italiano. Immigrazione. Juiz de Fora. Farfalla.
***
Historicamente reconhecido como colônia germânica, o atual bairro Borboleta, em Juiz de Fora (MG), foi também lar dos imigrantes italianos que chegaram ao município no final do século XIX e no início do XX. Assim, o texto a seguir disserta sobre a existência desses indivíduos a partir da trajetória de Júlio Menini, imigrante italiano, e de sua antiga residência e comércio, que foi objeto de um processo de tombamento1.
Juiz de Fora recebeu cerca de 24 mil imigrantes vindos da Itália por conta da Hospedaria Horta Barbosa, instituição criada para cumprir o Art. 28 do decreto Imperial, de 1887, sendo que desses, cerca de 2.804 se estabeleceram na cidade. Localizada no bairro Tapera, atualmente Santa Terezinha, a hospedaria viveu momentos críticos por conta da superlotação e consequente insalubridade, se tornando propício para a proliferação de doenças. Logo, em 1889, ela já se encontrava praticamente desativada, sendo que quem permanecia mais tempo era por conta da falta de emprego e meios de subsistência. Ela finalizou oficialmente suas atividades em 1906.
Pode-se atribuir a escolha desses imigrantes por permanecer em Juiz de Fora ao desenvolvimento pelo qual a cidade passava naquele período, com grande modernização e fortalecimento da indústria. Contudo, diferentemente dos germânicos, a comunidade italiana não recebeu lotes de terras ou emprego, sendo sua mão de obra empregada, sobretudo, em empreendimento de outros italianos que já estavam estabelecidos localmente, como na Construtora Pantaleone Arcuri, na qual os italianos caracterizavam 50% da mão de obra num total de 110 funcionários em 1906.
O bairro Borboleta surgiu entre as duas principais colônias germânicas, Dom Pedro e Village, e a origem do seu nome não é um consenso entre os estudiosos e memorialistas. O que se argumenta é que a denominação se deve ao grande número desse inseto na região, mas também a uma das primeiras residências do bairro ter um desenho de uma borboleta em grande proporção em sua parede frontal. Outra narrativa traz que o nome teria sido em homenagem a Ramirez Mendonça Borboleta, um uruguaio exilado no Brasil, que foi proprietário daquelas terras.
Um dos imigrantes que construiu sua vida no Borboleta foi Júlio Menini, imigrante provavelmente nascido em 1878, em Florença, na Itália, e falecido em 24 de dezembro de 1937. Era comerciante e desde 1911 tinha seu “Armazém de Secos e Molhados”, localizado no bairro Borboleta, em parceria com Tolomeu Casali, seu sogro, segundo relata a imprensa da época. No ano seguinte, seu irmão Maximiliano Menini entrou em sociedade com Júlio, substituindo Tolomeu. Contudo, a colaboração também não permaneceu por muito tempo e, em 1913, o armazém passou a pertencer somente a Júlio.
Foi casado com Josephina Cazali, com quem teve seis filhos: Elvira Menini (que se casou com Pedro Klegim), Olivia Menini (casou-se com Carlos Schaeffer), Luis Menini, Rosa Menini (casou-se com Octávio Kerximaier [ortografia do documento]), Noemi Menini e Nilsa Menini.
Em 1926, Júlio Menini protagonizou um importante evento no bairro Borboleta: seu imóvel, construído no terreno que ele havia adquirido de Jorge Haider dois anos antes, recebeu a instalação de energia elétrica. Em comemoração, Menini realizou um sarau que foi noticiado pela imprensa:
Inaugurou-se hontem, no bairro da Borboleta, a instalação de luz electrica na propriedade do sr. Julio Menini.
A força foi sufficiente para geração de luz foi captada em uma pequena cachoeira.
Ao acto inaugural compareceram diversas pessoas gradas da localidade, ás quaes foi servida uma lauta mesa de doces.
Á noite realizou-se animado sarau dançante, que se prolongou até altas horas da madrugada, deixando grata recordação pela maneira gentil e bom acolhimento dispensado aos presentes pelo proprietário2.
Apesar de não se ter informação de como o imóvel era na época da notícia acima citada, foi possível localizar uma descrição no inventário feito após a morte de Menini, que relata:
(…) uma casa, em forma de chalet, com oito cômodos internos para família, forrada e assoalhada, envidraçada, com instalações elétrica e sanitária; outra casa anexa a primeira, com platebanda na frente, com um só cômodo para negocio, assoalhada e forrada e com tres portas de frente; uma terceira casa, anexa a precedente, também em forma de chalet, com um só cômodo forrado mas não assoalhado; um moinho para fubá, movido a água, com todos os seus pertences; e uma usina elétrica para fornecimento exclusivo dos imóveis acima descritos, tudo sobre terreno próprio, que mede três quartas, em pastos, confrontando por seus diferentes lados com os bens descritos em primeiro lugar, com Candido Rodrigues de Oliveira, Cia. Industrial Mineira e com a estrada que vai a Colônia de São Pedro3.
O comércio de Menini foi fortemente impactado pela decadência da Industrial Mineira, companhia de fiação e tecidos, visto que a maior parte dos habitantes da localidade, que à época também era conhecida como Vila São Vicente, trabalhava na companhia e perdeu seu emprego com a falência.
Júlio Menini faleceu pouco tempo depois da falência de seu comércio, sendo seu sogro Tolomeu a assumir a partir daí o negócio.
Vale ainda ressaltar que, ao que tudo indica, o imóvel, antes de ser de Júlio, funcionou durante algum tempo como escola no bairro Borboleta, sendo esta referência no ensino e local onde muitos filhos dos imigrantes germânicos estudaram. Conforme mostra Martins (2013, 8):
Segundo dados apresentados por Oliveira (2009, p. 106-7), a escola mista noturna subvencionada pela Câmara Municipal, em 1913, no Bairro Borboleta, era da Conferência São Vicente de Paulo e, seria esta, uma referência de ação educativa católica gratuita com participação de verbas públicas já que a autora não encontrou na documentação sobre o movimento financeiro das Escolas Paroquiais, referencias a subsídios públicos, mesmo quando estes apareciam aprovados nos documentos da Câmara.
Portanto, não à toa o imóvel foi objeto de tombamento. Localizado na rua nomeada em homenagem a Júlio Menini, ele representa o elo entre a memória dos grupos germânicos e italianos, haja vista sua história enquanto lugar de sociabilidade no bairro Borboleta.
[1] Parte significativa do histórico presente no processo de tombamento é de minha autoria, fruto do trabalho que desempenhava enquanto estagiária da Divisão de Patrimônio da Prefeitura de Juiz de Fora, entre 2016 e 2018.
[2] O PHAROL. Melhoramentos no suburbio. Juiz de Fora, 2 de janeiro de 1926. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
[3] CARTÓRIO GOMES FILHO. Falência de Julio Menini. Estado de Minas Gerais, 1938. Arquivo UFJF, ID 1959, 94B30, Caixa 39, p. 38-39.
Referências bibliográficas:
A GAZETA. Concessão de Medalhas. São Paulo, 5 de agosto de 1916. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
A NAÇÃO. Notícias do Fôro. Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1933. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
BERTANTE, Rafael de Souza. Um olhar sobre a sociabilidade italiana em Juiz de Fora: Italianos maçons e a “Unione Italiana Benso di Cavour”. Dissertação de Mestrado, UFJF. Juiz de Fora, 2017, p. 23. PDF.
CARTÓRIO GOMES FILHO. Falência de Julio Menini. Estado de Minas Gerais, 1938. Arquivo UFJF, ID 1959, 94B30, Caixa 39.
CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. “A Europa dos pobres”: a Belle Époque mineira. Juiz de Fora: EDUFJF, 1994.
ESTEVES, Albino. Álbum do Município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: imprensa oficial, 1915.
FERENZINI, Valéria Leão. Os italianos e a Casa d’ Italia de Juiz de Fora. Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 14, n. 2, 2008, p. 149-159.
GENOVEZ, Patrícia Falco. Núcleo histórico da Avenida dos Andradas e bairro Mariano Procópio: nota prévia de pesquisa. Juiz de Fora: Clio edições eletrônica, 1998. p. 20.
GIROLETTI, Domingos. Industrialização de Juiz de Fora (1850 – 1930). Juiz de Fora: Ed. Da UFJF, 1988.
JORNAL DO BRASIL. Juiz de Fora. Rio de Janeiro, 1914; O PAIZ. Juiz de Fora. Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 1914. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. “Compraram…”. Juiz de Fora, julho de 1924. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. À Praça. Juiz de Fora, 24 de janeiro de 1913. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. Melhoramentos no suburbio. Juiz de Fora, 2 de janeiro de 1926. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. Pró-Calabria e Sicilia. Juiz de Fora, 31 de março de 1909. Hemeroteca da Biblioteca Nacional. Esse tipo de caridade demonstra ainda o vinculo ativo dos imigrantes com a terra natal e a solidariedade entre eles. Ver também: O PHAROL. Pelas Victimas da sêca. Juiz de Fora, 29 de agosto de 1915. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. Secção Livre. Juiz de Fora, 31 de abril de 1912. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
O PHAROL. Ultimos E’cos do Carnaval – O prestito da “Mão Negra” – A noite de domingo na rua Halfeld. Juiz de Fora, 14 de março de 1916. Hemeroteca da Biblioteca Nacional.
OLENDER, Marcos. Ornamento, ponto e nó: da urdidura pantaleônica às tramas arquitetônicas de Raphael Arcuri. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2011, p. 60.
OLIVEIRA, Mônica R. Famílias solidárias e desafios urbanos: os negros em Juiz de Fora. In: BORGES, Célia Maia (Org.). Solidariedades e Conflitos: Histórias de vida e trajetórias de grupos em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2000, p.55.
Processo de Tombamento n° 17.605/2008, fls. 02-05. Arquivado na Divisão de Patrimônio Cultural.
STEHLING, Luiz José. Juiz de Fora: A Companhia União e Industria. Juiz de Fora: IHGJF, 1979. P. 121-122.

Dalila Varela Singulane
Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestra e Bacharela em História com habilitação em Patrimônio Cultural pela UFJF.
A contribuição do Parque da Lajinha para Juiz de Fora

Adrielly Ramos | A contribuição do Parque da Lajinha para Juiz de Fora
Resumo: O presente trabalho fala sobre o processo histórico e social que o Parque Natural Municipal da Lajinha passou até chegar aos dias atuais e como ele atua nos dias de hoje.
Palavras-chave:História. Juiz de Fora. Moradores. Parque da Lajinha.
Abstract: The present work talks about the historical and social process that the Parque Natural Municipal da Lajinha went through until it reached the present day and how it operates today.
Key words: History. Juiz de Fora. Residents. Parque da Lajinha.
Riepilogo: Il presente lavoro parla del processo storico e sociale che il Parque Natural Municipal da Lajinha ha attraversato fino ai giorni nostri e di come funziona oggi.
Parole chiave: Storia. Juiz de Fora. Residenti. Paque Lajinha.
***
É de grande importância compreender o processo histórico e social de lugares e espaços construídos e que atualmente se tornaram espaços de vivência com grande influência em nosso meio.
O Parque Natural Municipal da Lajinha localizado na Avenida Deusdedith Salgado, no bairro Teixeiras em Juiz de Fora/ Minas Gerais, é um ambiente de lazer, e possivelmente de ecoturismo, que ao longo dos anos tornou-se popular entre a comunidade ao redor, que busca em seu tempo de ócio com a família um local para descanso e fuga do ambiente urbano e rotineiro.
Contudo, a história do parque possui resistência e problemas socioculturais que não foram devidamente expostos e representados.
O interesse pela construção do Parque tinha como objetivo a admiração do espaço urbano de Juiz de Fora, mas na verdade era de fato a tentativa de exterminar as favelas da paisagem urbana. No mandato do prefeito Antônio Mello Reis, ocorreram diversas remoções de áreas subjugadas favelas em bairros de classe baixa, com a possível finalidade de uma ‘higienização urbana’.
A iniciação do parque em 1978, se deu quando começou a luta para a desapropriação da terra. Entretanto a remoção dos moradores não se deu de forma pacífica, visto que era uma comunidade antiga. Logo, a retirada dos moradores foi realizada em dois momentos, com uma primeira tentativa em 1979 e uma segunda e última em 1981.
O local era comumente chamado de Vila da Prata por seus habitantes, e nele ficava localizado o Sítio Acaba Mundo. Houve grande resistência para a remoção dos moradores, que tiveram suas casas demolidas e foram realojados no bairro Santo Antônio. Moradores ainda vivos relatam que as casas foram construídas pelos integrantes da própria comunidade e que o material enviado pela Prefeitura não foi o suficiente para a construção de todas as casas demolidas.
Após a remoção da população e destruição completa das moradias, foi iniciada a construção do parque em janeiro de 1981, a qual demorou aproximadamente um ano.
Atualmente, o Parque da Lajinha é um local com grande visitação e que gradativamente pode atenuar de alguma forma os impactos ocasionados à comunidade removida. Podemos compreender que os antigos moradores do bairro Vila da Prata lutam para que suas memórias não sejam apagadas, pois elas residem na população que foi expulsa do território, enquanto sua história é algo que se passou e não existe mais. Então, apenas contar a história dos moradores no Parque da Lajinha não atenua todo o processo que aconteceu. Precisa-se de projetos e ações que integralizem os grupos sociais excluídos relatados aqui com o novo espaço, que se encontra disponível para a população.
A criação de um inventário para conservação do patrimônio cultural ocasionaria certa identificação do bem cultural. Segundo Campos (2013), o inventário é uma forma preservacionista, pois prioriza a gestão patrimonial, buscando medidas de proteção e valorização, que depende de acervos já existentes. Logo, a criação de um inventário no Parque da Lajinha auxiliaria no sentido de atenuar o apagamento da memória dos grupos socialmente excluídos, fazendo com que eles se sentissem representados.
O parque recebe visitantes de diversos lugares, que vão até o local em busca de descanso em seu tempo ócio. O espaço conta com trilhas e equipamentos de lazer, como pedalinho e playground para as crianças. Acerca da visitação, segundo uma pesquisa apresentada no Seminário de Iniciação Científica da Universidade Federal de Juiz de Fora (2020), podemos observar alguns dados obtidos que nos levam a compreender a motivação da visitação dos indivíduos.
As principais motivações estão ligadas a:
- bem-estar psicológico/emocional (71,8%);
- bem-estar espiritual (64,75%);
- bem-estar ambiental (55,87%);
- bem-estar profissional/ocupacional (55,09%);
- bem-estar físico (54%).
Logo, podemos observar que os visitantes, em sua maioria regionais, estão em busca de um melhor desempenho emocional/psicológico quando visitam o parque, visto como um espaço para contemplação da natureza e relaxamento. Com isso, fazendo uma breve análise, vemos que o local se tornou uma área verde que não retrata a realidade pela qual teve que passar para chegar até o atual momento, mas que se transformou em um atrativo turístico, localizado na entrada do município, que contribui fortemente para o bem-estar da população e de seus visitantes.
Referências bibliográficas:
ABREU, Christiane Silva de. Favela e remoção em Juiz de Fora: um estudo sobre a Vila da Prata. 2009.
CAMPOS, Y. D. S. de. O inventário como instrumento de preservação do patrimônio cultural: adequações e usos (des) caracterizadores de seu fim. Revista CPC, [S. l.], n. 16, p. 119-135, 2013. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/cpc/article/view/68646 > . Acesso em: 05 de junho de 2023.
MARTINS, Zilvan. Foi assim que Juiz de Fora ‘resolveu’ o problema da Vila da Prata. O Pharol, informação à luz dos fatos. 2021. Disponível em: https://jornalopharol.com.br/2021/06/foi-assim-que-juiz-de-fora-resolveu-o-problema-da-vila-da-prata/. Acesso em 05 de junho de 2023.
Seminário de Iniciação Científica da UFJF, 2020.

Adrielly Ramos
Bacharel em turismo pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pesquisadora na área do turismo com grande aspiração no âmbito da comunicação social, abrangendo temas como imaginário turístico e palimpsesto, acerca da Zona Central do Rio de Janeiro.
Preservação de acervos documentais na Universidade Federal de Juiz de Fora: a institucionalização do Arquivo Central e do Centro de Conservação da Memória

Carolina Martins Saporetti | Preservação de acervos documentais na Universidade Federal de Juiz de Fora: a institucionalização do Arquivo Central e do Centro de Conservação da Memória
Resumo: A UFJF, a partir da consolidação de um sistema de arquivos e com a criação de órgãos de guarda de acervo, demonstra a sua preocupação com a preservação de documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação. Neste artigo apresento dois órgãos que compõem esta estrutura, o Arquivo Central e o CECOM.
Palavras-chave: Arquivo Central. CECOM. Preservação. Documentos.
Abstract: UFJF, based on the consolidation of an archive system and the creation of collection custody bodies, demonstrates its concern with the preservation of archival documents, as an instrument to support administration, culture, scientific development and as elements of evidence and information. In this article I present two bodies that make up this structure, the Central Archive and CECOM.
Key words: Central Archive. CECOM. Preservation. Documents.
Riepilogo: La UFJF, a partir de la consolidación de un sistema de archivos y la creación de órganos de custodia de colecciones, demuestra su preocupación por la preservación de los documentos de archivo, como instrumento de apoyo a la gestión, a la cultura, al desarrollo científico y como elementos de evidencia e información. En este artículo presento dos órganos que componen esta estructura, el Archivo Central y el CECOM.
Parole chiave: Archivo Central. CECOM. Preservación. Documentos
***
Em meados do século XX, a preservação e a classificação de documentos ganharam força e se tornaram mais consistentes no Brasil, ganhando espaço nas universidades. Dessa forma, ocorreu uma movimentação para a criação de setores de guarda de documentos nas universidades, com o intuito de viabilizar pesquisas sobre diversas temáticas, mas principalmente história do Brasil e de suas regiões e, além disso, para permitir o direito de acesso à informação (TANNO, 2018, 94).
Com o objetivo de facilitar a realização de pesquisas, as universidades criaram setores especializados, como arquivos e centros de documentação e memória. Assim, as universidades passaram a contribuir para a preservação de documentos relacionados à memória nacional, regional ou local, além de passarem a se preocupar com a organização da sua própria documentação administrativa (CAMARGO, 1999, 57).
De acordo com o Prof. Galba Di Mambro (2011, 2), na década de 1970 o Departamento de História passou a se empenhar na criação de um arquivo. Apesar de algumas tentativas anteriores, somente em 15 de março de 1985 houve a criação do Arquivo Histórico da UFJF, com o objetivo de guardar, organizar, preservar e divulgar fontes primárias regionais que passariam a compor o acervo deste setor.
Apesar de ter iniciado suas atividades em 1985, ocupando um espaço onde atualmente está sediada a Biblioteca Central da universidade, o Arquivo Histórico foi institucionalizado apenas em 24 de julho de 1993 como Órgão Suplementar, a partir de uma Resolução do Conselho Universitário. Devido ao seu caráter acadêmico, este foi vinculado à Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Inicialmente o Arquivo Histórico tinha a função de um centro de documentação e memória social, e não de um órgão de guarda dos arquivos permanentes da UFJF.
Anos depois, a partir da implementação de um Sistema de Arquivos da UFJF, criou-se o Arquivo Central, como órgão suplementar vinculado à Reitoria e que substituiu o antigo Arquivo Histórico (Resolução n° 15, de 31/05/2011). O Arquivo Central ficou responsável pelo sistema de arquivos e pela gestão dos documentos produzidos pela UFJF, “prestando assessoria técnica aos setores, promovendo a preservação, a normalização dos processamentos técnicos, a guarda e a destinação adequada aos documentos” (RODRIGUES & SAPORETTI, 2021, 5).
O Arquivo Central manteve sob sua guarda o acervo do anterior Arquivo Histórico, tendo, assim, fundos e coleções de grande importância para a história de Juiz de Fora e região. Podem-se destacar os fundos Fórum Benjamim Colucci, Companhia Têxtil Bernardo Mascarenhas, Pantaleone Arcuri, Odilon Braga, entre outros (RODRIGUES & SAPORETTI, 2021, 5).
Com o passar dos anos, as atividades do Arquivo Central foram ampliadas, tornando-se mais frequente a realização de oficinas, visitas guiadas, minicursos e, nos últimos anos, o crescimento de postagens nas redes sociais.
Nota-se que,desde os primórdios da UFJF, houve o interesse pela preservação dos arquivos históricos regionais e dos arquivos administrativos da instituição. Ao longo dos anos, com a ampliação das medidas preservacionistas,outros órgãos de guarda, organização e preservação de acervos foram criados.
Dessa forma, no âmbito da UFJF há museus, memoriais, coleções e o Centro de Conservação da Memória (CECOM), segundo objeto de estudo deste artigo. Este setor foi idealizado pela profª. Drª. Mônica Cristina Henriques Leite Olender, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF. A partir de diálogos com outros professores, entre eles: Ms. Galba Di Mambro, Dr. Marcos Olender e Dra. Christina Musse, foi possível elaborar o projeto de criação do CECOM, que foi institucionalizado a partir da resolução nº 12/2014 como órgão suplementar da UFJF, tendo característica interdisciplinar e sendo associado à Pró-reitoria de Cultura.
Desde 2016, o CECOM está sediado no prédio localizado na esquina da Av. Getúlio Vargas com a rua Floriano Peixoto, na cidade de Juiz de Fora, prédio conhecido como antigo Diretório Central dos Estudantes (DCE). Atualmente, o CECOM possui a guarda de dois grandes fundos arquivísticos: DCE e Dormevilly Nóbrega. Além disso, conta com coleções de fotos, como por exemplo, do ex-reitor René Mattos e do arquiteto Arthur Arcuri, dentre outros acervos fotográficos que foram doados devido ao projeto História da UFJF.
Além do trabalho de conservação e guarda de acervos, o CECOM realiza oficinas, minicursos, eventos culturais, exposições, visitas técnicas, postagens nas redes sociais, dentre outras ações. Ademais, faz parte do CECOM o Centro de Estudos e Memória do Movimento Estudantil (Cemove) criado com a proposta de difundir pesquisas sobre a temática e construir um Memorial do Movimento Estudantil.
Observa-se que ambos os setores são importantes agentes na preservação dos Patrimônios Culturais, como espaços de guarda e conservação de documentos, possibilitando pesquisas principalmente sobre a história da cidade e região, mas também por promoverem ações de educação patrimonial, através de minicursos e oficinas e da produção de conteúdos com diversas temáticas para as redes sociais.
Referências bibliográficas:
CAMARGO, Célia Reis. À Margem do Patrimônio Cultural. Estudo sobre a rede institucional de preservação do patrimônio histórico no Brasil (1838-1980). Assis, UNES, 1999. Tese de Doutorado em História.
DI MAMBRO, Galba. Criação e Implantação do Sistema de Arquivos da UFJF. In: Universidade & Arquivos: gestão, ensino e pesquisa. Belo Horizonte: Escola de Ciência da Informação da UFMG, 2012, p. 141-161.
RODRIGUES, Andreia de Freitas; SAPORETTI, Carolina Martins. 2021. O ARQUIVO E O CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO E MEMÓRIA ENQUANTO FERRAMENTAS PARA A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: O ARQUIVO CENTRAL E O CENTRO DE CONSERVAÇÃO DA MEMÓRIA DA UFJF E A CIDADE DE JUIZ DE FORA.. In: Arquivo, documento e informação em cenários híbridos: anais do Simpósio Internacional de Arquivos. Anais…São Paulo(SP) Eventus.
TANNO, Janete Leiko. 2018. Centros de documentação e patrimônio documental: direito à informação, à memória e à cidadania. Acervo, [S. l.], v. 31, n. 3, p. 88–101, 2018.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Conselho Superior. Resolução nº 15, de 2011. Cria o Arquivo Central e dispõe sobre o Sistema de Arquivos da UFJF.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA. Conselho Superior. Resolução nº 12, de 2014. Cria o Centro de Conservação da Memória – CECOM.

Carolina Martins Saporetti
Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestra em História pela UFJF (2017). Graduada em Licenciatura e Bacharelado em História com ênfase em patrimônio histórico pela mesma instituição. Atualmente é funcionária do Centro de Conservação da Memória da Universidade Federal de Juiz de Fora (CECOM-UFJF).
O desenvolvimento urbano sob a égide da legislação urbanística: o caso de Juiz de Fora/MG

Daniel de Almeida Moratori | O desenvolvimento urbano sob a égide da legislação urbanística: o caso de Juiz de Fora/MG
Resumo:
Com o intuito de fomentar o debate sobre o desenvolvimento de Juiz de Fora, esse artigo se propõe a examinar o crescimento da cidade sob a perspectiva da legislação urbanística, que se revela um dos principais elementos que influenciam a configuração do ambiente urbano.
Palavras-chave: Legislação urbanística. Planejamento urbano. Códigos de Obras. Códigos de Posturas.
Abstract:
With the aim of fostering the debate on the development of Juiz de Fora, this article aims to examine the city’s growth from the perspective of urban legislation, which proves to be one of the main elements influencing the configuration of the urban environment.
Keywords: Urban legislation. Urban planning. Building codes. Ordinance codes.
Riepilogo:
Con lo scopo di promuovere il dibattito sullo sviluppo di Juiz de Fora, questo articolo si propone di esaminare la crescita della città dal punto di vista della legislazione urbanistica, che si rivela uno degli elementi principali che influenzano la configurazione dell’ambiente urbano.
Parole chiave: Legislazione urbanistica. Pianificazione urbana. Codici edilizi. Codici di norme e regolamenti municipali.
***
O desenvolvimento de Juiz de Fora/MG tem se mostrado, ao longo de sua história, uma tarefa difícil e complexa, considerando o passado de expansão acelerada e desigual, o que resultou em um processo intenso de reorganização espacial. A fim de elucidar essas indagações sobre o desenvolvimento de Juiz de Fora, será abordado um olhar pelo crescimento da mesma a partir de uma ótica da legislação urbanística. Essa consiste no conjunto de normas, decretos, leis e regulamentações que têm por objetivo orientar e regular o uso do espaço urbano com o propósito de promover o interesse coletivo e o bem-estar social. Destarte, essa pode ser vista como uma iniciativa do poder público para ordenar/disciplinar a utilização do espaço urbano e, consequentemente, melhorar a qualidade de vida.
Juiz de Fora no Império: Os Códigos de Posturas Municipais
As primeiras demarcações dos pontos importantes e limites territoriais foram representadas por Henrique Halfeld, em seus mapas de 1844 e 1853. Em 23 de abril de 1853 foram formuladas as Posturas da Câmara Municipal da Villa de Santo Antonio do Parahybuna (futura Juiz de Fora), compostas por 127 artigos. Essas objetivavam definir as normas que seriam utilizadas para manter uma conduta de ordenamento territorial e saúde pública.
Diferentemente de muitas cidades formadas no período do Império (1822-1889), Juiz de Fora já florescia com um mecanismo legal contemporâneo à época, que iria regular sua conformação espacial, o que a distingue das demais localidades nesse período e a colocou em consonância com diversas cidades europeias. Posteriormente, ocorreram novas versões do Código, em 1857 e 1863.
O Código de Posturas era disciplinador da própria função e do uso da cidade, do seu desenvolvimento, funcionalidade, salubridade e higienização. Ao adotar esse mecanismo, o município passava a considerar de forma integrada tópicos como disposição de edifícios, cemitérios, instituições de ensino, saúde pública e outras questões de interesse coletivo.
O problema da insalubridade era grave na cidade, ocasionada de forma acentuada pelo fato de as águas urbanas atingirem o centro, proporcionando um ambiente insalubre favorável a doenças. O Código de Posturas já sinalizava a importância das questões de higiene urbana, saúde pública e controle de doenças infecciosas, que estavam em destaque no cenário global devido às epidemias, influenciado por problemas de cunho sanitário. Tais preocupações também foram refletidas pelos legisladores locais, que buscaram não só localizar adequadamente certas instalações, como cemitérios e matadores, mas também controlar a circulação do ar e da água, eliminação de cortiços e outros.
Questões como alinhamento e nivelamento das ruas, normas para construções e demolições de edificações demonstravam a interferência direta do poder público para a normatização do espaço urbano e de seu ambiente construído. Durante todo o séc. XIX, a beleza do município estava comumente atrelada a sua higiene.
República – novos tempos, novas leis.
Após 1889, o novo governo promoveu diversas reorganizações nos órgãos administrativos. Juiz de Fora cresceu muito nas últimas décadas do séc. XIX e início do XX, impulsionada pelo agronegócio e a expansão cafeeira. Com o declínio da produção de café e a intensificação da industrialização, a população local cresceu significativamente, o que contribuiu para o aumento de problemas relacionados à higiene e ao saneamento, características comuns das cidades brasileiras nesse período.
É interessante frisar que a regulamentação urbana no Brasil tem como fundamento os Códigos de Posturas até a sua substituição, na década de 20, pelos Códigos de Obras (Quinto Jr 2003, 190). No caso de Juiz de Fora, diversas resoluções, decretos e leis foram feitos a partir de 1891 para organizar seu crescimento. Mas ainda não existia um mecanismo para controlar de forma ordeira o crescimento, o que mudou em 1936, com a formulação do Código das Construções, que compreendia um compilado das posturas, leis e decretos municipais da Diretoria de Obras Públicas. Ressalta-se que o gabarito máximo (altura) das edificações tinha uma regulação de uma vez e meia da largura da rua, o que proporcionava construções relativamente baixas (Moratori 2017).
Em 1938, foi criado o tão aguardado Código de Obras do município, que além de abordar os aspectos relacionados ao planejamento urbano, foi um recurso minucioso acerca das edificações em si. Não havia uma restrição definida na legislação quanto à altura máxima dos prédios, o que viabilizava a construção de edifícios mais altos na malha urbana, superando a limitação que existia anteriormente. O Código de Obras daria maior liberdade para as construções, e com isso, a verticalização foi colocada em pauta a fim de recolocar a cidade nos rumos do “progresso”. Foi nesse momento que os grandes edifícios começaram a ser construídos, os quais trouxeram um novo perfil de verticalização para a localidade.
Mas, com o passar das décadas ocorreu a problemática de um somatório de alterações na legislação feitas por políticos, os quais fizeram concessões de benefícios particulares a alguns construtores, o que acabou por prejudicar o Código de Obras, como pode ser observado na matéria do jornal Diário Mercantil, em 24 outubro de 1976: para arquitetos e engenheiros, o Código de obras tinha se transformado em uma colcha de retalhos de difícil compreensão. O Código de Obras seria utilizado por quase 50 anos, até ocorrer a elaboração da Legislação Urbana Básica em 1986, a qual é atualizada até os dias atuais. Essa serviria de forma mais eficiente como uma ferramenta de planejamento para o desenvolvimento urbano da cidade, contendo diretrizes sobre edificações, parcelamento, uso e ocupação do solo de forma mais sustentável.
Soma-se à Legislação Urbana Básica outro elemento muito importante: o Plano Diretor de Desenvolvimento. Urbano (PDDU/2000), que tinha por objetivo fornecer à cidade ferramentas apropriadas para sua organização e expansão, seguindo padrões sustentáveis de qualidade de vida. Esse foi substituído pelo Plano Diretor Participativo (PDP/2018), que é o principal instrumento da política de crescimento e organização da expansão urbana, além de ser um guia de referência para a atuação tanto do governo quanto do setor privado em seu território.
Tão importante quanto, é a preservação do patrimônio. Desde a década de 1970, após uma série de demolições na cidade, surgiram manifestações em prol da preservação. A Prefeitura realizou um pré-inventário dos bens culturais (1981), o qual culminou em 1982 com a Lei nº 6.108, que autorizou a implantação do tombamento de bens culturais móveis e imóveis no município – e demais. Posteriormente, outros inventários foram realizados, além do tombamento de mais de 180 edificações e da criação de 7 Núcleos Históricos.
A partir dessa visão macro da legislação urbanística perante o desenvolvimento da cidade, mesmo ocorrendo alguns empecilhos nas décadas seguintes ao Código de Obras, pode-se observar uma busca dos órgãos municipais para garantir uma gestão sobre o planejamento e desenvolvimento da localidade, além da preservação dos bens culturais e do fomento das atividades construtivas. Evidencia-se uma tentativa constante de evitar distorções que possam influenciar a retenção especulativa e a gestão inadequada do solo urbano, garantindo a coesão do território, a redução das desigualdades e disparidades urbanas.
Referências Bibliográficas:
Moratori, Daniel de Almeida. 2017. “As diretrizes legais na evolução urbana da Rua Marechal Deodoro (parte baixa): dos códigos de posturas às leis de proteção patrimonial”. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Engenharia, UFJF.
Quinto Jr., Luiz de Pinedo. 2003. “Nova legislação urbana e os velhos fantasmas”. Estudos Avançados (USP), São Paulo: v. 17, n. 47, p. 187-196.
“Arquitetos culpam os políticos pelos erros do Código de Obras”. 1976. Diário Mercantil, 24 out.

Daniel de Almeida Moratori
Arquiteto e Urbanista. Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UFRN). Mestre em Ambiente Construído pela (UFJF). Especialista em Sustentabilidade na Construção Civil pelo Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais. Membro do grupo de pesquisa História da Cidade, do Território e do Urbanismo – (HCUrb/UFRN). Membro da Rede de Pesquisa Internacional “História Urbana e do Território”.
Miss Brasil Gay: 46 anos de ferveção

Noah Mancini | Miss Brasil Gay: 46 anos de ferveção
Era uma vez…
Em um momento de aniversário da cidade, em seus nem tão curtos 173 anos, é hora de olhar para o passado e revisitar alguns momentos marcados em nossa história. De certo um saudosismo de tempos áureos paira na mente, ou então uma nova rota, uma estrada real diferenciada, esperançosa por um novo marco. Como nos constituímos enquanto identidade? Quais movimentações que por aqui passam e deixam lastro, ou até criam raízes? Que frutos plantamos e podemos colher desse solo, regado cotidianamente às quatro estações? Como olhar para o agora com o que herdamos de outrora?
Dentre as muitas alcunhas popularmente conhecidas, de Princesinha de Minas à Jufas, passando por Manchester Mineira à “cidade da facada do Bolsonaro”, algo que é constantemente embasado pela população é a de certa “efervescência”, um lançante de expoentes potências. Como alguém disse que certa vez Danuza Leão comentou, “Juiz de Fora é a esquina do mundo” (YAZBECK, 2005, p. 38). Algo que também é inevitável é o seu estado de passagem, desse algo que vem de longe, que vem de fora, há algo de herdar, como o clamor por certas conquistas, a inserção em um cenário mais amplo, não pertencente ao daqui, dialógico com outras visões, tão frescas como a última moda em Milão. Nesse trânsito, por vezes atípico, talvez venha daí as raízes em clamar seus pioneirismos, os tais dos primeiros feitos, a primeira usina hidrelétrica da América Latina, a maior avenida em linha reta, a primeira cidade mineira a ter bondes… ah! E o primeiro Miss Brasil Gay, claro.
O evento Miss Brasil Gay é um acontecimento majoritariamente anual que ocorre na cidade de Juiz de Fora desde 1977, idealizado pelo cabeleireiro Chiquinho Mota. Em seus primeiros anos, devido a um período de dificuldades financeiras enfrentadas pela Escola Juventude Imperial do Samba, localizada no bairro Furtado de Menezes, teve-se a ideia de criar o evento para arrecadar fundos. Despretensiosamente, a ideia era estabelecer um comparativo com o concurso Miss Brasil, no exercício paródico do campeonato conhecido nacionalmente. De eficácia comprovada, deu tão certo que quase não parou desde então, completando, em 2023, 46 anos de existência.
Tal conjunto de fatores fez Juiz de Fora se tornar não só sede de tal evento, mas também ponto de referência no território nacional. Ao longo de suas quase cinco décadas, recebeu presenças como Elke Maravilha, Jorge Lafond, Luiza Brunet, Pabllo Vittar e, em seus remotos tempos, até Yolanda Costa e Silva (então viúva do general ditador Costa e Silva).

A categoria é… Os requisitos necessários para concorrer ao título foram estipulados nas primeiras edições do concurso e não se flexibilizaram desde então. Para competir, é necessário não ter realizado cirurgias estéticas (silicone e redesignação sexual). Faz-se necessário explanar algumas questões envolvidas na seletiva, sendo tais regras sujeitas a questionamentos e reflexōes.
O concurso é para homens gays cisgêneros que se transformam em mulheres apenas em ocasiões especiais. Deste modo, mulheres trans, travestis e cisgêneras não são permitidas, o que é bastante interessante, pois, a presença de mulheres trans e travestis é latente, principalmente aquelas que se encontram no início de sua transição e, outrossim, em 1981, um homem cisgênero heterossexual ganhou o concurso, Nanete de Windsor, de maneira a desestabilizar toda a ideia de uma mulher hegemônica. (RODRIGUES JUNIOR, 2019, p. 41).
Além disso, há determinadas categorias onde as misses podem competir, sempre evocando: “Melhor Traje de Gala”, “Melhor Traje Típico”, “Miss Simpatia” e o pódio do primeiro, segundo, e terceiro lugar como “Miss Brasil Gay”. Em um concurso cuja principal classificatória é medida pelo transformismo em caracterização feminina, salientam-se certas peculiaridades da arte drag queen, com seus determinados padrões estéticos, “nesses agenciamentos com brilho, penas, strass e cristais que esses sujeitos foram construindo a ideia de glamour e feminilidade, (…) e propondo uma feminilidade outra, e não somente exagerada ou não normal.” (RODRIGUES JÚNIOR, 2021, p. 433). Interessante notar também, paralelamente, a criação do Miss T Brasil em 2019, que pretende concorrer diretamente ao Miss International Queen, concurso de misses transexuais mundial realizado desde 2004 na Tailândia.
Nowadays
Foi somente há 25 anos que, para além do concurso, o evento começou a contar com uma programação paralela. Iniciativa puxada por movimentos análogos ao do desfile, a denominada Rainbow Fest acabou angariando outros agitos na cidade, que atualmente inclui: a parada, feita em importantes ruas e avenidas da cidade, com trios elétricos e participação massiva da população, além de uma agenda cultural com exposições e rodas de conversa em outros aparelhos culturais, públicos e privados, do município.
Torna-se importante frisar que o Rainbow Fest foi criado pelo MGM há 10 anos, sob a inspiração da realização de mais uma edição do Miss Brasil Gay. Uma série de eventos que, em um primeiro momento, visam atender ao público homossexual, mas que foram, ao longo do tempo, se transformando no maior evento da cidade, reunindo mais de oito mil turistas e uma parte da população local. (CARMO, 2008, p. 74)
Apesar de ser executada por todos esses anos, somente em 2007, através do projeto de lei nº 9275/07, proposto pelo vereador Paulo Rogério, eleito pelo PCdoB (e sancionado pelo prefeito Bejani), foi oficializada no calendário juizforano e reconhecida como quarto patrimônio imaterial municipal. Paulo Rogério também é autor da Lei Rosa – precursora no país -, instaurada em 2000 na cidade, que criminaliza a LGBTfobia. Essa confirmação na agenda cultural da cidade só ajuda a ampliar o evento e ressaltar sua importância, chamando a atenção de sujeitos a princípio alheios às pautas de sexualidade e gênero, mas também movimentando a economia local e marcando a presença da cidade no roteiro cultural brasileiro. “Ainda que a cidade seja referência na luta contra a marginalização homossexual, acreditamos haver diversas formas de violência e preconceitos vividos pelos sujeitos homossexuais em Juiz de Fora” (KELMER, 2016, p 11).
Destaque para os anos de 2014 a 2016: o evento não possuiu edição, uma vez que a prefeitura (então governada pelo prefeito Bruno), não dedicou recursos à ação. Foram nesses mesmos anos que a localidade da parada mudou, e passou da Avenida Rio Branco e Avenida Itamar Franco (na época de nome Independência) para o Calçadão da Rua Halfeld, gradeado em suas terminações na Rio Branco e na Getúlio, rua drasticamente menor que as anteriores.
O evento, nessa época, já tinha grandes proporções e fazia-se (e ainda se faz) necessário um apoio do governo municipal, uma vez que tanto marca o calendário da cidade.
Já nos anos de 2020 e 2021, a cerimônia também teve suas atividades impossibilitadas pela pandemia do Covid-19, só retomando normalmente no ano de 2022, sendo vencedora Letícia Valentinni, representante do Estado do Rio de Janeiro.
Entrevista com Paulo Rodrigues
Uma das principais referências que utilizei para escrever esse texto foi a pesquisa de Paulo Rodrigues. Paulo é pesquisador de moda, aparências e gênero. Atualmente faz doutorado-sanduíche na Universidade do Porto (Portugal). Mestre e doutorando no PPGACL/UFJF. Formado no Interdisciplinar em Artes e Design e no Bacharelado em Moda (UFJF). Já ministrou palestras e cursos sobre gênero e moda na SBPC, SESC e Instituto Adelina. Faz parte do Grupo de Pesquisa em História e Cultura de Moda e é membro do International Association of Study of Popular Music em Portugal.
Além de refletir criticamente sobre os modos comportamentais e os aspectos estético-visuais do concurso, também cumpriu certa função de historiador da moda, ao catalogar acontecimentos não apenas da cultura local, mas de todo um país.
Noah Mancini: Para você, quais as importâncias e contradições que o evento carrega?
Paulo Rodrigues: Bom, o concurso sendo um patrimônio imaterial da cidade de Juiz de Fora já mostra que carrega em sua história aspectos que vão desde o lado econômico como o cultural, artístico e político. Quando digo econômico, não falo somente para a cidade de Juiz de Fora e o turismo, mas uma parcela de pessoas LGBTQIAPN+ que criam e têm o concurso como uma plataforma de divulgação de seus trabalhos. Já dizia o coordenador André Pavam na década de 1990, uma “guerra das agulhas” acontecia concomitantemente.
No mais, é parte da história da comunidade LGBTQIAPN+ brasileira, da sua arte, da sua forma de viver, de se expressar, da sociabilidade. É a criação de um espaço de celebração de si. Claudia Wonder apontava que muito dessa arte também poderia ser lida como ritos de passagem, de reconhecimento. Talvez para a geração mais nova que está fora deste contexto isso não faça tanto sentido, mas para muitas foi um espaço de acolhimento, aprendizado e, obviamente, a seriedade de estar neste campo.
Noah: Quais personalidades você acha relevante terem passado pelo concurso, e por quê?
Paulo: Olha, as personalidades relevantes são muitas e acho que sempre esquecemos alguém, né? Mas o próprio Chiquinho, que há mais de quarenta anos reafirma seu legado e não deixa o concurso desaparecer. Juntamente ao André Pavam e outros organizadores. Mas, um exemplo entre vários, é a Michelly X. Eu vi muitas pessoas da militância compartilhando sua história meses atrás, e o que muitos não sabiam é que ela foi eleita miss em 2000.
Mas confesso que todo mundo ali tem sua importância e é muito legal ver este reconhecimento entre elas mesmas. E como toda a galeria da beleza – isso tudo me lembrou a música Mafuá das Bonitas, de Johnny Luxo – irei listar alguns nomes que se distribuem entre misses, competidoras, estilistas/figurinistas, júris e convidadas:
Mademoiselle Debret LeBlanc, Baby Mancini, Santana Loren, Ava Simões, Michelly X, Alessandra Vargas, Lizandra Brunelly, Sheila Veríssimo, Guiga Barbieri, Letícia Valentinni, Isabelita dos Patins, Kaká di Polly, Salete Campari, Fernanda Muller, Henrique Filho, Ribas Azevedo, Raika Bittencourt, Carol Zwick, Ianka Ashylen, Layla Kenn, Mirella Aciolly, Renata Finsk, Mylena Schieffer, Taíssa Nogueira, Yakira Queiroz, Carolina Shelida, Louise Balmain, Andressa Piovani, Larissa Divineli, Débora Duchese, Yoko, Luiza Ferret, Carla Faial, Vânia Bambirra, Marília Lutia, Érika Egito, Bárbara, Sumara Gunar, Kazuê, Gabi, Marina, Kika Piancassela, Nenete de Windsor, Paula Blue Man Chenquel, Maria Fernanda, Soraya Jordão, Ikaro Kadoshi, Rebeca Fellini, Antara Gold, Ferrulla Muniz, Rhada Vasconcellos, Samile Cunha, Rodolfo Gomes, Marcelo Dias, Bruna Bee, Elke Maravilha, Eric Barreto, Gretta Star, Bruno Oliveira e Vera Verão.
Noah: Ao longo de sua pesquisa, o que você encontrou de mais peculiar/curioso?
Paulo: Para mim, além das misses, o mais curioso é a trajetória dos figurinistas que têm uma responsabilidade enorme pelas aparências. Em minha área, moda e gênero, tenho como objetivo pensar as aparências e seus atravessamentos. Ao me aprofundar, o que mais achei interessante foi realmente toda a complexidade que envolve esta profissão e suas dinâmicas. É um saber da comunidade LGBTQIAPN+ que é pouco estudado, pouco debatido, mas que é um universo muito rico em histórias, técnicas, afetos e intelectualidade. Não se olha para os bastidores muitas vezes, e é onde o babado acontece também.
Noah: Você acha que essa expressão cultural tem intersecções com o território italiano?
Paulo: De imediato, eu diria que a moda italiana é muito cultuada. Vejo nos nomes escolhidos, nas marcas lembradas. As participantes do evento acumulam um capital cultural muito sofisticado em relação à moda e ao cinema, então constantemente elas citavam estilistas e diretores italianos, como, por exemplo, Versace ou Fellini. A cultura italiana, digamos de alta classe, representa o luxo. E as participantes trabalham com o luxo, com alta classe, alta moda e alta gastronomia. Elas são babadeiras e muito finas.
Noah: Durante esses quase seis anos de investigação, quais foram as maiores dificuldades?
Paulo: As pessoas trabalham muito e acabam não tendo tempo para conceder as entrevistas, assim como também trabalho muito (sim, pesquisa é trabalho), as agendas ficam muito desconectadas. E agora, morando na Europa, os horários ficaram ainda piores. Mas para mim, uma das maiores dificuldades é como pensar e fazer um trabalho ético com elas e eles, com a vida delas e deles. Estão depositando parte das suas vidas nas minhas mãos e como fazer jus a tudo isso? Fico muito agradecide, mas é uma responsabilidade que tomo não como uma dificuldade em si, mas um questionamento que deve provocar reflexões e nos tirar da inércia.
Fotos dos eventos paralelos ao concurso (2005). Autor desconhecido.
Referências bibliográficas:
KELMER, Andrea. A organização homossexual em Juiz de Fora: estudo sobre a trajetória do concurso Miss Brasil Gay em Juiz de Fora desde 1977 até a formação do MGM em 2000. Tese (Doutora em Política Social). Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense. 2016.
RODRIGUES, Marcelo do Carmo. Miss Brasil Gay, polêmica na passarela: eventos como instrumento de comunicação alternativa. Dissertação (Mestre em Comunicação Social). Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2008.
RODRIGUES JUNIOR, Paulo de Oliveira. Montações, glamour e existências: Diálogos entre o “Miss Brasil Gay Juiz de Fora” e homossexualidades a partir do vestuário entre 1977 a 2018. Dissertação (Mestre em Artes, Cultura e Linguagens). Faculdade de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora. 2019.
_______________. Miss Brasil Gay Juiz de Fora: os trajes típicos e suas mulheres imaginadas de 2017 a 2019. dObra[s]: revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], n. 31, p. 411–437, 2021.
YAZBECK, Ivanir. Eu me lembro: 350 fatos, curiosidades e personagens, que marcaram as últimas décadas da História de Juiz de Fora, extraídos da memória de 28 cidadãos. Juiz de Fora: Editora Templo, 2005.
YAZBECK, Ivanir. O Colunista. Juiz de Fora: Editora Alva, 2009.

Noah Mancini
É Bacharel Interdisciplinar em Artes e Design pela UFJF, MBA em Comunicação e Marketing pela Descomplica e Mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela UNESPAR (Bolsista Fundação Araucária). Desenvolve seus trabalhos entre o texto, o corpo e a imagem
Marianne North e a botânica no século XIX

Flaviana Aparecida da Silva | Marianne North e a botânica no século XIX
Resumo: Este artigo propõe apresentar a trajetória de Marianne North, viajante e artista inglesa, na área da história natural na segunda metade do século XIX. Objetiva-se entender sua atuação na ciência botânica, observando, principalmente, a construção e a recepção da Art Gallery Marianne. A discussão torna-se relevante ao trazer o debate sobre a presença e atuação de mulheres em uma área que, até então, era predominantemente masculina.
Palavras-chave:Marianne North. Botânica. Século XIX.
Abstract: This article proposes to present Marianne North’s trajectory, English traveler and artist, in the field of Natural History in the second half of the 19th Century. The article aims to understand her role on Botanical Science, noticing, mainly, the construction and reception of the Marianne Art Gallery in the British newspapers of the 19th Century. The discussion becomes relevant when bringing the debate about the presence and role of women in a field that, so far, was predominantly male.
Key words: Marianne North. Botanic. Century XIX.
Riepilogo: Este artículo se propone presentar la trayectoria de Marianne North, viajera y artista inglesa, en el ámbito de la historia natural en la segunda mitad del siglo XIX. El objetivo es entender su contribución a la ciencia botánica, observando principalmente la construcción y la recepción de la Galería de Arte Marianne North. La discusión se vuelve relevante al abrir el debate sobre la presencia y participación de las mujeres en un campo que, hasta ese momento, había sido predominantemente masculino.
Parole chave: Marianne North. Botânica. Siglo XIX.
***
O século XIX foi marcado pela ascensão de expedições científicas ao redor do globo terrestre. O sistema de classificação de plantas proposto por Lineu, famoso botânico sueco, tinha o objetivo de identificar e regularizar as espécies naturais do planeta e, com isso, muitos países da Europa organizaram viagens, programas e redes de intercâmbio para que viajantes, naturalistas e artistas realizassem seus trabalhos de botânica. Até então, a ciência era desenvolvida no interior doméstico, nos salões, nos encontros sociais e nos laboratórios, e com o aumento das viagens marítimas e da internacionalização do conhecimento, foi possível conhecer a fauna e a flora de outros territórios, bem como ter o controle sobre a natureza (BEWELL, 2017; THOMPSON, 2019).
É neste contexto que encontramos a personagem Marianne North. Ela foi uma mulher que nasceu na Inglaterra em 1830, em uma família tradicional de políticos. Seu pai, Frederick North, era membro do Partido Liberal Inglês e realizava muitas viagens a trabalho, e em muitas jornadas estava na companhia da filha. Quando seu pai morreu, Marianne North iniciou uma série de viagens pelos continentes com o objetivo de pintar a flora dos territórios do mundo e fazer coletas para a construção de uma galeria de arte que futuramente receberia seu próprio nome.
Marianne North era uma mulher apaixonada pela natureza. Na juventude, seus livros preferidos eram os de botânica, e sempre estava disposta e interessada em obter conhecimento nas técnicas de pintura e catalogação de espécies vegetais. Neste período, o conhecimento científico era sinônimo de poder para o Império Britânico, já que estava relacionado às questões econômicas, na busca de matéria-prima, no fortalecimento do governo e na incorporação de novas tecnologias (PRATT, 1999; BEWELL, 2017). Muitos viajantes atuavam direta e/ou indiretamente nas atividades de botânica do Império Britânico. Eles observavam, quantificavam e classificavam as espécies nativas. Alguns eram financiados pelo governo, enquanto outros exerciam os trabalhos de forma autônoma (SOUZA, 2020; ZUBARAN, 2005). Até o presente momento da pesquisa, é possível dizer que Marianne North era a financiadora de suas viagens. As referências bibliográficas e os documentos analisados não atestam a participação de investimento de pessoas ligadas ao Império Britânico.
O processo de profissionalização da botânica foi um transcurso marcado pela forte masculinização. As mulheres brancas de classe alta e média, por mais que fossem incentivadas ao aprendizado botânico, principalmente ao ensino das técnicas de pinturas de flores, em geral eram os homens que carregavam o título de cientistas e naturalistas (DICKENSON, 2000). Para alguns autores, Marianne North era uma “autodidata em botânica”, pois não estudou por longos períodos em colégios, e trocava conhecimento através das redes de sociabilidades e dos encontros sociais com ilustres botânicos. Nesse sentido, por mais que as mulheres fossem incentivadas ao estudo da botânica, dificilmente elas recebiam um treinamento formal, e assim como Marianne North, os aprendizados delas eram desenvolvidos em estudos em casa, nos relacionamentos sociais e no dia a dia da prática, através do trabalho em campo de coletas e sistematização dos espécimes (LE-MAY SHEFFIELD apud RYALL, 2008).
De acordo com Souza (2021), devido às dificuldades de acesso às instituições científicas, muitas mulheres desenvolveram atividades no espaço doméstico de pessoas da alta classe britânica. Inseridas em redes de sociabilidade, elas conseguiram se locomover em centros sociais que dispunham de laboratórios, bibliotecas e coleções. Outras mulheres atuavam nos espaços marítimos, e enquanto participavam de viagens à América e África, coletavam, desenhavam e levavam informações da natureza para o país de origem. Nesse sentido, ao propormos apresentar a trajetória de Marianne North na botânica, vamos observar principalmente a construção e a divulgação de sua Galeria de Arte na imprensa.
Marianne North viajou pelo mundo para fazer o que mais gostava: pintar flores. Durante suas jornadas, ela desenvolveu um projeto de criação de uma galeria de arte que abrigasse amostras da botânica de todo o planeta. Sob o nome de Marianne North Gallery of Painting of Plants and their Homes, a sala fica localizada no Kew Gardens, em Londres, uma importante instituição museológica que atuou principalmente no século XIX (BANDEIRA, 2012).
A galeria foi inaugurada em 1882, e abriga cerca de 848 pinturas de espécies vegetais produzidas a partir das jornadas marítimas. De acordo com Gazzola (2001), a disposição dos quadros na sala remete aos princípios classificatórios de incluir objetos “autênticos”, lado a lado, assim como uma coleção de selos fixos na parede. Em 2007, o Kew Gardens realizou uma restauração dos quadros após o diagnóstico de contaminação de fungos (BANDEIRA, 2010). O trabalho foi concluído em 2010, e atualmente a sala está disponível para visitação.
Quando a galeria foi inaugurada, os jornais britânicos do período divulgaram o espaço e realizaram inúmeros elogios à Marianne North. O London Daily News, jornal inglês, no dia 17 de junho de 1882 publicou:
Poucas mulheres e não muitos grandes homens erigiram monumentos à arte por sua própria energia de iniciativa, por conta própria e com diligência com a qual a Senhorita North apresentou à nação. A Marianne North Gallery, como sua criadora e doadora deseja que seja chamada, não é apenas um pequeno depósito de tesouros ligados à arte, é o registro da pesquisa em História Natural como nunca havia sido feita por uma única pessoa, e acreditamos não existir nada parecido em nenhum outro lugar (London Daily News apud Hastings and St. Leonards Observer, XVII jun, 1882).
Em uma rápida pesquisa nos jornais britânicos, é possível perceber a ênfase ao fato de Marianne North realizar suas viagens sozinha, sem a companhia de uma figura masculina. Deste modo, entendemos que por ser incomum as mulheres viajarem desacompanhadas, os impressos consideravam importante enfatizar que Marianne North não tinha a presença de um homem para desenvolver suas atividades.
Que uma mulher tenha viajado ao redor de todo o mundo, procurado pelos objetos naturais mais interessantes e belos, e os pintado imediatamente, frequentemente sob condições de dificuldade, incapacidade, e possível perigo, com uma atenção aos detalhes e o acabamento com perfeição que os faz serem tesouros científicos, é uma maravilha suficiente (London Daily News apud Hastings and St. Leonards Observer, XVII jun, 1882).
De maneira geral, a imprensa britânica destacou o trabalho de Marianne North na botânica, elogiando suas pinturas e divulgando sua galeria de arte para seus leitores. Embora a produção científica tenha sido dominada por muitos homens, as mulheres fizeram uma importante contribuição para a história natural, e seus papéis merecem ser destacados. Assim como Marianne North, outras viajantes desenvolveram trabalhos que fizeram parte do projeto britânico de ciência. Elas estavam em toda a parte, e apesar de realizar as mesmas produções que os viajantes masculinos, seus nomes são diminuídos, pois são “mulheres” (RODENAS, 2013). Nesse sentido, cabe aos historiadores, em seu ofício, trazer suas trajetórias e divulgar as histórias destas personagens tão fascinantes.
Referências bibliográficas:
BANDEIRA, Julio. Introdução. In: A Viagem ao Brasil de MARIANNE NORTH 1872-1873. Rio de Janeiro: Sextante Artes, 2012.
BEWELL, Alan. Natures in translation. Romanticism and Colonial Natural History. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2017.
DICKENSON, John. Marianne North: uma naturalista do século dezenove no Brasil?. Cadernos Pagu: Campinas, 2000, pp. 145-164.
GAZZOLA, Ana Lúcia Almeida. Paisagens, imagens: visões da alteridade. In: Marianne North: lembranças de uma vida feliz. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 2001, p. 30-33.
Hastings and St. Leonards Observer, XVII jun, 1882.
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império. Relatos de viagem e transculturação. Bauru: EDUSC, 1999.
RODENAS, Adriana Méndez. Transatlantic Travels in Nineteenth-Century Latin American Literature: European Women Pilgrims. Lewisburg: Bucknell UP, 2013.
RYALL, Anka. The World According to Marianne North, a Nineteenth-Century Female Linnaean. TijdSchrift voor Skandinavistiek, Groningen, Vol. 29, nº 1, 2008, p. 195-218.
SOUZA, Maria de Fátima Medeiros de. Viajar, observar e registrar: coleção e circulação da produção visual de Maria Graham. Tese (Doutorado em Artes visuais) – Universidade de Brasília. Programa de Pós-Graduação em Artes visuais, Brasília, 2020.
THOMPSON, Carl. Women travelers, romantic-era science and the Banksian Empire. Royal Society, London, vol 79, nº 4, p. 431-455, 2019.
ZUBARAN, Maria Angélica. “A vistosa vestimenta vegetal do Brasil”: Maria Graham e as representações da natureza tropical no século XIX. Textura, Canoas, n. 11, 2005, p. 57-63.

Flaviana Aparecida da Silva
Doutoranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestra em História pela UFJF. Membra do Núcleo de Estudos em História Social da Política – NEHSP. E-mail: flavianaaps@hotmail.com
O reinado de Jeroboão II em Israel (793 a 753 a.C.)

Matheus da Silva Carmo | O reinado de Jeroboão II em Israel (793 a 753 a.C.)
Resumo: Um dos momentos de maior prosperidade e riqueza vivenciadas pelo reino de Israel foi durante o reinado de Jeroboão II (793 a.C. – 753 a.C.). Aproveitando-se do contexto político regional do início do século VIII a.C., Jeroboão conseguiu romper definitivamente a influência de Damasco em Israel e transformar o reino em uma potência regional. Porém, a abundância não foi vivenciada por todos os segmentos sociais de igual modo, visto que os mais pobres foram muito explorados nesse período histórico. Com isso, surgiram grupos proféticos, representados sobretudo por Amós e Oséias, que, por meio do apego a Javé, pregavam o fim da exploração para com os grupos mais abastados da sociedade israelita.
Palavras chaves: Israel. Jeroboão II. Prosperidade. Oséias. Amós.
Abstract: One of the moments of greatest prosperity and wealth experienced by the kingdom of Israel was during the reign of Jeroboam II (793 B.C. – 753 B.C.). Taking advantage of the regional political context of the early 8th century BC, Jeroboam managed to definitively break the influence of Damascus in Israel and transform the kingdom into a regional power. However, abundance was not experienced by all social segments in the same way, since the poorest were much explored in this historical period. With this came prophetic groups, represented above all by Amos and Hosea, who through attachment to the Lord preached the end of exploitation to the richest groups of Israelite society.
Key words: Jeroboam II. Prosperity. Hosea. Amos.
Riepilogo: Uno dei momenti di maggiore prosperità e ricchezza vissuti dal regno di Israele fu durante il regno di Geroboamo II (793 aC – 753 aC). Sfruttando il contesto politico regionale dell’inizio dell’VIII secolo aC, Geroboamo riuscì a spezzare definitivamente l’influenza di Damasco in Israele ea trasformare il regno in una potenza regionale. Tuttavia, l’abbondanza non è stata vissuta allo stesso modo da tutti i segmenti sociali, poiché i più poveri sono stati molto sfruttati in questo periodo storico. Con ciò apparvero gruppi profetici, rappresentati soprattutto da Amos e Osea, che attraverso l’attaccamento a Yahweh, predicavano la fine dello sfruttamento nei confronti dei gruppi più ricchi della società israeliana.
Parole chiave: Israele. Geroboamo II. Prosperità. Osea. Amos.
***
O reino de Israel contou com diversos reis, mas nenhum deles foi tão longevo no poder quanto Jeroboão II, que reinou por 40 anos em Samaria, capital de Israel. O reinado de Jeroboão II não foi marcado apenas pela longevidade, mas também por uma grande prosperidade econômica e prestígio “internacional”, e isso é testificado pelo relato bíblico: “[Jeroboão II] restabeleceu as fronteiras de Israel, desde a entrada de Emat até o mar de Arabá […] Iahweh não havia decidido apagar o nome de Israel sob o céu e o salvou pela mão de Jeroboão, filho de Joás” (2REIS 14,25.27). No que tange a domínios territoriais, o reino de Israel, durante o reinado de Jeroboão II, conseguiu se expandir como nunca antes em sua história reinol (SCHULTZ, 1977, p. 362).
Anos antes do reinado de Jeroboão II, Israel havia perdido muitos territórios para os arameus de Damasco. Mas, com Jeroboão II tal quadro se modifica, visto que ele não só recupera os territórios outrora pertencentes a Israel, como também expande o reino: “avaliações típicas do reinado de Jeroboão extrapolam essa nota de expansão do norte [Israel] para incluir glória, riqueza e prosperidade sem precedentes para a nação de Israel” (BOLEN, 2002, p. 3).
Já com Joás, pai de Jeroboão II, Israel começou a se recuperar dos golpes proferidos pelos arameus. Israel se aproveitou do enfraquecimento do reino de Damasco, que foi invadido pelo império assírio no início do século VIII a.C., para se reerguer. Ele fez isso submetendo voluntariamente Israel à vassalagem para com o império assírio. Isso fica evidente na Estela de Adad Nirari III que retrata a homenagem prestada pelo rei Joás de Samaria para com o soberano assírio (cf. DONNER, 2017, p. 338). Diante da submissão de Israel a Assur, o reino israelita voltou a ter um período de bonança: “enquanto a Assíria manteve uma forte presença no Oeste, seus leais vassalos [entre eles Israel] colheram os benefícios de uma estabilização renovada” (ARNOLD e WILLIAMSOM, 2005, p. 466).
O texto bíblico expressa o período de opressão vivido por Israel durante o tempo de hegemonia dos arameus, e reconhece como Javé suscitou um libertador para salvar Israel da opressão:
Então, a ira de Iahweh se inflamou contra Israel e o entregou a Hazael, rei de Aram, e a Bem-Adad, filho de Hazael, por todo aquele período. Mas, Jeoacaz procurou aplacar a ira de Iahweh e Iahweh o atendeu, porque viu a tirania com que o rei de Aram oprimia Israel. Iahweh deu a Israel um libertador; eles se libertaram do poder de Aram, e os israelitas puderam de novo morar em suas tendas como antes. (2REIS 13,3-5).
Por mais que o texto fale que Jeoacaz, avô de Jeroboão II, aplacou a ira de Javé, o libertador prometido é Jeroboão II, que conseguiu romper com a influência interna dos arameus em Israel de forma definitiva para que o reino pudesse gozar de grande prosperidade (KAEFER, 2015, p. 85). Ou seja, Joás e, sobretudo, Jeroboão II, souberam aproveitar-se da conjuntura política “internacional” de sua época para reestruturar o reino de Israel. Sob a submissão assíria, Israel não apenas conseguiu se recuperar, mas tornou-se uma potência regional no Levante (cf. KRATZ, 2015, p. 23).
No que tange à atividade comercial, o reino de Israel durante o reinado de Jeroboão II lucrou consideravelmente, graças às relações estabelecidas com os fenícios. Além disso, Israel controlava uma rota comercial desértica que se localizava na região de Dha el-Ghazza. Através dela, o Reino de Israel tinha acesso a portos no mar Mediterrâneo. Outro ponto importante no que tange ao comércio é que Israel contava com assentamentos em suas terras altas que eram propícias para a produção de azeite e vinho (cf. FINKELSTEIN, 2015, p. 161). Tais produtos eram exportados com lucro para a Assíria e depois para o Egito, visto que o último não tinha boas regiões para que as oliveiras fossem cultivadas (FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 284)
Outro ponto importante na atividade comercial de Jeroboão II era o comércio de cavalos treinados. A cidade, ao norte de Israel, era usada como local de treinamento e criação de cavalos egípcios. Dali, eles eram “vendidos para a Assíria e outros reinos do Norte […],.A indústria de cavalos foi provavelmente um dos empreendimentos econômicos mais importantes de Israel no século VIII a.C.” (FINKELSTEIN, 2015, p. 164) A especialidade do Israel de Jeroboão II era o treinamento de cavalos especializados e também a fabricação de bigas, o que era muito lucrativo para Israel.
A capital de Israel, Samaria, durante o reinado de Jeroboão II se tornou a maior cidade do Levante Sul durante o século VII a.C., além de ser uma das cidades mais influentes e prósperas daquela região: “a estrutura, com palácios e imensas muralhas, encontrada pelas escavações da capital Samaria, é testemunha viva do poderio econômico de Israel Norte [nos dias de Jeroboão II]” (KAEFER, 2017, p. 140). Ademais, as muralhas de Samaria foram reforçadas por Jeroboão II, o que demonstra ainda mais o seu poderio econômico.
Agricultura, comércio árabe, cavalos especializados para o mercado “internacional” e o alto índice populacional foram marcas registradas do governo de Jeroboão II. Isso possibilitou a Israel viver uma profunda prosperidade, nunca antes experimentada. Graças a fatores internos e externos, Israel viveu, no início do século VIII a.C., um período de estabilidade reinol que ficou marcado nas páginas da Bíblia Hebraica.
Malgrado isso, a prosperidade e a abundância não atingiram toda a população israelita, apenas os grupos mais próximos da coroa. A população mais pobre não se beneficiou da prosperidade vivenciada, tornando-se ainda mais vítima de exploração pelos grupos dominantes: “o brilho do reinado de Jeroboão II encobriu só imperfeitamente os males sociais, a corrupção na administração e no exercício da Justiça” (DONNER, 2017, p. 340). A aristocracia israelita detinha uma profunda riqueza, o que é atestado pela arqueologia: placas de marfim, com detalhes egípcios, eram usadas para ornamentar casas e palácios em Israel (cf. FINKELSTEIN e SILBERMAN, 2003, p. 287). Os profetas Oséias e Amós se levantaram em favor dos mais fracos e oprimidos de Israel e contra a opulência dos ricos e poderosos:
Eles [os mais ricos] se deitam em camas de marfim, estendidos em seus divãs, comem cordeiros do rebanho e novilhos do curral, improvisam ao som da harpa como Davi, inventam para si instrumentos de música, bebem crateras de vinho e se ungem com o melhor dos óleos, mas não se preocupam com a ruína de José. (AMÓS, 6,4-6)
Por meio de tal texto, podemos ver a forma como os profetas se colocaram de forma crítica a Jeroboão II e a seu reinado, visto que a lacuna econômica entre os ricos proprietários de terras e os trabalhadores do campo cresceu consideravelmente. Isso demonstra que a prosperidade e a abundância não foram vivenciadas por todos os segmentos sociais de Israel:
E com ele [Jeroboão II] uma nova estrutura burocrática mais complexa: por um lado, famílias poderosas ligadas à corte ou que faziam parte dela; do outro lado, camponeses e pequenos proprietários que eram expropriados de seu trabalho e de suas terras. Porém, nada comparável à opulência em que vivia a elite de Samaria no reinado de Jeroboão II, como mostram as várias placas de marfim com desenhos fenícios e egípcios, encontradas junto às ruínas do palácio de Jeroboão II. Ou seja, o progresso só foi favorável para uma pequena parcela da população, a que era formada por grandes proprietários de terras, famílias poderosas ligadas à corte, administradores, oficiais do exército, sacerdotes, grandes comerciantes, um corpo de juízes corruptos etc. (KAEFER, 2015, p. 91)
Ao fim dessa proposta de exposição, salientamos que, durante o reinado de Jeroboão II, o Reino de Israel viveu por um período um grande momento de prosperidade, oriundo de expansões territoriais, aumento populacional e construções arquitetônicas. Israel voltou a ser uma potência regional muito forte. Porém, a maior parte da população não foi afetada por essa prosperidade, o que fez com que vozes proféticas se levantassem contra a opressão vivenciada pelos mais pobres da sociedade por meio do apego constante a Javé, entendido como aquele que garante o direito para o pobre e oprimido.
Referências bibliográficas
Arnold, Bill T.; Williamson, Hugh G. M. (Eds.). Dictionary of the Old Testament: Historical Books. 2005. Westmont: InterVarsity Press.
BÍBLIA, DE JERUSALÉM. (2002). Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus.
Bolen, Todd. The Reign of Jeroboam II: A Historical and Archeological Interpretation. 2002. Thesis (Master of Theology) – The Master’s Seminary, The Master’s University, Sun Valley.
Donner, Herbert. História de Israel e dos povos vizinhos: dos primórdios até a formação do Estado. 2017. 7ª ed. São Leopoldo: Sinodal.
Finkelstein, Israel; Silberman, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. 2003. São Paulo: A Girafa.
Finkelstein, Israel. O Reino esquecido: Arqueologia e História de Israel Norte. 2015. São Paulo: Paulus.
Kaefer, José Ademar. A Bíblia, a arqueologia e a História de Israel e Judá. 2015. São Paulo: Paulus.
Kaefer, José Ademar. A Bíblia começou em Israel Norte – Gênesis 49, 13-(18) 24a. 2017 PLURA – Revista de Estudos de Religião, v. 8, n. 2, p. 138-153.
Kratz, Reinhard G. Historical and biblical Israel: the history, tradition, and archives of Israel and Judah. 2015. Oxford: Oxford University Press.
Schultz, Samuel J. A História de Israel no Antigo Testamento. 1977. Grand Rapids: Outreach.

Matheus da Silva Carmo
Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: mateuscarmo.ms@gmail.com.
Autores:
Pâmella Nascimento e Luiz Cruz
Dalila Varela Singulane
Adrielly Ramos
Carolina Saporetti
Daniel Moratori
Noah Mancini
Flaviana Silva
Matheus Carmo
Arte da capa:
Tata Rocha
Revisoras:
Tássia Souza
Ana Lúcia Jensen
Ilustrações:
Laura Coury Bernardes
Projeto Gráfico:
Rafael Moreira Teixeira
Coordenação Geral:
Rafael Moreira Teixeira
Edição:
Paola Maria Frizero Schaeffer
Dalila Varela
Assistente editorial:
Camila de Sá Oliveira
Helena Amaral Sant’Ana
Adrielly Ramos de Lima
Guilherme Abizaid David
Tamiris de Moura N. Rosa
Milene do Carmo Gomes
Thaynà de Paula da Silva
Site:
Thaiana Fernandes Pinto Gomes
Mídias sociais:
Rafael Moreira Teixeira
Diagramação:
Thaiana Fernandes Pinto Gomes
Captação e edição de áudio e vídeo:
Vinícius Sartini da Silva
Apoio:
Diego Barbosa Roque
Cristina Njaim Coury
Ana Carolina de Paula Fellet
Lucimar Therezinha Grizendi
Vinícius Sartini
Paola Frizero
Rafael Bertante
Patrícia Ferreira Moreno
Rafael Moreira
Arlene Xavier Santos Costa
Louise Torga
Paulo Jose Monteiro de Barros
Ana Lewer
Realização:
Duplo Estúdio de Criação
Departamento de Cultura da Associação Casa de Itália
Periodicidade:
Mensal
ISSN: 2764-0841

